Primeiro foram os bruxos de Rowling, depois os vampiros (brilhantes) de Meyer com uma aparição rápida de anjos caídos e fantasmas, agora os holofotes da literatura caem nos adolescentes guerreiros de Suzanne Collins. O mundo dos livros já teve várias criaturas sobrenaturais e distopias como protagonistas, mas um gênero sempre se manteve no submundo das obras.

Eles são carismáticos, simpáticos e até fascinantes, mas o pior de tudo é que eles podem ser qualquer pessoa. Do yuppie de Wall Street ao especialista em respingos de sangue na polícia forense de Miami, os serial killers sempre estiveram entre nós.

Mas o que é de fato, um serial killer? Um assassino em série é uma pessoa possuidora do Distúrbio de Personalidade Anti Social (APD), um defeito cerebral que causa a falta de sentimentos categorizados como “Humanos”. Remorso,culpa, arrependimento, nenhuma dessas sensações existe num serial killer, além disso, a pessoa se sente reclusa e excluída da sociedade por não se adequar as suas normas.

A partir disso surge a raiva, rancor e ódio isso sem contar uma outra série de fatores que pode acarretar tais sentimentos negativos, como abuso sexual, pressão psicológica constante desde a infância, pais desajustados, assédio moral ou infância perturbada como foi o caso de Ted Bundy, o serial killer mais perigoso e famoso do mundo.

Um erro muito cometido quando o assunto é assassinos em série é confundi-los com matadores em massa e matadores por impulso. São diferenças muito claras que, por muitas vezes, são misturadas em filmes de terror americanos gerando a confusão na cabeça do público. Um matador em massa é aquele que dirige sua fúria para um determinado grupo que o hostilizou ou lhe fez mal, já um matador por impulso ataca o que cruzar seu caminho. Um exemplo excelente da segunda categoria é o personagem Jason da série de filmes “Sexta-feira 13”.

A obra de Giorgio Faletti, “Eu mato”, faz parte desse seleto grupo da literatura e conta com um antagonista com as características citadas previamente. O livro conta a história do agente do FBI americano Frank Ottobre numa caçada ao mais novo assassino que aterroriza as ruas da até então segura Montecarlo. Como todo bom serial killer, seus métodos de matar chocam a população, além de enfurecer as autoridades que se sentem impotentes perante tamanha ameaça.
Assim como em “Grau 26” de Anthony E. Zuiker, o antagonista da história é insano e impossível de ser capturado pela ausência de digitais ou qualquer outro tipo de vestígio. A única mensagem que o vilão deixa para os policiais é uma frase escrita com sangue em cada cena do crime:

“Eu mato…”

No entanto, o assassino de Faletti peca em crueldade. Enquanto o serial killer de Zuiker, Squeegel, comete os piores e inimagináveis tipos de atrocidades em sua matança desenfreada, o antagonista de Giorgio não chega a passar o medo ou sensação de incômodo esperados de um serial killer para os leitores.

A narrativa da obra tem características da famosa literatura noir e o protagonista lembra um pouco os detetives criados por Dashiel Hammet com uma mistura de Steve Dark, personagem principal do livro de Zuiker. Um homem sério, atormentado por uma tragédia em seu passado, devotado ao trabalho e pode até ser caracterizado como um “casca grossa”, mas com uma ferida enorme no interior.

O serial killer de Faletti é conhecido na história como “Ninguém” devido às conversas que tem com Jean-Loup Verdier, locutor do programa de rádio “Voices” em que pessoas necessitadas de conforto ou ajuda recorrem, e Ninguém é uma delas. “Eu sou um e sou ninguém” é o que sempre diz todas as vezes que se comunica com o locutor entrando num debate sobre o que é o ser humano.

A impressão deixada é a de que Faletti tentou criar uma espécie de Hannibal Lecter com menos cultura ou sofisticação misturado com Squeegel e Dexter Morgan (personagem principal das obras de Jeff Lindsay), só que de um jeito diferente. “Ninguém” não tem uma presença constante na narrativa, não inspira medo, temor ou qualquer outro sentimento relacionado, para o leitor o assassino é indiferente.

O assassino é um ninguém, mas ao mesmo tempo é alguém ao ser perseguido por causa de seus crimes, ele junta a notoriedade com o esquecimento numa só pessoa. Como quando surge uma nova celebridade na mídia. Antes dos holofotes essa pessoa era só mais uma na multidão, um ninguém, mas ao ser descoberta por uma característica em especial, ela vira um, ela vira alguém. Como o assassino de Faletti.

Frank no começo do livro reluta em participar da investigação, mas a pedido de seu amigo e também policial, Nicholas Hulot, o agente do FBI aceita o caso e tem sua vida virada de cabeça pra baixo com o decorrer da caçada. Outra coisa que vai virar de cabeça pra baixo a cabeça do leitor são as descrições dentro da obra.
O excesso de adjetivos e metáforas pode causar cansaço para quem lê o livro de Faletti ao ponto de poder pular parágrafos sem perder o fio da meada da história. Isso prejudica as passagens mais importantes e interessantes, como a visão de Ninguém quando cometendo os crimes.

Entender o motivo pelo qual o assassino mata é uma parte fundamental de todo livro de serial killer, ajuda a conhecer a psique do personagem, instiga o leitor a continuar lendo até a última página e sacia a curiosidade. No entanto, com todas as metáforas excessivas e descrições lúdicas sem fim, até a parte mais importante fica chata.

Os diálogos soam falsos e ensaiados, não tem aquela naturalidade de conversa entre dois oficiais ou entre duas pessoas normais, e Giorgio ultrapassa o limite Machadiano da exploração do psicológico dos personagens ao ponto da irritação.
O Modus Operandi, ou como o antagonista mata as pessoas, de Ninguém consiste-se numa tática já explorada nos filmes de terror dos anos 70 com o personagem Leatherface da série de filmes “O massacre da serra elétrica”. O assassino de Faletti remove o rosto de suas vítimas de modo cirúrgico e os conserva para uma finalidade revelada no decorrer do livro. Além de fazer parte do Modus Operandi, as faces removidas são troféus.

É normal dos serial killers levarem alguma coisa de suas vítimas consigo para admirar o trabalho bem feito e por eles realizado, além de os fazer sentir bem consigo mesmos. Como foi retratado nos quadrinhos de Frank Miller Sin City onde Kevin, um serial killer de prostitutas e canibal, guardava as cabeças das mulheres como objeto de triunfo.
A pressão é constante na vida de Frank uma vez que aceitou o caso, além de se preocupar em capturar o pior serial killer que Montecarlo já viu, Ottobre também precisa lidar com os militares Nathan Parker e seu braço direito Ryan Mosse que querem fazer justiça com as próprias mãos após Ninguém ter assassinado quem não devia.

No meio de todo o stress e pressão psicológica, a obra de Faletti encontra espaço para o amor em sua forma mais piedosa e melancólica personificada em Helena Parker, filha do militar Nathan e que esconde um segredo horrível.
O modo como a história é desenvolvida não é um dos mais empolgantes, a narrativa vai se arrastando com os diálogos artificiais e excesso de descrições além de prolongar demais o clímax do livro. O leitor pode perder o interesse pela leitura ao chegar na metade da obra.

Frank Ottobre diz na obra: “Uma vez li num livro que todos os enigmas são simples, depois que você fica sabendo a resposta”, realmente, o final de “Eu mato” é simples e frustrante. Não o recomendo a pessoas que já leram as obras de Thomas Harris, criador do serial killer mais charmoso da literatura, Hannibal Lecter, ou Jeff Lindsay, Dexter. E saber que Giorgio Faletti é um comediante de televisão dá pra entender porque seu livro é uma grande piada.

Título: Eu mato

Autor: Giorgio Faletti

Número de páginas: 531

Nota: 2

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No Comments

  1. Diego Bretanha

    2 de maio de 2012 at 21:00

    Interessante resenha, pelas comparações dá pra perceber que já leu numerosos livros sobre o assunto, dentre os quais, a citação “Do yuppie de Wall Street” me faz pensar em Psicopata Americano, livro que estou lendo agora e estou adorando, a escrita de Bret Easton Ellis é fantástica e hipnotizante.
    Gostaria de saber se já leu esse livro e qual a sua opinião em relação a ele 😀

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  2. Beatriz Paz

    3 de maio de 2012 at 11:46

    Diego, estou literalmente matando para colocar as garras nesse livro! Um amigo meu já o leu e disse que é incrível. Gosto muito de literatura de serial killer e já devorei alguns dos clássicos, por isso quis ralar a cara de alguém na parede várias vezes conforme eu lia a obra de Giorgio Faletti

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    • Murilo Andrade

      3 de maio de 2012 at 14:30

      Eu tenho o Psicopata Americano em casa. Quando eu ler talvez eu escreva um texto sobre ele

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      • Diego Bretanha

        3 de maio de 2012 at 17:53

        Murilo, eu recomendo assíduamente esse livro, especialmente se está buscando profundidade e não só entretenimento, pois ele critica pesadamente a mentalidade do homem de Wall Street, questionando essa banalização da violência e consumo exacerbado. Só se prepare para descrições detalhadas dos assassinatos por Patrick Bateman que podem ser um tanto embrulhadoras de estômago.

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    • Diego Bretanha

      3 de maio de 2012 at 17:43

      A L&PM, aliada à Rocco, lançou ele recentemente, foi assim que o encontrei. Também lançou outros livros de Easton Ellis como Abaixo de Zero, primeiro livro dele, o qual também é fantástico. Apesar de não tratar de serial killers diretamente, aborda a temática principal desse autor, que é a viciosidade e superficialidade das camadas abastadas da sociedade americana, mostrando as ações brutalmente violentas, mas ainda assim tratadas como banais, desses indivíduos. Sempre com a sua narrativa em primeira pessoa hipnótica e frenética.
      Boa sorte encontrando o livro!

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  3. Joelma Alves

    3 de maio de 2012 at 18:18

    Folou de serial killer sempre me lembro daqueles documentários na Discovery. Ou das incansáveis matérias da revista SuperInteressante sobre o tema. Na literatura, confesso que não li quase nada desse estilo. E vou passar longe de Eu Mato (já tinho visto o livro por aí) e procurar algo mais clássico pra começar. Leitura arrastada, não tem nada pior que isso.

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  4. Caçador Jean-Loup

    30 de outubro de 2012 at 00:01

    Olá, eu não li muita coisa nesta temática, mas ao ler Eu Mato me prendi muito ao enrendo e narrativas… Muito do q apontou como crítica me pareceu mais uma preferencia em relação à outros estilos do que de fato um defeito do autor.
    Também me pareceu que na verdade não agrada nenhum tipo de best-seller do momento, afinal suas comparações se estenderam também à outras obras de sucesso midiático que tentaram romper com algumas idéias conservadoras sobre alguns temas (bruxaria, vampirismo e assassinatos, no caso). Fora as comparações com outras séries que para você são superiores a esta, teria algo de bom a falar sobre o livro do Faletti?

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    • Henrique

      29 de dezembro de 2012 at 23:55

      Concordo plenamente com o Caçador Jean-Loup (somente infeliz pela escolha do ‘nome’ rsrs) . Não digo que o livro seja excelente, de maneira alguma, os diálogos são um pouco engessados e a escrita é extremamente lenta e entediante. Também não acho que a exploração da personalidade foi excessiva; na verdade cheguei até sentir falta disso pois anteriormente havia lido O Hipnotista, que é um prato cheio para qualquer interessado em psicologia.

      Mas como ia dizendo, também me pareceu que a resenhista não se agrada com os best-sellers e qualquer obra que rompa com o conservador de algumas mitologias (obviamente, há um limite pra tudo, afinal brilhar já é demais), o que é realmente ruim pra alguém que resenha :/

      Mas ao mais, embora não concorde de um todo, gostei do ponto de vista da Beatriz e da resenha.

      😀

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  5. Victória

    22 de fevereiro de 2013 at 12:56

    Sou obrigada a discordar do seu ponto de vista. Gostei muito do livro e virava cada página tentando resolver o mistério junto com Frank e Nicholas. Acredito que cada um tem seu modo de escrita, e que podemos sair do clássico para um best-seller sem grandes problemas. Falo isso porque sou fã assídua de Anne Rice e li Crepúsculo sem maiores comparações aos personagens clássicos das Crônicas Vampirescas. Gostei muito do livro e, principalmente, da ternura que o psicopata apresenta no fim do livro, lembrando-nos, sobretudo, que ele é um ser humano.
    Acredito que a definição de ‘piada’ para o livro é um tanto quanto degradante e que, nas próximas resenhas sobre autores que não lhe agradaram, tornasse-se mais imparcial.
    Aos demais, recomendo a leitura, fiquei um bom tempo atrás até encontrá-lo em promoção em uma feira de livros, e não me arrependo da aquisição. Por conta dele deixei de lado o mundo sobrenatural de Anne Rice e me atirei de cabeça nos suspenses policias. Sem contar o amor platônico que desenvolvi por Frank.

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    • micaela

      16 de agosto de 2013 at 00:54

      tenho que concordar com vc o livro eh otimo

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  6. Guilherme Pontes

    24 de junho de 2013 at 18:05

    Também sou obrigado a discordar. O livro é empolgante do início ao final. O que mais gosto no Giorgio é que ele brinca bastante com o psicológico dos personagens, te fazendo querer entendê-los, entender suas escolhas, e criando um laço entre eles e o leitor.

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