Meu primeiro contato com Lugar Nenhum foi por meio de uma série em quadrinhos publicada pela Vertigo, que adaptava o livro escrito por Neil Gaiman, que por sua vez era a adaptação de uma série televisiva criada pelo próprio Gaiman para o canal BBC Two. Infelizmente, na época não pude acompanhar a série em quadrinhos até o final, mas graças a algumas republicações dos livros de Gaiman, acabei tendo a oportunidade de ler a obra original deste interessante conto de fadas moderno.

Quando se fala em contos de fadas, a primeira coisa que vem à mente da maioria das pessoas são coisas como Branca de Neve, Cinderela etc. E, geralmente, pensam na versão da Disney que, como já foi mostrado aqui na MOB, são versões muito menos violentas que o original, com o objetivo de alcançar o público infantil. Lugar Nenhum não é nem um pouco infantil, com várias referências a álcool, drogas e sexo, além de ser bastante violento em certos trechos.

No livro, Neil Gaiman nos apresenta a uma Londres de fantasia, que existe debaixo da Londres original (aqui chamada de Londres de Cima). Ela é formada por paisagens e costumes ingleses que já foram abandonados há vários séculos, mas que permanecem vivos neste local onde tudo é interpretado literalmente. Os nomes das estações de metrô, por exemplo, sempre significam algo verdadeiro na Londres de Baixo, como a Earl’s Court (Corte do Conde), que realmente possui um conde, ou a Blackfriars, que é um local dominado pelos monges negros. Além dos nomes tratados de forma literal, várias lendas do nosso mundo são reais na Londres de Baixo. Em certo trecho é citado até mesmo os crocodilos que viviam nos esgotos de Nova Iorque.

Como não poderia deixar de ser, o livro inteiro é repleto de referências à Inglaterra, mas Gaiman exagera mesmo é no começo, o que pode desanimar um pouco o leitor que não possua muito conhecimento sobre o país da rainha. Porém, os que seguirem em frente vão encontrar um cenário muito interessante e personagens carismáticos. Na verdade, o grande atrativo do livro é justamente o cenário, já que a história é bem básica. Nela, a jovem Door (habitante da Londres de Baixo) deseja descobrir quem assassinou sua família e, assim, poder se vingar. Ela acaba trombando com o jovem Richard Mayhew, que salva a vida dela e fica condenado a viver na Londres de Baixo e ser esquecido por todos que habitam a Londres de Cima.

O modo como Neil Gaiman descreve os cenários e as situações faz com que o leitor não consiga parar de ler, virando página após página até completar “só mais um capítulo antes de dormir”. Além disso, ele não tem pena de maltratar seus personagens, matando alguns e torturando outros tantos. Sempre com descrições detalhadas das torturas, geralmente protagonizadas pelos personagens Vandemar e Croup, que estão sempre perseguindo os protagonistas. A descrição da morte da família de Door também é impactante, com muitos detalhes dos requintes de crueldade. A tradução do livro também está excelente e cheia de notas de rodapé para explicar algumas referências mais obscuras, como quando Gaiman utiliza um inglês arcaico.

Outro ponto interessante do livro é que, como os habitantes da Londres de Cima não podem ver o povo da Londres de Baixo (a menos que eles chamem muita atenção), Gaiman mostra muitas dessas pessoas como moradores de rua, afinal, assim como acontece no mundo real, essas pessoas sempre acabam sendo ignoradas pela população. Entre esses habitantes do submundo, um dos povos mais legais do livro é o povo que fala ratês, a língua dos ratos. Eles consideram os roedores como animais sagrados e conseguem se comunicar com eles para que possam transmitir suas ordens aos demais. Como eles mesmos dizem, “existem coisas que nem um rato pode fazer, como falar, por exemplo”. O interessante é que, no começo, isso parece apenas uma maluquice de pessoas que vivem nos esgotos, mas os ratos realmente acabam tendo grande importância no decorrer da história.

Publicado originalmente em 1996, Lugar Nenhum não é um livro com uma história revolucionária que vai fazer sua cabeça explodir a cada página virada. Mas o cenário de fantasia, misturado com o mundo moderno, é uma excelente escolha para quem gosta deste tipo de história e quer uma leitura descompromissada e divertida para um fim de semana.

LugarNenhumLugar Nenhum (Neverwhere)

Autor: Neil Gaiman

Editora: Conrad  (2010)

Páginas: 335

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No Comments

  1. tio chocomalk

    19 de abril de 2012 at 12:06

    =

    Olha sou suspeito pra comentar, já que TUDO de Gaiman que li até hoje é MUITO bom ou Excelente. Mas desde a primeira obra dele que li ( Sandman ) virei praticamente um fã…
    mas bem, Lugar Nenhum ainda não li o livro ( já tenho, só não li ainda ) mas tive a oportunidade de ler a adaptação dos quadrinhos que diga-se de passagem é MUITO boa, recomendo de olhos fechados… e parabéns pela resenha… diz realmente como é a história… uma fantasia que não tem nada de infantil hehe

    Reply

  2. Joelma Alves

    19 de abril de 2012 at 12:45

    Eu já tive esse livro em ebook, mas não cheguei a ler. Todo mundo fala muito bem do Neil Gaiman, acho que eu nunca vi ninguém falando mal, o cara deve ser bom mesmo.
    Estou com Coisas Frágeis 1 e 2 em casa (essas promoções do Submarino…), vou inciar minhas leituras do autor por eles, mas Lugar Nenhum parece bem interessente, gosto quando autores trabalham com contos de fadas no mundo moderno.

    =)

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  3. Lavreh

    7 de janeiro de 2013 at 19:25

    Felipe, excelente artigo! Mas entre a HQ e o livro, qual seria a sua escolha? O lance é que estou com as HQs em mãos, mas tenho receio de lê-las antes do livro e estragar o barato…

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    • Felipe Storino

      7 de janeiro de 2013 at 20:13

      Olha, se você tiver como arranjar o livro pra ler, eu recomendo sempre o livro. Até porque gosto muito das descrições do Gaiman e gosto de imaginar os lugares que ele descreve. Se ler a HQ antes vai acabar enxergando tudo como foi desenhado, perdendo grande parte da diversão do livro.

      Reply

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