ARTE DA VITRINE: Thiago Chaves (@chavespapel)

[Aviso: Esse post fala sobre sexo, e sobre a indústria pornográfica. Caso não goste, ou se sente incomodado, passe para o próximo post]

Sendo praticamente um cinéfilo da pornografia, posso dizer tranquila e taxativamente: 95% dos filmes pornôs são um lixo completo. E não é difícil descobrir porque praticamente todas as mulheres odeiam filmes pornôs; com exceção de muito poucos, eles são mal feitos, e mais parecem refilmagens de coisas existentes do que qualquer outra coisa. Pornôs são feitos por homens e para homens, o que não quer dizer que são todos que gostam, e nem todas as mulheres que odeiam. Conheço uma pá de mulheres de vêem pornôs com gosto, e alguns conhecidos que odeiam, desde pequeno (embora sempre tenham algum subgênero que gostam).

Roteiristas de filmes pornôs são as pessoas com os trabalhos mais fáceis possíveis, e só precisam escrever umas quatro linhas de diálogo com a palavra trepada e chupa no meio para o serviço estar completo. Assisto pornôs desde os 13 anos, e posso dizer que são realmente muito poucos que são de alguma forma memoráveis para mim, e em 99% dos casos essa lembrança está mais ligada a alguma atriz realmente voluptuosa do que alguma inovação no gênero.

Não me pergunte como se pode renovar o gênero pornô… não sou roteirista ou cineasta, sou jornalista, mas posso dizer que uma dessas inovações foi Sasha Grey. Ela é como uma Ellen Page do pornô: nova e extremamente talentosa, e apenas em início de carreira (não que carreiras pornôs durem muito), além do fato de ser linda e não ter problemas em ir realmente ao limite. E limites são uma das maluquices do pornô: não existe nada que não tenha sido tentado em nome de uma cena única que envolva sexo filmado. Posso dizer que já fui ao inferno e assisti coisas realmente bizarras, com nomes como Head in Pussy, 2 girls 1 cup, vídeos com doses violentas de squirt, e outras coisas que às vezes me fazem pensar o quão criativas e desocupadas essas pessoas são (e o quão masoquista posso ser).

Agradeça a fase atual do pornô a John Stagliano, ou como é mais conhecido, Buttman. Ao contrário da Private e da Playboy, ele chutou o pau da barraca e criou o que é conhecido como Pornografia Gonzo, em que o diretor é também ator e, às vezes, operador de câmera. O objetivo é mostrar uma relação sexual em sua essência, evitando cortes e edição. Resumindo: sem o ar softcore dos filmes dessas produtoras.

Foi também Stagliano e sua gangue (Belladonna, Nacho Vidal, Rocco Siffredi) que instituiu a clássica sequência oral, vaginal, anal e ejaculação (na grande maioria das vezes, na cara da mulher). Com isso acabou a era dos pornôs softs, agora relegados a segundo plano. Algumas produções da Private continuaram, com filmes chegando a custos absurdos de milhões, mas passaram a ser vistas por um público limitadíssimo, relativamente pequeno. Quem conhece segredos de alguma locadora com pornôs, sabe que esses filmes passaram a ser alugados quase que exclusivamente por evangélicos e outros religiosos, que não gostavam da escrotidão presente nos vídeos da Buttman, explícitos demais, por assim dizer.

No momento, o padrão para produtoras pornôs é a Vivid, a maior da atualidade. Quando uma atriz ganha um contrato que dá a ela o status de Vivid Girl – imagine gente do naipe de  Briana Banks, Jenna Jameson, Savanna Samson, Sunrise Adams, Tera Patrick para entender – ela tem certeza que terá salários melhores, trabalhará menos e terá mais status do que as atrizes da Buttman e outras produtoras. Ademais, na Vivid, as mulheres são o centro da trama novamente, então por lá não existem caras sem parafusos como Rocco, cuja a principal diversão é transar com uma mulher de quatro metendo a cara dela num vaso, e esmurrando-a violentamente no processo (tem gente que gosta, eu acho idiota e sem sentido).

Com a internet, as grandes produtoras de pornôs experimentaram uma séria decadência. A humanidade com certeza hoje gasta mais horas do seu dia vendo gente fazendo sexo, mas não está mais disposta a pagar por isso. Hoje a locadora não é mais o principal destino dos tarados de plantão, pois existem milhares de opções na nossa amada internet. Mas parte da culpa dessa migração está nas produções extremamente estereotipadas da pornografia moderna, coalhadas de entregadores de pizza e limpadores de piscina

Ou seja, mesmo que a médio prazo as produções loucas da Buttman tenham ajudado a indústria, detonando o soft core, a longo prazo ela lascou tudo, pois levou a várias outras a seguirem estilo praticamente igual: com salários baixos, cenas com baixa qualidade e ausência de roteiros. Foi tipo como rolou com os quadrinhos nos anos 90, com o surgimento da Image Comics e gente como Rob Liefeld e Todd McFarlane. Os desenhos soterram os roteiros e logo uma crise de criatividade aguda pairou sobre toda a indústria.

Alguns argumentam que é isso mesmo que o povo quer ver, e em parte eu não discordo. Mas a internet soterrou isso sem dó. Com a indústria pornô despida de qualquer glamour, sobraram os vídeos de baixíssima qualidade, em que qualquer ser poderia fazer e postar na internet, e ainda por cima faturar uma graninha em cima de publicidade.

Com coisas assim não é difícil entender porque mulheres não gostam de pornôs. Não que elas sejam mais sofisticadas ou coisas assim, mas simplesmente respondem a instintos diferentes e um pouco menos primários que os homens. Então, nada mais natural que existam pornôs feitos por mulheres e para mulheres. Eu sempre tive certeza que existia esse tipo de coisa, mas até o momento não conhecia nada do gênero. Não conhecia, pois agora ouvi falar de Erika Lust, que é uma diretora de filmes pornográficos para o público feminino. Ela é uma sueca que nasceu em 1977, e se estabeleceu em Barcelona, e não parece nem um pouco com Belladonna, Silvia Saint ou uma dessas habitantes do mundo pornô, com seus rostos suspirando volúpia e carregada de expressões de desejo – mas antes que pergunte: ela é linda, mas de uma forma diferente do mundo pornográfico. E devo acrescentar: isso é bom!

Para início de conversa ela é feminista ferrenha, e carregada de formações: é jornalista, tem mestrado em ciências políticas e gestão do audiovisual com especialização em feminismo e estudos sobre a sexualidade, na Universidade de Lund. Então, antes que a mulherada entre em campo para dizer que ela não sabe o que faz, é melhor levar em conta essa carga intelectual antes.

A carreira de Erika Lust (nascida Erika Hallqvist) no mundo do cinema pornô começou em 2004, com o curta espanhol-pornô-independente The Good Girl. É basicamente uma recriação requintada do clássico clichê do entregador de pizza (até Kevin Smith referenciou esse, em Pagando Bem que Mal Tem?) sob a ótica de uma mulher… com muito bom humor, coisa rara num pornô – a não ser quando “atores” resolvem trocar uma idéia com as vaginas das parceiras. Depois ela escreveu um livro, Pornografia para Mulheres, onde destrinchou a lista de clichês de filmes pornôs masculinos que ela acha mais irritante. São coisas como Freqüentemente, uma boa chupadinha basta para anular uma multa de trânsito ou para pagar seja o que for; As mulheres vão para a cama com saltos altos; Às mulheres jovens e belas agrada fazer sexo com homens de meia-idade, podem ser até mesmo gordos e feios.

Na visão feminista de Erika, as mulheres não devem se auto-encarar como vítimas e colocar os homens na categoria de escravizadores maldosos e ferrenhos. Isso diminui as mulheres, pois sendo elas seres pensantes e capazes, não podem encararem a si próprias como passivas, dignas de pena, e sofredoras. Simplesmente reclamar e culpar os homens das mazelas da sociedade não é saída. Agir é… e foi o que ela fez no mundo pornô: mostrou sua visão sobre o gênero e fez seus próprios filmes, o que é uma atitude louvável e ousada.

Não por acaso ela é uma das diretoras mais premiadas do mundo pornô na atualidade; principalmente na cena européia. Em 2007 ela juntou seus curtas, fez mais alguns e lançou Five Hot Stories for Her, que é como um daqueles filmes da Playboy para casais, mas tem gente transando de verdade, e não todo aquele fingimento clássico que não engana nem moleques de 12 anos. Os prêmios logo vieram: Melhor Roteiro no Festival de Cinema Erótico de Barcelona de 2007, Melhor Filme para Mulheres no E-Erotic Awards Line (Berlim 2007), Menção Honrosa Best no Festival CineKink (Nova Iorque 2008) e foi premiado com Melhor Filme do Ano no Feminist Porn Awards (Toronto 2008).

E foi justamente esse filme que eu consegui para analisar e ver quais são as grandes diferenças entre pornôs machistas e um pornô feminista. Bom, mas seria difícil para mim analisar um filme feminista, afinal sou homem, e já assisti tantos pornôs que acho que meus critérios de avaliação são meio deturpados. Mesmo que fosse interessante um homem analisar um filme não-machista, tive logo uma certeza jornalística que precisava de uma mulher para analisa-lo também. E mais importante: uma mulher que analisasse um filme pornô, e que me deixasse analisar a análise dela.

Puxei pela memória uma lista de mulheres que veriam um pornô ao meu lado – mesmo ele sendo feminista – e cheguei a conclusão que ela não é das maiores. Mas consegui achar a pessoa certa: uma menina que namorou comigo por quase um ano durante meu curso técnico de Informática. Atualmente ela está de casamento marcado com um cara qualquer, e ganhou uns quilinhos, mas nada que impeça que vejamos um pornô juntos.

Gravo um DVD com o filme e ligo pra ela, que diz que se é em nome da minha formação jornalística (disse que e pra um trabalho de faculdade sobre produção cinematográfica feminina), ela topa. No dia seguinte chego a casa dela e explico que tenho em mãos um pornô feito por uma mulher, que tem como missão fazer filmes de sexo menos machistas e com elementos que tirem a imagem de mulheres como objetos de prazer. Ela dá um sorrisão e diz que eu devia ter mostrado essas coisas enquanto tínhamos um relacionamento. Retruco dizendo que não namoramos o suficiente para precisarmos de certos estímulos, pois tínhamos uma libido meio violenta. Ela fica pensativa e concorda.

Os pais dela estavam trabalhando, e ela deixa claro que temos três horas livres antes deles chegarem. Eu tenho plena consciência que eles não vão gostar de ver a filha deles que está noiva, vendo um filme pornô com um ex-namorado que tem cara de maníaco. O filme tem duas horas, o que me deixa a hora final para entrevista-la sem problema. Ela queria fazer o curso de jornalismo junto comigo, mas por algum motivo (neurônios, para ser mais exato) não conseguiu uma bolsa de estudos, ou passar na universidade federal aqui do estado… e por isso mesmo não confio na escrita dela. Lembro que reescrevia boa parte dos trabalhos dela pelo fato da escrita desenvolvida não ser nada clara. Com essas coisas desenterradas da memória, prefiro entrevista-la após vermos o filme… e fingir que usarei o que ela escrever no meu “trabalho”.

Eu dou sorte, pois o filme é dublado em espanhol (não consegui legendas em português em canto nenhum), e ajuda caso eu precise repetir as falas para ela na nossa língua, o que faço com certa frequência, já que digo a ela que os diálogos são importantes aqui nesse caso. Acompanho as reações dela a cada cena (e o modo coma suas coxas deixam o short que tá usando bem apertado), e divido minha atenção em suas expressões corporais, as cenas de sexo e a língua espanhola, que preciso traduzir. Nada que eu não consiga.

 

Como o nome deixa bem claro, Five Hot Stories for Her tem é composto por cinco histórias, boa parte delas bem interessante e com elementos incomuns no mundo dos filmes pornôs, mesmo contendo argumentos bem conhecidos. A primeira se chama Something about Nadia, e conta a história da mulher do título, que tem o incrível poder – só posso chamar isso de poder – de atrair tudo quanto é mulher para ela. Ela é linda e faz um estilo que eu gosto: alta, cabelo liso e tatuagens por todo o corpo! Além de ser dona de um sexy shop, o que a põe em contato diário com mulheres querendo transar – e que dá um lucro louco a loja, já que várias delas só compram para ver Nadia de novo.

Um dos destaques aqui é a narração em off, coisa que nunca vi ser usada a contento em um filme pornô, assim como a trilha sonora roqueira, o que muito combina com a persona e o visual de Nadia. Erika também capricha nos movimentos de câmera (Minha Ex repara isso a todo o momento, pois já trabalhou em uma produtora de filmes), assim como numa fotografia que faz inveja a muito diretor por aí, com o uso notável do preto e branco e de closes e cortes que entrecortam a masturbação de uma das admiradoras de Nadia – uma oriental, o que demonstra uma diversidade étnica na produção -, e os pensamentos dela para atingir o orgasmo.

Mas se tem uma coisa que realmente me fez arregalar olhos ainda nesse curta, essa coisa foi uma das três melhores cenas lésbicas que já vi na vida (e posso falar disso… por dois anos só vi filmes de lésbicas), com bons 15 minutos (obs: é a única cena não-russa na lista). E a cena rola no final desse curta, com Nadia e a tal oriental. É uma coisa clássica, sem acessórios bizarros ou coisas meio idiotas (tipo peito na vagina, que soa meio tem algo errado aí). O final para alguns pode ser meio abrupto, afinal o curta insere quatro personagens, mas só desenvolve duas, mas isso é compreensível já que a proposta foi simplesmente mostrar uma janela na vida de Nadia, deixando bem claro que esse tipo de coisa rola com ela com certa frequência (meu Deus, tô argumentando numa resenha de filme pornô!!!).

Não sei como é que rolou toda essa cena lésbica, pois nos extras (sim, EXTRAS, e eu assisti tudo, o que já é um feito inominável) não tem making of das cenas, mas a impressão que tive foi de ver duas mulheres realmente indo ao limite, fazendo sexo não porque estivessem recebendo pra isso, mas porque queriam. E basicamente essa é uma das maiores qualidades de um pornô bem feito, pois do contrário só ficam robôs transando e fingindo estar gostando (e tendo expressa vergonha pública ao ser interpelados por que fizeram pornô? Como rolou com “atrizes” brasileiras, caso de Leila Lopes). Isso demonstra um ponto favorável muitíssimo pouco vista em filmes do gênero: atuação. Nos já citados extras, vemos Lust passando falas com atores, estes nada acostumados a processos parecidos e realmente sofrendo para entrar nos padrões exigidos pela diretora.

Durante a tal cena lésbica-épica, dou uma olhada profunda na Minha Ex (ela está no sofá ao lado, atenta), e percebo passadas de língua nos lábios, e mãos um pouco inquietas. Ela parece meio incomodada pela minha presença, provavelmente lembrando que está noiva e tem ao lado um ex-namorado daqueles que não inspiram nenhuma confiança. Mas ela parece gostar o filme, só não está totalmente à vontade para demonstrar isso. Assim que o primeiro curta termina ela vira e dá um risinho. Eu retribuo e levanto a sobrancelha umas três vezes.

Depois entra em cena o curta jodetecarlos.com, que é mais padrão, e não tem lésbicas, infelizmente. É sobre uma boazuda chamada Sonia Martins, que pega o marido no flagra com outra (as explicações bizarras dele para a mulher, com os clássicos Não é nada disso que você está pensando… valem a cena), e resolve radicalizar no troco, fazendo sexo com dois caras ao mesmo tempo.

Minha Ex parece se identificar com a história – eu descobri um caso do atual noivo dela, o que quase acabou com o relacionamento deles – e bate no assento do sofá do lado dela, olhando pra mim, meio que chamando pra se aproximar. Eu faço aquele sorriso com o canto da boca e obedeço sem problema algum. É um filme para casais, então… seremos um casal de novo por algumas horas, penso. O curta começa interessante, gastando alguns minutos para mostrar que a personagem principal é fútil, do tipo que passa o dia fazendo compras e só flagra o maridão no bem e bom porque resolve ir pra casa mais cedo.

De cara o filme apresenta uma narrativa entrecortada, alternando entre o sexo do chifrador, e os momentos de compra da perua. Em pornôs normais isso seria considerado meio anticlimático, já que uma das regras sacrossantas é NUNCA interromper uma cena de sexo, no máximo alternando-a com outra. O resultado alcançado é interessante, e serve mais para ambientar a trama do que propriamente começar a 180 Km/h com sexo logo de cara. A vingança de Sonia é bem atual (spoiler): transar com dois caras, filmar e tirar fotos de tudo e postar num blog, que é a URL que dá nome ao curta (não adianta caçar na internet, eu já tentei…).

Os momentos dela a frente de um Mac, enquanto organiza uma festa em busca de seus parceiros sexuais, vai fazer aflorar o seu pornô-Apple-spirit em segundos. Bom, e isso é tudo de referência ao mundo nerd num filme pornô, o que pra mim é o bastante. Um ponto que realmente me agradou aqui, foi a ausência de elipses cinematográficas, que são cortes nas cenas com adianto de tempo. Essas coisas sempre me irritam – e agradam os ligeirinhos de plantão – e com certeza irritam as mulheres, muito mais preocupadas com elementos sumamente importantes, como preliminares bem feitas.

Esse é o conto que mais se aproxima de um pornô a que todos estão acostumados, com personagens fúteis, mesmo que isso sirva para que sejam feitas certas referências ao mundo pornô Gonzo. A história meteu-tomou também rende bons momentos, como a explosão do escândalo pelo mundo (com direito a cenas explícitas passando na TV). A cara do marido, mesmo ele mais se assemelhando a um poste, também é bem engraçada.

Um ponto que merece destaque são os cenários. Nada de gravações na sala da casa do vizinho, ou num piquenique armado num campo todo mal cuidado… a coisa aqui é requintada, não só nesse curta, mas em todos os outros. A diretora usou muito jogo de luz e sombra nesse conto, com luzes laterais e uma coleção de obras de arte por todo o cenário. Não é o tipo de coisa que se vê por aí, principalmente em produtoras como Brasileirinhas, que paga alguns milhares de reais para uma prostituta fazer duas ou três cenas. São usadas duas câmeras também, o que é um número suficiente para um quarto não muito grande, mesmo que hajam três pessoas atuando. Há também longos closes nas expressões da atriz (isso, danem-se os homens em cena!), o que acho ótimo para certos momentos, principalmente pelo fato que a atriz manda bem (Minha Ex ficou com expressões parecidas quando viu).

É claro que nesse momento eu e Minha Ex já estamos nos pegando e relembrando os bons tempos do passado gloriosamente, o que creio que faz parte da experiência, já que com pornô é preciso se envolver… então não preciso (e nem vou) mais descrever como ela está reagindo ao filme. Isso será reservado a entrevista que farei com ela ao final.

No terceiro curta Married with children, mais uma mostra da diversificação: ele é uma conto sadomasoquista leve e meio soft, não indo até os entusiastas do estilo gostam de ver. Lembra um pouco o clima de De Olhos Bem Fechados (sim, Kubrick, minha gente; a Erika buscou referências longe…), tanto nos cenários meio escuros, como nas fantasias do povo sado-maso. A trama é baba: casal com filhos caiu na rotina – mulher cansada e cheia de coisa pra fazer, marido cada vez mais desistindo de tentar alguma coisa profunda com ela – e monta um plano que envolve submissão, uma boa dose de spanking, bondage e máscaras.

Como adiantei, trata-se de um filme sado-maso que pega leve (é só um casal pisando no acelerador, e não alguns pervertidos do submundo), então não espere mulheres com ganchos no corpo, e camas de vácuo. Claro, rolam algumas boas batidas na bunda – coisa que muitas mulheres gostam -, coleiras, algemas e todas essas coisas que casais têm direito, além de uma máscara bizarra para o amo (ou marido, chame como quiser).

As cenas em si são boas e muito mais convincentes que coisas similares que você vai ver por aí (têm uns filmes do subgênero que não recomendo… é bizarramente pesado). E o argumento que a diretora usou – casal fantasiando para apimentar o casamento – tira das costas do filme a obrigação de realmente passar a impressão de ser um BDSM. O único ponto fraco é a dublagem, muito mal feita. Ao menos foi para espanhol, o que me facilitou o entendimento dos diálogos. O interessante é que com um argumento simples, e com a ambientação correta, o filme transmite muito mais sensações do que pornôs gonzo que vão direto ao assunto, que mais parecem transas com completas desconhecidas em locais escuros e mal cheirosos (há exceções, logicamente).

Depois vem o segundo melhor dos curtas, na minha opinião: The Good Girl. A história é um poço de bom humor e referências a coisas clássicas de pornôs gonzos conhecidos. E quando digo referências não quer dizer que tem as cenas de sexo rolam dentro da Enterprise (Sasha, eu perdôo você), ou com gente que parece Sarah Palin. Não, as referências são às raízes do cinema pornô, tudo feito de modo requintado, sem precisar apelar para a extensa lista de clichês que a própria autora elaborou. Chega um momento que ela chega a fazer uso de metalinguagem, quando a recatada personagem principal olha para a câmera e diz (para a gente)  que está cansada de ouvir as histórias da amiga Julia que está no telefone falando sem parar, principalmente pelo fato da amiga ser uma aventureira sexual e ela não.

E como toda recatada, ela se põe a fantasiar. E manda logo fantasias com os tipos mais conhecidos: pedreiros e outros trabalhadores de obras, massagistas e outras  espécies que abundam em filmes pornôs. Por uma mistura de conveniência e desejo, ela escolhe transar com o cara que trouxer a pizza que ela pedirá aquela noite. Simples e fácil? Nada disso. À partir desse momento ela se põe a refletir sobre a decisão que acaba de tomar… e vai lembrando dos entregadores que já teve. Uns parecem imigrantes russos, enquanto os outros lembram estudantes de Comunicação Social, sugando violentamente um baseado (antes que falem besteira, eu sou um estudantes de Comunicação), enquanto outros ainda são afeminados extreme.

O engraçado é que a coisa se desenrola da forma mais tímida e bem humorada possível. O motoboy (ou Pablo, caso se preocupe com nomes) não é lá um exemplo de audácia, e parece não ficar realmente alegre quando é atendido por uma mulher de toalha, ficando tão sem jeito quanto a recatada menina (Alexandra, caso queira saber). Ele chega a ficar muito sem graça quando volta pra pegar o capacete que esqueceu e recebe um abraço caloroso dela, que achou que o cara tava aceso pro sexo. Mas, ela dá um passo adiante e tira a toalha… e aí a coisa rola, nas mais variadas posições e estilos, com direito a narração em off e tudo (no fim tem o facial ausente no filme inteiro). É um excelente curta, com muito bom humor e referências meio desengonçadas a coisas que você já conhece de cor e salteado. E sim, eles comem a pizza peladinhos no final…

Depois de The Good Girl, que deve possuir as melhores sequências de sexo do longa (depois da cena lésbica, que é hors concours), meu estômago se revira. Parece que mulheres gostam de ver dois homens se pegando e isso ficou muito evidente no último curta, Breakup Sex. Bom, não é o tipo de coisa que já tenha visto na vida, e realmente fiz o possível para não ver, me concentrando mais uma vez na Minha Ex (além de caçar comida na casa dela, depois que ela interrompe o que estamos fazendo para ver o filme atenciosamente).

Pelo que ela me contou, o filme é a despedida de um casal gay, que vive brigando e tudo o mais. No meio da parada eles se pegam pra valer e Minha Ex (e outras mulheres com quem troquei idéia depois do filme) gostou. O destaque fotográfico é o uso do preto e branco durante todo esse curta, e uma película (creio que foi com película, a gravação de quase todos os curtas desse filme) que dá um ar um pouco desgastado, me lembrando a abertura de 007 – Cassino Royale.

Posso dizer que Five Hot Stories for Her me surpreendeu positivamente – e vocês devem ter percebido pela matéria gigante. Até demais. Para quem achava erroneamente que pornô feminino era igual a  horas de monólogos de contos apimentados, casados com imagens de masturbação feminina e masculina (acredite, isso existe), a verdade se mostrou diferente. Mulher gosta de sexo, o que não quer dizer que gosta do tipo de filme pornô que é lançado por aí, e eu meio que passei a entender isso depois de ver esses curtas da Erika Lust.

O mais legal desse filme foi ter mulheres lindas, mas com um padrão diferente do que se está acostumado normalmente. Fora que tudo parece diferente nesse filme, mesmo que num nível mais de detalhes do que no geral: cenário, música, falas, fotografia… No fim ele está mais para 9 Canções (outro clássico do pornô que as mulheres devem gostar. É de Michael Winterbottom) do que para Festa Anal de Rocco 16.

Mas minha opinião já está explícita aí em cima, e em resumo eu realmente me amarrei nos filmes da Erika Lust, tanto que vou ver se vou atrás de mais coisas, inclusive de outras diretoras. Mas quero finalmente saber o que Minha Ex namorada achou. Explico pra ela maneirar nas respostas, já que não editarei nada do que ela falar. Tudo que chegou ao gravador, está transcrito aí embaixo…

NSN: Bem, o que achou do filme, pra começar?

Ex do Voz: Uma maravilha, sabe?! O tipo de coisa que você devia ter me apresentado quando a gente tinha um relacionamento. É lindo em alguns momentos, e fortes em outros. A escritora [Erika Lust, que além de dirigir o filme, escreveu os cinco curtas] provavelmente já teve vários relacionamentos, e conhece as várias facetas… (ela dá uma tossezinha engraçada. É o tipo de coisa que faz quando fala uma palavra “difícil”) de um. Fora que é bem melhor que as coisas que meu noivo aparece para me mostrar.

NSN: Que tipo de coisa ele te mostra?

Ex do Voz: (com cara de nojo) Tipo Como Conquistar Garotas e Arrombar Rabos. Aquele maldito sempre teve péssimo gosto pra esse tipo de coisa. Sabe?!, sem sensibilidade. São daqueles tipos de filmes que colocam mulheres pra baixo. Tudo bem, são engraçados em alguns pontos, e não vou enganar ninguém dizendo que não gosto de certas coisas que estão lá, mas é o tipo de filme que te dá ressaca de ver. É muito escroto em várias cenas, principalmente quando rolam espancamentos e gozadas na cara. Não tem como gostar… fora que as mulheres desses filmes são estereótipos idiotas, com peito, bunda, tudo falso. Não há um mínimo de motivação em grande parte desses filmes. Tudo de assemelha a bonecos de plástico copulando.

NSN: Você saca do ramo do audiovisual pra caramba. Se dirigisse um filme pornô, como ele seria?

Ex do Voz: (pensativa, com o dedo na boca) Hmmmm… creio que teria muitas das coisas que presenciei nesse filme. Não precisam ser diferentões dos masculinos. Por exemplo, nesses filmes vemos coisas que rolam no dia a dia, não incongruências (nova tosse engraçada)… normais dos filmes pornôs chatos que existem. Nada de caras pegando suas namoradas chifrando eles, e o galhado querer entrar na dança. Homens não agem assim. Tá bom, alguns cuzões agem, mas não é o tipo de asneira que gostaria de ver num filme de sexo. E isso é só um exemplo do tipo de lixo que varreria para longe de uma produção minha. E a mulher se mostrou uma cineasta de verdade, fazendo uso dos recursos audiovisuais existentes, e não dando uma de adolescente e ligando a câmera e partindo pra frente dela.

NSN: Você realmente faria um filme pornô?

Ex do Voz: Ué, por que não?! Ao menos tenho certeza que faria um bom filme pornô. Melhor que aquela sua conhecida piranha que comeu biscoito gozado (referência a história de uma tal de Nataly que estudou comigo que virou atriz pornô no Segundo Grau). Te chamaria pra escrever os diálogos…

NSN: Eu nem cobraria. Só ia querer ser o responsável para fazer a audição das atrizes!

Ex do Voz: (com a língua pra fora) BESTA!

NSN: Falando em diálogos… você gostou da inserção de muitos deles e das cenas para criar um clima nesse filme?

Ex do Voz: Sim, de quase todos eles. Eles são como preliminares, coisa que quase nunca rola em pornôs, ao contrário de closes em penetrações que duram 10 minutos, o que é horrivelmente chato. O bom desses diálogos é que eles soaram verdadeiros, com personagens verdadeiros. Até as mulheres não ficaram naquele biotipo besta de loiras oxigenadas e peitos do tamanho do Oceano Pacífico. São o tipo de mulheres que sabem falar mais que alguns Mete tudo!, ou Delícia de pau!… (rindo com os olhos arregalados) Pode falar pau na entrevista?

NSN: Não mais que duas vezes, o que quer dizer que você acaba de estourar sua cota!

Ex do Voz: Mas enfim, eu gostei bastante. São mulheres mais fortes, com desejos e coisas existentes, e não máquinas de fazer sexo oral, sabe?! Isso realmente me alegrou.

NSN: Você acha que é bom filme para casais? Você assistiria com um cara que não um ex-namorado? (risos)

Ex do Voz: Sim, claro. Ele me deu até idéias, principalmente se pegar o T— (o noivo dela) na cama com outra (gargalhadas). A cara de besta dele seria igual ao chifrudo lá do filme.

NSN: (ainda gargalhando) Se prepare, porque o cara gosta da grama do vizinho…

Ex do Voz: Muito engraçado… (me olhando com uma cara que parece com isso: ¬¬). Mas é sério, ao contrário de alguns outros filmes que vi com o T—, com esse fiquei realmente excitada. Não muito, porque vi com você, e não tô a fim de repetir figurinha (risos). O ritmo também ajudou… ele não precisou ir direto ao ponto para ser excitante. Criou um clima bom. Gostei até da cena lésbica, as mulheres eram lindas.

NSN: Me explica uma coisa! O que leva uma mulher a gostar de ver dois gays se pegando?

Ex do Voz: Sei lá, é bonitinho. Não tem muita explicação. Só é legal. Deve ser pelo mesmo motivo que vocês gostam de lésbicas se chupando.

NSN: Gostamos porque não tem homens. Simples! (olhando para o relógio) Bem, como não tô a fim de pular a janela para fugir dos seus pais nervosos de novo, vamos finalizar. Que nota você daria para o filme?

Ex do Voz: Oito e meio pelo conjunto e dez pela iniciativa. Não esperava que veria coisas assim. Meio que perdi o problema que tenho com pornôs. Com certeza a sensibilidade dessa diretora é muito importante na arte de fazer filmes. Se conseguir mais desses, me manda…

NSN: NÃO! Não vou ficar te esquentando pra outro comer, não sou micro-ondas, porra…

  • Qual é a salvação do pornô? [Arquivo-NSN]

    Publicado originalmenteem: 19 de abril de 2010   Quando os ventos mudam, uns constroe…
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No Comments

  1. F3N1X

    7 de abril de 2012 at 16:13

    Muito legal, curti seu post, valeu ler cada linha. Detesto porno nacional devido a falta de historia e conteúdo escroto(sem piadinhas blza?). Vou procurar outros filmes desta diretora e explorar esse novo universo do porno.

    PS: Sua linha editorial é ótima, você consegue transformar palavras em uma espécie obra de arte, parabéns. Desejo muito sucesso ao Mod Ground e há você.

    Reply

  2. Chrystian Alves

    8 de abril de 2012 at 00:22

    Parabéns Filipe… ótima matéria e parabéns pelo seu estilo de escrita, muito dinâmica e inspiradora!

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  3. sou capaz de apostar

    11 de abril de 2012 at 13:26

    Pergunta crítica: quais as outras 2 cenas lésbicas?

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  4. Igor

    12 de abril de 2012 at 09:30

    Gostei MUITO da critica…de verdade. Vou procurar o filme e ver com alguma amiga.

    Mas a historia paralela que contou com sua ex me chamou mais atenção que a propria critica…fiquei muito curioso pra saber como a coisa se desenvolveu….essa safadenha da tua ex….huhuhu

    Reply

  5. Ana C.

    16 de setembro de 2012 at 18:33

    Já tinha lido este artigo há algum tempo mas apenas agora venho aqui para elogiá-lo. É mto bom. Depois desse texto, corri e consegui baixar o FIVE HOT STORIES FOR HER. Fiquei impressionada com a qualidade e a beleza do filme. E já passei para várias amigas minhas [hetero e gays] e todas gostaram. Obrigada por me apresentar a esse e outros filmes da Erika [estou tentando baixar os outros mas tá difícil].

    Parabéns pelo site.

    PS; concordo com a sua ex. Tb curto mto cenas com dois caras se pegando e eu não sei pq eu gosto….

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  6. Fabiana

    25 de abril de 2013 at 10:50

    Alguém tem a legenda desse filme em português ou inglês? Se tiverem, por favor encaminhem para meu e-mail: fabianaschneyder@hotmail.com.

    Reply

  7. Uma leitora

    21 de setembro de 2013 at 01:43

    ola!
    achei uma legenda em portugues para Five Hot Stories for her, disponivel em
    http://subsmax.com/subtitles-movie/five-hot-stories-for-her-brazillian-portuguese-subtitle-194522/

    🙂

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