Comecei a assistir Lion: Uma Jornada Para Casa já esperando um mar de drama. Afinal, como esperar outra coisa de um filme que conta a história de um menino que, aos cinco anos de idade, se perdeu do irmão e foi parar a mais de 16 mil quilômetro de casa? Surpreendentemente, o filme em nenhum momento apela para o drama barato, apresentando uma história muito mais de superação do que dramática. Apesar de acompanharmos as dificuldades que o pequeno Saroo passou nas ruas antes de ser adotado por um casal australiano, Lion nunca tenta forçar o espectador a chorar. Mesmo existindo diversas oportunidades para isso, o diretor Garth Davis prefere muitas vezes mostrar o quanto o garoto era sagaz e subverter certas expectativas.

Em certo momento, Saroo está se abrigando em uma estação de trem onde tem outras crianças perdidas/abandonadas e temos a clara sensação de que uma delas vai maltratar o protagonista. Porém, isso acaba não acontecendo e o menino ainda oferece um pedaço de papelão para que Saroo possa deitar no chão. Em outros filmes, provavelmente ele seria atacado simplesmente para deixar ainda mais claro o quanto é difícil viver nas ruas. Mas a escolha de Davis por mostrar que as outras crianças estão sendo solidárias, além de surpreender, ainda faz com que o espectador comece automaticamente a se importar com elas, algo que é importante em uma cena que acontece alguns minutos depois. Além disso, o diretor é inteligente ao substituir o drama barato por momentos de tensão, como o momento em que Saroo é praticamente vendido para um sujeito estranho ou quando ele vai parar em um orfanato.

Davis também acerta visualmente na hora de mostrar a situação difícil de Saroo, com planos que mostram o menino cercado de pessoas que nunca vemos os rostos, deixando tudo mais ameaçador. E a primeira vez que vemos o personagem nas ruas da cidade onde ele foi parar o diretor escolhe um plano aberto que deixa Saroo bem pequeno diante de uma cidade gigante e desconhecida. Essa cena, aliás, faz uma bela rima visual com a cena de Saroo adulto em sua cidade natal, uma vez que aquele deixou de ser o seu mundo há muitos anos. Já as cenas do menino dentro do trem  que o leva embora possuem o tempo exato para que o espectador possa sentir toda a angústia de Saroo, sem se estender demais, algo que poderia deixar o filme arrastado. É interessante notar que, mesmo em um espaço apertado de um vagão de trem, o diretor sempre encontra ângulos diferentes, deixando a sequência mais dinâmica e dando a sensação de estarmos realmente dentro de um trem em movimento.

Além de não se render às lágrimas fáceis, Garth Davis é competente também ao dedicar metade do filme para mostrar a infância de Saroo. Apesar de Dev Patel estampar o pôster da produção, ele só aparece na tela depois de quase uma hora de exibição. Assim, o espectador vai aos poucos se envolvendo emocionalmente com o pequeno Saroo enquanto acompanha o cotidiano dele, entre brincadeiras e trabalhos com o irmão mais velho, Guddu. E o principal responsável por este envolvimento é o pequeno Sunny Pawar, que interpreta Saroo na infância. Com um olhar e sorriso encantadores, é impossível não gostar do personagem logo de cara e sofrer junto com ele durante sua árdua jornada. Mesmo com apenas oito anos de idade, ele consegue segurar metade do filme tendo que interpretar diversos tipos diferentes de emoções. E por falar em atuações, Nicole Kidman está fantástica interpretando a mãe adotiva de Saroo. O olhar que ela lança para o menino assim que o conhece é aquele olhar que só uma mãe com muito carinho por um filho consegue lançar. Difícil não se emocionar quando ela diz para o filho, já adulto, que ela teve exatamente os filhos que gostaria de ter.

Apesar de todas as qualidades, o terceiro ato de Lion: Uma Jornada Para Casa possui algumas coincidências que incomodam, como o modo quase aleatório com que Saroo encontra o que procurava no Google Earth. Em outro momento, o jovem “dá a sorte” de a única pessoa que fala inglês em um vilarejo inteiro aparecer bem onde ele está. Porém, são coisas pequenas que em momento algum estragam o filme. Servindo ainda como um registro do descaso com que as autoridades indianas tratam o desaparecimento de crianças, o filme deixa claro que Saroo não precisaria ter passado tudo o que passou se as autoridades tivessem se esforçado um pouco mais. Felizmente, ele conseguiu uma família adotiva repleta de amor e que fez toda a diferença na vida dele, algo que a maioria das crianças não consegue.

[quote_box_center]Lion: Uma Jornada Para Casa (2016)

Direção: Garth Davis

Duração: 1h 58min

Elenco: Sunny Pawar, Dev Patel, Nicole Kidman, Rooney Mara.[/quote_box_center]

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