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[quote_box_center]Leia a parte 01: Diário de um antropologo numa ecovila

Leia a parte 02: Diário de um antropólogo numa ecovila

Leia a parte 03: Mito e realidade da criação de Itapeba

Leia a parte 04: Ritual da ~Amizade~

Leia a parte 05: Convite para ação

Leia a parte 06: Minha apresentação à comunidade

Leia a parte 07: Dialética sujeito/objeto em cheque

Leia a parte 08: VOCÊ ESTÁ DEMITIDO

Leia a parte 09: Uma luz no fim do túnel  [/quote_box_center]

Joana marcou um encontro comigo para me atualizar do que já havia sido discutido nos anos anteriores a respeito da associação. Quando cheguei à casa de Joana, além dela estavam presentes, inesperadamente, Vitor, Cristina e Bender. Nessa conversa, Cristina me informou que não iria mais precisar dos meus trabalhos e que a reunião para tratar da associação estava cancelada.

No encontro regular da comunidade que irei presidir daqui a pouco, vou pedir para todos que não possuem terreno e não residem na ecovila há pelo menos um ano que deixem a reunião. Quando estivermos só com moradores de verdade, decidiremos juntos se queremos ou não ter uma associação. Se todos decidirem fazer a associação, você pode continuar participando das reuniões, mas não vai mais liderar nem moderar nada, ficará apenas como um consultor, alguém que só se manifesta quando for solicitado (Cristina).

Nem Cristina nem os outros presentes – anteriormente indignados pela possibilidade de que eu estivesse “promovendo a divisão e a separação da comunidade” ao marcar duas reuniões para discutir a associação – pareciam se incomodar agora em dividir a ecovila em moradores e não moradores, excluindo arbitrariamente muitos do processo no qual já estavam envolvidos.

A comunidade está passando por um momento de sobrecarga, pois o pequeno grupo de 13 pessoas que trabalha no Centro tem que se esforçar para sustentar cerca de 70% da ecovila. Tudo que recebemos dos outros moradores é resistência e rejeição.

Nós, os 13 guardiões de Itapeba, somos os únicos que realmente nos preocupamos com o desenvolvimento da ecovila. Todos os outros moradores estão preocupados só com seus próprios problemas, não contribuindo de forma alguma com a comunidade.

Vou te explicar quem são as pessoas que não fazem parte do grupo dos guardiões e você vai entender porque eles não contribuem com a comunidade (Cristina).

Itapeba: no mato sem cachorro
Eu em Itapeba: no mato sem cachorro

Havia o grupo de moradores que, de acordo com Cristina, se ausentava da ecovila frequentemente e, quando retornavam, exigiam que fossem incluídos nas discussões e reclamavam das decisões que já haviam sido tomadas.

Entre os recém-chegados, há algumas famílias que contribuem muito com a comunidade, colaborando com as tarefas para as quais são escolhidos, enquanto outras estão na ecovila apenas para criar conflitos e desrespeitar a comunidade. Esses aí nunca farão parte de Itapeba (Cristina).

Ela listou então uma série de prioridades da comunidade para os próximos meses, ressaltando que a associação não era uma delas. Dentre essas prioridades, havia a captação de recursos para construir a casa de uma das professoras da escola, a realização de uma oficina de construção com bambus para fomentar o projeto de permacultura de seu filho Bender e a promoção e organização do Primeiro Encontro Internacional de Comunidades Intencionais, que estava sendo articulado por Johann na Europa.

Curiosamente, todas as prioridades “da comunidade” expostas por Cristina estavam diretamente relacionadas às necessidades de diversos componentes do grupo de guardiões, boa parte deles seus parentes, o que soou completamente contraditório para mim, especialmente por terem vindo de uma pessoa que acabara de acusar outras de agirem por motivações egoístas.

Chame os orixás!
Eu tinha problemas! Era hora de pedir ajuda aos Orixás!

De acordo com ela, não era necessário criar espaços para comunicação na ecovila, pois esses espaços já existiam: as leituras de aura, o círculo de interpretação de sonhos e o processo de 21 dias de viver de luz. Refleti que todos esses supostos espaços para a livre comunicação eram liderados por Cristina.

A fundadora de Itapeba prosseguiu afirmando que não adianta disponibilizar esses espaços porque não serão eles que vão resolver o problema. Para isso, é preciso que as pessoas decidam se transformar, e isso é algo que vem de dentro. As pessoas que causam conflitos são justamente aquelas que não participam dos espaços de comunicação adequados. Se elas não estão dispostas a se trabalhar internamente, ninguém pode obriga-las a fazer isso.

Mais uma vez, refleti que essas afirmações soavam também contraditórias, me recordando que nenhum dos guardiões esteve presente no Ritual da Amizade promovido por Moksha, fato que foi lamentado por quase todos os participantes. Aparentemente, Cristina não estava disposta a se submeter a trabalhos interiores que não fossem conduzidos por ela mesma.

Ela prosseguiu ilustrando a história de Ferdinand. De acordo com ela, o romeno havia ficado em conflito direto com ela e os guardiões por um ano e meio. Nesse período, Ferdinand estava enfrentando muitos problemas em sua vida pessoal, com um filho recém-nascido e um casamento que estava quase se autoimplodindo, até que ele finalmente resolveu pedir ajuda a Cristina. Ela o aconselhou a reconciliar-se com sua companheira, deu a ele um emprego como motorista do Centro e o incluiu na comunidade. Todos os problemas de Ferdinand foram resolvidos e ele deixou de criar problemas e causar conflitos em Itapeba.
Nesse momento, veio à minha mente a conversa que eu havia tido com Ferdinand, em que ele se orgulhava de ter “aberto os olhos” dos sócios do CUDS a respeito do abuso de poder que Cristina e Johann estavam praticando na gestão da empresa.

Cristina continuou, dizendo que não era líder de ninguém. De acordo com ela, caso ela desejasse, poderia liderar, mas que ela fez a opção de dar espaço para que todos possam exercer esse papel. Se ela é obrigada a assumir a liderança, é porque nos momentos em que surgem os problemas, ela é a única que assume a responsabilidade e os enfrenta. Sempre que há alguma coisa ruim a ser dita, ela é a única com coragem para fazê-lo.

Sobre o modelo de tomada de decisão, Cristina afirmou que no grupo de guardiões tudo é decido por consenso, pois todos querem o bem de Itapeba e confiam, respeitam e amam uns aos outros e a ecovila como um todo. Nesses encontros, o consenso sempre emerge naturalmente. Mas quando os guardiões são obrigados a lidar com pessoas de fora que só pensam no seu próprio bem, o consenso se torna inviável, restando apenas a democracia da maioria como mecanismo decisório.

Refleti comigo mesmo que era uma pena que eu nunca tinha sido convidado para presenciar esses encontros entre os guardiões. Eu já havia intuído que aconteciam reuniões nesse pequeno grupo, pela consistência das falas de seus diferentes membros nas reuniões para criação da associação e o uníssono de suas opiniões ao responderem os e-mails.

Também consegui estabelecer uma relação entre o que ela afirmava a respeito do processo decisório e a exigência pela mudança do horário da reunião da associação. Era preciso que todos os guardiões estivessem presentes nos encontros para garantir que a vontade da maioria prevalecesse. Essa maioria era garantida não apenas pela presença dos 13 guardiões, mas também por muitas outras pessoas que possuíam terreno em Itapeba e ainda tinha 20, 30 ou 40 anos para quitas suas dívidas com Cristina.

Para encerrar a conversa, ela deu um recado para mim, na condição de recém-chegado. De acordo com Cristina, quem quiser vir morar em Itapeba terá que respeitar o que já existe, a comunidade e tudo que ela criou. Muitas pessoas chegam de fora com ideias novas, mas essas ideias só terão espaço se respeitarem tudo que já existe e se a comunidade considerar que elas sejam importantes.

Nós, os guardiões de Itapeba, amamos esse lugar, e faremos tudo o que for preciso para protege-lo. (…) Estamos criando um novo mundo, e para isso, precisamos de um treinamento espiritual. É para isso que temos a escola. Lá, as crianças aprendem a dizer sim quando devem dizer sim, e a dizer não quando devem dizer não. É isso que entendemos como treinamento espiritual (Cristina).

Antes de minha saída para o campo, meu orientador havia me recomendando que, quando estivesse realizando a observação participante, procurasse permanecer o máximo de tempo possível em silêncio, deixando espaço para que os atores falassem livremente, pois é nesses momentos que surge a autenticidade. Durante toda a reunião, eu praticamente não falei nada. Não concordei nem discordei de nada que Cristina afirmou. Também não fui questionado em momento algum, nem solicitado que consentisse ou não com a proposta de Cristina. Eu não estava sendo consultado, mas sim informado.

Saí dessa reunião devastado. Preferi nem aparecer no encontro regular da comunidade. Mas após a reunião, muitas pessoas vieram me procurar em casa e pediram (alguns imploraram) para que eu continuasse o trabalho. Fiquei sabendo que a atitude de Cristina havia causado um grande desconforto entre todos, e que a maioria exigiu que a reunião comigo fosse mantida.

A essa altura, avaliei que minha inserção na dinâmica do grupo estava ativa demais. Ser pesquisador numa observação participante é ser simultaneamente insider e outsider, um desafio dificílimo. Eu estava passando por minha prova de fogo.

Mesmo tentando evitar, eu estava no centro dos conflitos, lidando com questões profundas que eu nunca poderia compreender pela minha condição de outsider. Havia um risco enorme de que eu tivesse que tomar partido, ou ainda que eu fosse usado ou cooptado por uma das facções, o que poderia até mesmo inviabilizar a continuidade da minha pesquisa.

Encerro assim a oitava parte do diário de campo.

 

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