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Um retrato grotesco da força de vontade humana

Louis Bloom é um homem de visão, um empreendedor obstinado que almeja, acima de tudo, fazer sucesso com um trabalho que ame de verdade. Seus valores e preceitos profissionais foram todos adquiridos através da internet, e quando o mesmo repete mecanicamente alguns destes ensinamentos, percebemos que algo está extremamente errado. Sua intensidade é psicótica. No entanto, ele possui a ferramenta necessária para vencer neste mundo cão: força de vontade.

O filme O Abutre é um retrato assustador da capacidade humana de subverter valores, de transformar fatalidades em um espetáculo amoral. Louis Bloom é simplesmente mais um agente do caos que joga combustível nesta fogueira. Sua “almejada vocação” é o telejornalismo verdade, aquele que se resume em apontar a câmera para acidentes, resgates, crimes, pessoas mortas ou agonizando. Se sangrar, alguém vai pagar pra ver, a demanda é de fato impressionante. Sendo assim, a mais importante missão da profissão é conseguir chegar no local da tragédia rapidamente, até mesmo antes da polícia. Isso permite uma captura de imagens mais bem trabalhada, com detalhes e enquadramentos que se fixam nas cabeças dos telespectadores. Um ajuste aqui, um ângulo aberto ali, e a cena de uma colisão fatal se torna uma pepita de ouro.

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Este é o primeiro filme de Dan Gilroy como diretor e roteirista – até então ele havia apenas roteirizado algumas obras esquecíveis, como Gigantes de Aço e O Legado Bourne. O resultado foi tecnicamente impecável. Gilroy acerta em todas suas escolhas, começando pela incrível trilha sonora que estabelece o ritmo das cenas, hora carregadas de urgência, hora mórbidas e desumanas. Já seu texto disserta com perfeição sobre o mercado de horrores que é o telejornalismo americano, em que emissoras vendem o medo para um público friamente selecionado (brancos, que vivem em bairros ricos). E por fim, temos a escalação de Jake Gyllenhaal como Louis Bloom, um marco na carreira do ator.

Gyllenhaal tem uma cota considerável de personagens lunáticos em seu currículo, mas Louis Bloom é o maior de todos, e provavelmente o mais articulado. O ator emagreceu mais de 10 quilos para o papel, o que lhe rendeu um aspecto doente, como de um viciado em crack (principalmente com seus olhos arregalados). Toda a construção da personalidade de Bloom é impressionante. Ao mesmo tempo em que ele parece totalmente no controle da situação, parece também a ponto de explodir. Suas técnicas de trabalho não são as melhores, seus discursos institucionais soam como pura loucura, mas sua dedicação inabalável, no propósito de se tornar um autêntico carniceiro da humanidade, o faz progredir nos negócios.

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O excelente roteiro de Gilroy se preocupa em montar passo a passo este desenvolvimento de Bloom como cinegrafista. O personagem bate a cabeça até aprender que quanto menos ele é notado no local das filmagens, melhor. Pouco tempo depois (pois ele aprende muito rápido), sua verve artística ganha contornos míticos, e sua frieza diante de cenários brutais o torna uma espécie de mestre do horror. Com experiência, ele percebe todas as possibilidades do trabalho, começa enxergar frestas no sistema, e criar oportunidades maiores e mais rentáveis em cima disso.

Em resumo, O Abutre demonstra de maneira incisiva o que uma pessoa obstinada é capaz de conquistar, mesmo que as inclinações morais envolvidas sejam perversas. A única inconsistência desta é história é que Louis Bloom já deveria ter dado certo antes. Como disse, o cara é pura força de vontade.

[quote_box_center]O Abutre/ Nightcrawler: EUA/ 2014

Duração: 117 min

Direção: Dan Gilroy

Elenco: Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Bill Paxton, Kevin Rahm, Riz Ahmed [/quote_box_center]


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