In The Flesh_01

Olá seus revigorados tchutchucos!

Hoje é dia de tapas de verdade, de lágrimas, de cabeças abertas, maquiagens simples e incríveis, atuações maravilhosas, sangue e cenas de te fazerem arrancar o coração. Mas vamos no começo.

Os monstros mais populares do momento no mundo da ficção não são mais os vampiros (que cruelmente foram reduzidos ao status de fadas brilhantes melancólicas), agora é a vez dos zumbis. Tudo bem, não é de hoje que a popularidade dos mortos vivos decolou, mas é fato que esses seres que se alimentam de cérebros humanos voltaram para os holofotes.

Um dos responsáveis por isso foi Robert Kirkman com The Walking Dead. O detalhe é que nos quadrinhos os zumbis são o menor dos problemas, no entanto eles estão lá. O apocalipse é o ponto de partida do desenrolar da história. Logo depois virou série, caiu nas graças do povo e virou um dos seriados mais populares da atualidade.

Agora, surgiu bem recentemente, no dia 17 de Março pra ser mais exata, uma produção da BBC Three que chamou a atenção não pelo fato de ter zumbis, mas sim pela abordagem do tema.

In The Flesh segue o mesmo padrão de Sherlock, 3 episódios fechados por temporada. E essa será a série resenhada da vez!

Mas por que essa produção se diferencia das demais do gênero? Vou explicar. Explodiu no mundo um holocausto zumbi chamado de Ascensão, os mortos voltaram e começaram a comer os cérebros da galera para não apodrecerem. Sim, diferente da maioria dos filmes do gênero, as criaturas de In The Flesh também podem desintegrar se não se alimentarem de gente.

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Não sabemos ao certo como a coisa toda se desenvolveu mas os humanos que não foram afetados, ou morreram no meio do caos instalado, conseguiram desenvolver uma cura zumbi. As vítimas da então chamada “Síndrome do Falecimento Parcial” eram levadas para centros de saúde do governo, devidamente medicadas e, após o tempo certo de terapia, liberadas para voltarem a viver em sociedade. E é ai que começa o problema.

Se você parar para pensar, os zumbis ou rotters, são como qualquer outra pessoa que fez uso pesado de substâncias ilícitas, como cocaína. Uma vez procurando melhorar, os pacientes da SdFP passam então por sessões de terapia. Alguns para se livrarem da culpa de terem matado pessoas, outros porque sua aparência foi pro beleléu e assim por diante.

Uma das atitudes do governo é de assegurar que os então curados, não sejam devastados pelas ações do passado, uma vez que passam a ter flashbacks da época em que estavam sob total influência da condição zumbi. O protagonista da série, Kieren Walker, é uma dessas pessoas. Logo no primeiro episódio nos deparamos com uma dessas sessões e o garoto diz

A culpa é esmagadora

No entanto é preciso entender que, os rotters só fizeram o que fizeram, não porque são sanguinários, mas sim porque não queriam morrer. O instinto de sobrevivência voltou com eles quando saíram da terra após morrerem. Foi como eu disse antes, se não comessem carne humana, eles apodreceriam e aí vem mais um ponto que eu quero abordar.

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Não sei se vocês já chegaram a conferir meu texto sobre canibalismo, mas lá eu exemplifico situações em que o ato de comer outro ser humano é aceito pela sociedade. Sobrevivência é um deles. Se fosse um outro ser vivo se alimentando de um semelhante, seria chocante? Sim, porém aceitável. Só que os rotters não são vistos como humanos. Eles não tem nenhuma habilidade sobrenatural como superforça/supervelocidade ou coisas do gênero e mesmo assim não se encaixam na categoria de gente. [Nota da edição: Na verdade, eles podem tomar uma estacada na barriga, e nada acontece]

Essa é uma das várias discussões morais que são apresentadas na série. Tem muita mensagem nas entrelinhas do roteiro e eu achei isso espetacular, mas voltemos à cronologia da história. Uma vez liberados do tratamento, precisam voltar à sua vida normal. No entanto, como retornar para um mundo que te odeia? Para um mundo que quer explodir a sua cabeça e tirar uma foto com o seu cadáver? Um mundo que se orgulha de matar gente como você?

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Essa é uma das preocupações de Kieren. Assim que volta para casa, o garoto precisa lidar com a nova vida, com a irmã que foi voluntária na Frente Humana de Voluntários ou seja, que matou rotters como ele e ajudou os demais a sobreviver, e com o preconceito pesado da sua comunidade que, além de ser alienada sobre o assunto, confia plena e cegamente na religião.

Agora, se você fizer a continha: Religião + Posição de poder + Preconceito com minorias você chega em qual resultado? Isso mesmo, Marco Feliciano!

Assumo que não só lembrei desse projeto de DNA, como de várias outras situações em que a religião foi o carro forte de uma manifestação contra pessoas que simplesmente eram diferentes ou que não seguiam os padrões estipulados. Na série, o vigário é a autoridade máxima, estamos falando de uma comunidade pequena e rural de Londres. Então você entende o peso da coisa, do lugar e ninguém consegue fazê-lo baixar a cabeça, nem mesmo o secretário do governo.

Não posso soltar muitos spoilers sobre a série, mas fica claro que Kieren representa minorias oprimidas pelo poder. Não só pelo fato dele ser um zumbi curado, mas também pelo fato dele ser gay e ser apaixonado pelo melhor amigo. Demorou pra cair a minha ficha, mas depois que me toquei cheguei a uma conclusão. A humanidade acabou de sobreviver a um apocalipse zumbi, algumas famílias tiveram a sorte de terem os entes queridos de volta intactos e ainda assim tem gente que os renega pelo fato de gostarem de alguém do mesmo sexo. Porra, nem com um APOCALIPSE ZUMBI pra galera aprender!?

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Mesmo antes da coisa toda acontecer, da galera voltar dos mortos e sair matando geral, Kieren sofria com o preconceito. Seu pai mantinha a opressão calada mas estava lá e o pai de seu melhor amigo/líder da Fronte Humana Voluntária é a homofobia em pessoa. No entanto, ele se faz de cego quando o assunto é seu filho Rick. Apaixonado por Kieren, o garoto monta um teatro de machão com direito a piadas homofóbicas e um aperto de mão quando encontra Walker depois do apocalipse.

Rick sofre a opressão do pai e também acaba se auto-oprimindo. Segundo a psicologia, essa atitude só gera ódio. A homofobia, esse ódio, na maioria das vezes vem de pessoas que são gays, mas que não se assumem justamente por causa do tratamento que sofreram por parte de pais ou pessoas que elas admiram. Por causa da hostilidade de comentários que escutam e acabam se odiando. Por culpa desse sentimento negativo, acabam descontando em pessoas similares justamente porque elas tiveram a coragem de se assumirem, porque essa pessoa queria ser como aquele casal de namorados ou como aquele cara que não tem medo de andar de salto. Como eu havia dito, a história se passa numa comunidade rural de Londres.

Vou ter que soltar um spoiler, mas é para embasamento de argumento, juro, se eu pudesse abordar esse ponto sem estragar uma das surpresas, eu o faria. Enfim, Rick vai pra guerra do Afeganistão antes da Ascensão ter início e é encontrado parcialmente vivo ou seja. Ele morreu e voltou como um portador da SdFP.

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Lembrando que o pai de Rick, Bill, é o líder da Fronte Voluntária. Você já espera uma porradaria imensa quando o garoto volta pra casa após a guerra, ou um tiroteio entre pai e filho. Por quê? Simples, porque Bill odeia rotters e não tem dó de matá-los, curados ou não. (A cena da senhora me doeu o coração) Agora pensem, se um cara desses visse o filho como o ser que ele mais odeia, lógico que estouraria a cabeça do garoto. Mas não é isso o que acontece.

É como eu digo, algumas pessoas só levantam a bunda e fazem alguma coisa quando atinge alguém do seu círculo social. E no caso de Bill foi um headshot direto no seu único filho. É mais um spoiler mas é necessário, o líder vira a casaca e seu discurso de ódio vira pedido de apoio. Você pensa “Ah seu puto, agora você vai apoiar os Rotters né? Só porque a água bateu na bunda” Não. Ele só protege o filho mesmo e obriga os demais a tratarem-no como antes. Mas só ele, o restante dos portadores que se lasquem, eles não são filhos de Bill. Sorte a deles.

E aí é que está, numa cena Rick e os demais membros da Fronte estão num pub conversando. Você sabe que os outros homens falam com o garoto normalmente por ordens do pai, só que por um momento eles esquecem que quem está diante deles já arrancou cabeças para comer. Rick voltou ao normal, ele voltou a ser quem era. Ele está curado. Só que a ignorância da comunidade e o preconceito os impedem de enxergar isso nos demais portadores da síndrome.

É como nos dias de hoje com gays, é como foi antigamente com negros e imigrantes. Essas pessoas são como todas as demais, são como a “Elite caucasiana hétero e cristã”, só que há gente que não consegue enxergar isso justamente por causa de um preconceito idiota e falta de informação.

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Outro ponto que suporta o preconceito dessa comunidade é a alienação e falta de lição de casa. Uma professora minha disse “Um bom jornalista sempre faz sua lição de casa antes de ir pra uma entrevista ou fazer uma matéria” O conselho não só se aplica ao jornalismo, como a muitas outras coisas. Mas vamos incorporar isso na série.

Se as demais pessoas da comunidade tivessem se informado, descobririam que os portadores da SdFP são medicados diariamente para que não ataquem mais ninguém, que fazem terapia para lidarem com a culpa de suas ações (Eles tem até um lema: “Eu sou uma vítima da Síndrome do Falecimento Parcial. E o que eu fiz no meu estado pré tratamento não foi minha culpa.”), descobririam que mesmo não podendo mais ingerir alimentos ou líquidos (quando isso acontece eles vomitam uma gosma preta porque o novo organismo rejeita tudo), eles são boas companhias para a hora do chá. No geral, as pessoas que eles eram antes, são as de agora. Claro, pessoas mudam, mas a premissa é a mesma. O eu de antes é o mesmo eu de agora, só que um pouco diferente.

Kieren agora precisa se acostumar a sua nova vida. Precisa tomar sua medicação religiosamente, caso contrário começa a sofrer com os efeitos colaterais e voltar ao estágio de zumbi de antes. Precisa lidar com os flashbacks de seu estado pré cura e com o peso da culpa de suas ações, vide Lisa. Além disso precisa resolver seu relacionamento com a irmã, que o odeia e tentar não ser morto pela comunidade onde vive. Apesar dos pesares ele consegue alguns ganhos nesse interim, um deles é Amy Dyer.

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In The Flesh fala sobre opressão, religião, preconceito, alienação, suicídio, mas também fala sobre aceitação. A série personifica através de seus personagens os temas abordados. Kieren conhece uma garota enquanto vai visitar sua tumba, Amy Dyer. Ela também é uma portadora da SdFP, só que ao contrário do garoto, tem uma atitude muito mais positiva sobre sua nova vida.

Ela se recusa a usar a maquiagem e lentes de contato dada a ela no centro médico para que a sua aparência seja mais “normal” e “aceitável” pela sociedade e vê seu reboot como uma nova oportunidade. Sabemos muito pouco sobre como e porquê a Ascensão começou, só sabemos que quem morreu um ano antes acabou voltando e Amy foi uma dessas pessoas.

A garota não se importa com a aparência cadavérica e até tira proveito dela, não obedece às regras porque não concorda com elas e vive sua vida nova do melhor jeito que pode. Convenhamos, quem não ficaria feliz se tivesse uma segunda chance após morrer de leucemia?

Um aviso aos navegantes mais sensíveis dependendo do tema, o último episódio é pesado e pode te fazer chorar feito criança, eu chorei. O season finale de In The Flesh não é só impactante por causa do desenrolar dos fatos e da simbologia das cenas (o take do sangue nas mãos foi IN-CRÍ-VEL), ele é forte pelo tema abordado: Suicídio.

Descobrimos algumas coisas sobre um dos personagens e mais uma vez é jogado na nossa cara que o mundo de hoje não é tão mente aberta quanto gostaríamos que fosse, nem tão receptivo a certos aspectos dos seres humanos. Além disso, temos uma visão diferente da abordagem do suicídio. Geralmente só enxergamos como a vítima enxerga, vemos o seu desespero e dor, sua angústia e aflição.

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Suicídio é um ato egoísta? Sim, e na maioria das vezes a abordagem parte dessa visão centralizada. Em In The Flesh é diferente, na série da BBC Three nós vemos as coisas como a família veria. Sofremos como eles sofreram ou sofrem, e ficamos confusos quanto ao que sentir. É uma mistura de raiva, com alívio e dor. A cena do confronto me fez soluçar igual idiota na frente do computador. É forte e se você tiver pelo menos um pingo de compreensão, vai abalar a sua estrutura também.

Há boatos de que In The Flesh ganhe uma segunda temporada porque há coisas que precisam de respostas, como a própria existência dos Rotters, quem é o Profeta Morto e como vai ser a vida de Kieren daqui pra frente. Eu estou cruzando os dedos para que não transformem essa história em catástrofe, como acontece atualmente com The Walking Dead. Fica aqui então a dica da série. Assistam In The Flesh.

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No Comments

  1. Felipe Storino

    10 de abril de 2013 at 10:54

    Quando essa série foi anunciada, eu achei interessante a premissa da cura zumbi, mas a minha expectativa era de que fosse uma série mais voltada pra ficção científica. Achei que fossem focar mais na cura e como é voltar a “viver” depois de passar um tempo como zumbi. Mas acabou que não foi nada disso, o Kieren continuou com o mesmo drama de quando era vivo: gay apaixonado pelo amigo que não sai do armário. Sei lá, era uma história que podia ser contada sem os zumbis, então me decepcionei.

    E discordo dos zumbis serem coitadinhos que devoravam pessoas apenas para não morrerem. Até porque, depois de curados eles param de devorar pessoas, mas também não comem comida normal. Então, por essa lógica, eles teriam que definhar até a morte. Antes da cura, eles eram os monstros devoradores de cérebros que aparecem em qualquer outro filme de zumbi. Pra mim, só passam a ser uns coitados depois que recebem a cura e recuperam a memória.

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    • Thiago Chaves

      10 de abril de 2013 at 11:19

      Bom, eu também achava que a série seria mais voltada pra ficção científica. Mas ao contrário de você, eu não me decepcionei com o que vi não.

      Gostei porque a série não ficou só focada nesse caso amoroso citado. O drama era bem mais amplo. Tratando das famílias, dos preconceitos, religião e tudo mais que a Bia bem escreveu. E pela sua lógica então, muitos filmes de zumbis não precisariam ter zumbis na história. rs

      E eu também achei foda aquela cena do sangue nas mãos.

      Enfim, espero por uma segunda temporada. Mais que por uma quarta de TWD.

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      • Felipe Storino

        10 de abril de 2013 at 14:36

        O problema pra mim foi justamente NÃO terem usado os zumbis como metáfora, como geralmente acontece. Logo surgiu a história do casal gay, que já era um casal quando vivo, aí nem precisava do zumbi como pano de fundo pra mostrar preconceito, a homossexualidade já bastava. Mas é como eu falei, é questão de expectativa, eu esperava uma coisa e a série me entregou outra. Então nem volto pra segunda temporada.

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  2. Daniel Irineu

    10 de abril de 2013 at 12:13

    Eu também achava que a série teria uma abordagem mais de ficção científica, mas não me decepcionei nem um pouco com o enfoque mais dramático e de crítica social. Pelo contrário, a série conseguiu atingir de maneira brilhante todos os pontos abordados nos episódios! A qualidade do roteiro é muito grande, e a série passa muita emoção. O final foi de fazer chorar mesmo, e seguiu por um caminho que me surpreendeu. Séries britânicas tem muito disso, coragem de fazer escolhas difíceis e seguir por caminhos que as séries americanas jamais se arriscariam a seguir. Realmente espero que ela ganhe uma segunda temporada.

    Ps: Os mortos-vivos aqui são realmente escravos do canibalismo antes de serem tratados. Eles precisam comer cérebro para manter o próprio cérebro funcionando já que não produzem nem regeneram células novas. O que a droga usada por eles faz é justamente reativar o cérebro deles e substituindo aquilo que eles buscavam na cabeça das vítimas.

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  3. Gilmarzinho

    24 de abril de 2013 at 09:55

    Não conhecia esta. Vou atrás pra ver no próximo fim-de-semana!

    Excelente texto, parabéns e obrigado por mais esta dica.

    Té.

    Reply

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