Enquanto começo a escrever essa resenha sobre Espadas e Bruxas, a publicação de estreia da editora Pipoca & Nanquim, o projeto encabeçado por Alexandre Callari, Bruno Zago e Daniel Lopes já é um sucesso. De maio para cá, a editora já trouxe para o Brasil não apenas o encadernado de Esteban Maroto, mas também Cannon de Wallace Wood; Moby Dick de Christophe Chabouté; Beasts of Burden: Rituais Animais Vol.1 de Evan Dorkin e Jill Thompson; Um pequeno assassinato de Alan Moore e Oscar Zárate; e o mais recente lançamento previsto para dia 18 de dezembro, Conan o Bárbaro – Livro 1 de Robert E. Howard e Mark Schultz. Nesse dia a Editora, em parceria com a Amazon BR exibirá o clássico “Conan, O Bárbaro”, de 1982, estrelado por Arnold Schwarzenegger no Cinesala, em São Paulo.

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Quem deita Espadas e Bruxas em suas mãos e se depara com a arte de Maroto passa a ter certeza que a Pipoca & Nanquim realiza um excelente trabalho de tradução, revisão, adaptação, diagramação, edição e distribuição. Entretanto, há de se destacar o trabalho de curadoria feito por Callari, Zago e Lopes. Peregrinar por entre as histórias dos guerreiros de Maroto é uma leitura tão deliciosa que eu me senti ofendido com a minha própria ignorância – como pude passar tanto tempo desinteressado por isso? Este é o trabalho de curadoria do Pipoca & Nanquim, lhe trazer obras que você nunca soube o quanto você sempre quis ler.

A arte de Maroto é um banho de informações rasgadas pelo preto no branco. A força dos traços do espanhol é impressionante, fazendo parecer com que a arte esteja entalhada em pedra, per via de levare. Entretanto, o uso constante da sobreposição de imagens nas composições das cenas, faz com que Espadas e Bruxas pareça estar mais próxima de um estêncil rupestre do que de uma xilogravura. O uso que o espanhol faz das páginas é algo único. A narrativa flui por entre os desenhos, fazendo com que as ‘sarjetas’ tornem-se completamente desnecessárias. Sendo isso o que de fato acontece, pois em muitas páginas Maroto prescinde de ‘quadros’, deixando com que sua arte seja guiada por uma espécie de ‘tropismo’ narrativo. Isso fica gritante nas histórias de Wolff, por exemplo, onde as próprias imagens contém potência narrativa suficiente para darem conta da transmissão ao leitor per si. De fato, através de uma breve apresentação escrita pelo próprio Maroto sobre o processo de criação de “Wolff”, ficamos sabendo que o espanhol inicialmente desenhava as páginas e as enviava para que Sadko (pseudônimo de  Luis Gasca) preenchesse os balões com texto – de certa forma antecipando o método Marvel.

Entretanto, Esteban é muito hábil para harmonizar ilustração e letras. Algo é marcante nas histórias é forma como uma vez juntos, os desenhos vão tornam-se com o texto uma coisa só. Sem as imagens as palavras tornam-se sem sentido e até mesmo ingênuas, demonstrando que há certa hierarquia entre imagem e palavra. Vários trechos das narrativas são bem difíceis de intuir através das chamas de sombras que inflamam as páginas. Os textos contribuem para a experiência localizando a imagem no tempo, relacionando-a com os pensamentos e afetos invisíveis presentes tanto nos personagens, quanto nos cenários. A combinação entre ações violentas e corpulentas funde-se muito bem ao excesso de palavras enfáticas e narrações filosóficas desproporcionais para o mundo bárbaro no qual vivem Wolff, Dax e Korsar.

Maroto já havia adquirido certo reconhecimento após a publicação de Cinco por Infinito em meados dos anos 1960 e 1970, quando foi convidado para criar um novo personagem à pedido de Luis Grasca. “Wolff” começou a ser publicado em 1972 na revista Dracula pela New English Library (RU) e pela Warren Publishing Company (EUA). As histórias de Wolff tendem para uma espécie de Odisseia truculenta. A destruição de seu povo e o rapto de Bruma, sua esposa, funcionam como pretexto sob o qual o guerreiro ruma à uma série de encontros, romances e batalhas. Não tão meticuloso quanto Odisseu, Wolff resolve todas as suas adversidades à força, partindo de uma sina à outra. Trata-se de um guerreiro que vaga. Caminha até encontrar a próxima donzela em apuros, o próximo covil de bruxos ou próxima feiticeira mortal. A narrativa que se resume em vencer o mal e transar com bruxas e donzelas encontra um desfecho bastante curioso no qual Wolff apaixonasse pela filha de um feiticeiro que o toma como pupilo, lhe ensinando as artes da alquimia. Isso sugere que para alcançar sua vingança, o bárbaro precisou intelectualizar-se.

“Wolff” chamou a atenção de Jim Warren, que pediu a Maroto que criasse um personagem no mesmo estilo de Wolff para ser integrado à revista Vampirella. Assim, “Manly” foi criado. Entretanto logo depois, Warren decide retirar o personagem da Vampirella mudando seu nome para “Dax, o guerreiro”, para ser publicado na edição 39 da revista Errie. Em “Dax” a fórmula do gênero “espada e feitiçaria” também se encontra muito bem preservada, mas, permitiu à Maroto liberta-se da continuidade, optando por contar pequenas fábulas mais episódicas que o próprio “Wolff”. Diferentemente do personagem publicado pela Dracula, Dax não possui uma história de origem que lhe forneça um background motivador. O brutamontes loiro é uma espécie de entidade andarilha que vaga pelo mundo lutando em nome da “vida, liberdade e amor”, como afirma o próprio personagem em uma de suas histórias.

Os textos são muito menos eloquentes e pomposas que nas histórias do Wolff. A narrativa metonímica dá lugar à uma narrativa funcional que situa e descreve ações, apesar de as últimas histórias ganharem um tom mais poético. O interessante é que esta passagem faz com que Maroto tenha que utilizar mais palavras e consequentemente mais textos por página. Ainda há a harmonia entre texto e ação, mas muito menos impactante em Dax do que em Wolff. Isto não significa que as histórias de Dax sejam piores, pelo contrário, na realidade elas são de uma leitura muito mais prazerosa e afinada. As histórias pontuais e episódicas funcionam como sessões de D&D ou Hero Quest. Os temas que envolvem as aventuras de Dax giram em torno da ruptura dos ciclos de dominação e poder, fazendo com que o personagem seja uma espécie Espártaco de seu universo. Novamente, sempre há uma donzela em perigo, ou uma feiticeira ou bruxo à vencer. Entretanto, a resistência contra a opressão sobrepõe-se às narrativas de conquista do corpo feminino.

Korsar” narra as histórias do último bárbaro do compilado. É o resultado do reconhecimento que Maroto recebeu do mercado alemão de quadrinhos. O artista já havia se consagrado no gênero “Espada e Feitiçaria”, quando a revista alemã Pip o convidou para criar um novo personagem, aos moldes de Conan, Wolff e Dax, que tivesse um apelo maior para o erotismo. Através dos extras presentes no encadernado lançado pela Pipoca&Nanquim, ficamos sabendo que Maroto havia enviado para Roy Thomas uma página dupla com uma arte da Red Sonja. Nessa arte aparece pela primeira vez, nada mais, nada menos que o famoso uniforme metálico da personagem – o biquíni bárbaro. O resultado foi que o artista espanhol acabou sendo convidado para realizar histórias da Sonja pela Marvel, chamando atenção da tal revista Pip.

“Korsar” segue uma narrativa em cronologia de um prisioneiro que está em busca de sua liberdade. Aqui Maroto retoma o cruzamento entre “Espada e Feitiçaria” e “Ficção Científica” que já havia testado na história de Dax chamada Gemma 5. É como se fosse uma tentativa de retornar às suas origens em Cinco por Infinito, trazendo à tona a intimidade velada entre magia e ciência. O “erotismo” exigido pela Pip foi transmutado em “nudez feminina” e em certa indiferença ao sexual. Apesar de conter fortes cenas de sexo e a nudez ser uma constante, fica a discussão de qual dos três ciclos de histórias (Wolff, Dax ou Korsar) é de fato mais erótico.

Quando Korsar encontra a Feiticeira Atla, a bruxa de todas as bruxas, Maroto representa a relação sexual entre os dois através de uma serie de alucinações psicodélicas que lembram muito ao que encontramos nas relações sexuais de Abby e o Monstro do Pântano na fase do Alan Moore. Entretanto o mais curioso aqui é que afirmar que Maroto “lembra” Moore, Bissette e John Totleben não é uma afirmação correta, já que “Korsar” foi publicado pela revista Pip em 1972, na Espanha pela revista Cimoc em 1979 e a “Saga do Monstro do Pântano” é iniciada a partir de 1984.

Em “Korsar”, a fluidez narrativa através das imagens fica um pouco mais rígida. A constante presença de “sarjetas” para organizar as os “quadros” faz com que a discrepância em relação à “Wolff” e “Dax” seja gritante. Entretanto, isso não significa que o traço e arte de Maroto caiam de nível, pelo contrário a abertura para o erotismo trás para as páginas silhuetas dos corpos femininos incríveis, principalmente no que tange à a variedade e naturalidade. Em “Korsar”, enquanto o corpo do personagem principal é um bolo de carne com inúmeros músculos impossíveis, a representação imagética da mulher surpreende ao que se espera do gênero “Espada e Feitiçaria”. Não só as mulheres desenhadas por Maroto são nitidamente diferentes uma das outras, quanto há certa variedade de formas, posturas e gestos. Soma-se a impressionante “densidade” que o espanhol investe estes corpos. Raramente as mulheres aprecem em poses impossíveis e em geral seus corpos estão à mercê de leis básicas da física como gravidade, aceleração e impacto. As mulheres de Maroto, em “Korsar” estão longe de serem manequins de cera, sem personalidade.

O encadernado pode ser comprado principalmente através da Amazon (com frequência entra em promoção). Conta com 256 páginas em formato magazine 21 x 28 cm. Capa dura com lombada (2 cm) milimetricamente ajustada. Papel couchê brilho e impresso em preto e branco. A edição tem uma introdução do escritor espanhol Juan Miguel Aguilera, um bastante curioso de  Roy Thomas sobre sua relação com Esteban Maroto e um breve texto do próprio artista sobre o trabalho de fazer quadrinhos.

Espadas e Bruxas

Autor: Esteban Maroto

Páginas: 256

Editora: Pipoca & Nanquim

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