Panorama dos chalés para turistas na ecovila Itapeba
Panorama dos chalés para turistas na ecovila Itapeba

 

[quote_box_center]Leia a parte 01: Diário de um antropologo numa ecovila

Leia a parte 02: Diário de um antropólogo numa ecovila

Leia a parte 03: Mito e realidade da criação de Itapeba

Leia a parte 04: Ritual da ~Amizade~

Leia a parte 05: Convite para ação

Leia a parte 06: Minha apresentação à comunidade

Leia a parte 07: Dialética sujeito/objeto em cheque

Leia a parte 08: VOCÊ ESTÁ DEMITIDO

Leia a parte 09: Uma luz no fim do túnel  [/quote_box_center]

Na parte 5 desse relato, contei como me tornei o “administrador da ecovila”. Cristina convidou então a comunidade para uma reunião onde me apresentei, expliquei rapidamente a pesquisa que estava realizando e expus minha proposta de facilitação.

Cerca de 30 pessoas estavam presentes nesse encontro, incluindo pessoas ligadas ao Centro e outros moradores antigos e novos, além de visitantes. De todos os encontros que eu havia participado até então, esse era de longe o que contou com o maior número de pessoas presentes.

No entanto, assim como nos encontros anteriores, dessa vez também não havia nenhum trabalhador das equipes de construção nem faxineiras e cozinheiros do Centro. Isso poderia indicar exclusão social pautada por uma hierarquia piramidal, mas ainda era cedo para afirmar isso com segurança.

Pedi a todos que, para a próxima reunião, refletissem sobre o significado da Associação para cada um deles, avaliando qual a necessidade de se criar esta instituição e qual seria o papel dela na ecovila. Assim, eu teria uma oportunidade de entender melhor a situação.

Minha proposta incluía uma série de questões para reflexão, das quais discutiríamos as duas primeiras no encontro seguinte:

1. Vocês aceitam que eu seja o facilitador das reuniões de criação da associação?
2. Qual sua expectativa em relação à associação? Porque você quer criar essa instituição? (motivos pessoais)
3. Por que a comunidade precisa de uma associação? (fatores internos e externos)
4. Quem são os stakeholders da associação? Quais são os grupos e organizações envolvidos? Como será sua relação com a associação?
5. Qual seu entendimento do processo de criação da associação até a minha chegada? Quais aspectos da discussão que já aconteceu antes podem ser aproveitados ou melhorados agora?
6. Quem participará da associação? Quais os diferentes níveis de envolvimento possíveis?

Todos ficaram entusiasmados com a minha proposta e concordaram com ela. Depois de receber as boas vindas da líder espiritual, agora eu estava sendo aceito também pela comunidade.

O encerramento da reunião de apresentação da minha proposta foi um tanto quanto conturbado. Tania, uma das sócias do CUDS, havia aparecido sem aviso prévio, vinda de Natal (RN) onde estava passando férias, e sua presença gerou um clima de desconforto entre os moradores da ecovila. Cristina, que estava atuando como anfitriã da reunião, tentou impedir que Tania se expressasse, enfatizando diversas vezes que aquele encontro tinha como propósito apenas apresentar minha proposta e que não haveria espaço para dúvidas e colocações de outras pessoas.

Mas Tania não se contentou com isso e ficou esperando uma brecha para se expressar. Ela declarou que estava transtornada com o fato de que se estava discutindo a administração da ecovila sem incluir os sócios da empresa fundadora de Itapeba no processo. Para evitar que o encontro descarrilhasse num conflito entre os sócios da empresa, afirmei que minha preocupação era ajudar os atuais moradores da ecovila a se organizarem em uma associação, enquanto que as questões de administração da empresa não estavam sob minha alçada.

Cristina decidiu encerrar a reunião alegando que já estava no horário de almoço e que muitos dos que estavam presentes precisavam se ausentar para buscar seus filhos na escola. Ela propôs que a primeira reunião da associação a ser conduzida por mim acontecesse dali a uma semana, numa terça feira às 9 da manhã. Ninguém se opôs.

Tania pediu que eu permanecesse para conversar com ela. Outras pessoas permaneceram também, como Moksha, Luke, John e um morador romeno chamado Ferdinand. Moksha estava preocupado com o método que eu utilizaria para conduzir os encontros. Ele se ofereceu para me ajudar, pois tem experiência em tomada de decisão por consenso e comunicação não-violenta, conforme eu já havia experimentado no Ritual da Amizade que ele liderou.

Moksha também expressou sua preocupação com minha legitimidade como facilitador da criação da associação. Ele disse que tanto Joana quanto Mauro já haviam tentado criar uma instituição que servisse de mediação dos conflitos da comunidade, mas que o fato de terem sido nomeados por Cristina minou sua autoridade perante aqueles que estão em oposição à gestão da líder espiritual e seu marido.

Eu já havia contemplado esse risco, e por isso mesmo, sugeri que o primeiro ponto da pauta do próximo encontro fosse justamente uma resposta por parte de todos os presentes sobre minha proposta como um todo. Moksha concordou e afirmou que era preciso que todos concordassem para que eu tivesse autoridade e não fosse enxergado como um funcionário nomeado por Cristina.

Balsa que ajuda na travessia do rio Itapeba para a praia
Balsa que ajuda na travessia do rio Itapeba para a praia

Já havia deixado arranjado com Moksha que juntos iríamos elaborar algumas regras para o bom funcionamento dos encontros, o que incluiria espaço para que todos os interessados se manifestassem e pudessem participar do processo decisório.

Tania começou então seu desabafo:
(…) Nós, sócios não-residentes, somos donos de 2/3 do CUDS poderes administrativos a Cristina e Johann, o que vejo hoje que foi um excesso de confiança, tendo em vista tudo que aconteceu depois. Além de mim, todos os outros sócios consideram que o casal abusou desse poder que delegamos a eles. Por isso, queremos vender a empresa. O projeto original não era criar uma comunidade, mas um Centro. O desenvolvimento de uma comunidade já foi um desvirtuamento da empresa.

A área da Ecovila 2 foi comprada por um preço muito abaixo do mercado. Sua venda gerou muito lucro para Cristina e Johann, mas eles atuaram por interesse próprio, algo que foi contrário aos interesses da empresa que eles administravam, pois entre atividades produtivas, a venda de lotes era a principal fonte de recursos da organização.

Cristina e Johann haviam prometido que haveria retorno sobre o investimento de € 75.000 e que o lucro seria dividido entre todos os sócios. Por conta dessa situação conflituosa sem perspectivas de resolver nem abertura pra diálogo, estamos nos preparando pra entrar na justiça contra o casal caso a situação não se resolva.

Vai ser muito difícil que você consiga ter sucesso na criação da associação de forma democrática, pois isso contraria a maneira como Itapeba vem sendo administrada! (Tania).

Ferdinand, romeno que reside em Itapeba há 2 anos e meio, afirmou que não existe uma comunidade em Itapeba, apenas business. Questionei-o a respeito da alegação de Cristina de que a empresa nunca deu lucro, e que, portanto esse business não estava indo muito bem. Ele disse que não é a empresa que está tendo lucro, mas sim o casal administrador, o que está de acordo com as acusações de Tania.

O Acesso à praia é propriedade da empresa dos fundadores da ecovila
O Acesso à praia é propriedade da empresa dos fundadores da ecovila

Moksha e Ferdinand expressaram sua preocupação com o fato de que a empresa controla o acesso à praia e à reserva ecológica, considerando que os membros da ecovila não têm recursos para influir sobre o destino dessas áreas. Para eles, o conflito entre os sócios do Centro e a possibilidade de que eles entrem na justiça para conseguir vender a empresa podem representar muito perigo para os moradores.

Aos poucos, o grupo foi se dispersando. E eu percebi que estava me envolvendo com conflitos de diversas ordens, muitos deles fugindo completamente da minha alçada. Eu tinha um grande desafio pela frente: evitar que os diversos grupos que estavam em conflito com Cristina e Johann me identificassem como representante direto deles, enquanto que, simultaneamente, não criar conflitos com o casal para não inviabilizar minha pesquisa nem a função que eu havia assumido voluntariamente.

Encerro assim a sexta parte do diário de campo.

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