Apesar do Pantera Negra ter sido apresentado em Capitão América: Guerra Civil, o filme solo do personagem funciona como uma história de origem. Não apenas uma origem dos poderes dele, mas também a origem de T’Challa (Chadwick Boseman) como soberano de Wakanda. Enquanto a maioria dos filmes de origem da Marvel mostram os personagens aprendendo a utilizar os poderes e ser heróis, em Pantera Negra o protagonista já sabe fazer isso muito bem. O grande desafio dele é conciliar as necessidades e tradições do seu povo com a vontade de ajudar o outros países, já que Wakanda é uma nação fechada e esconde sua tecnologia do resto do mundo. A partir disso, o filme apresenta uma das tramas mais interessantes de todos os filmes da Marvel, abordando temas como política internacional, preconceito, xenofobia e até a questão dos refugiados. Tudo costurado com excelentes cenas de ação, algo que não pode faltar em um filme de super-herói.

Uma das coisas que fazem a trama funcionar é o fato do diretor e roteirista Ryan Coogler (que também dirigiu o excelente Creed) mostrar as contradições de Wakanda. Além do avanço tecnológico, a nação africana se mostra bastante avançada socialmente, com muitos cargos de poder sendo exercidos por mulheres, como o exército pessoal do rei ou a responsável pela descoberta de novas tecnologias para o país. Sem falar que algumas tribos que formam o conselho do monarca são comandadas por mulheres. Porém, apesar de todo este avanço social, Wakanda acaba adotando uma postura xenófoba e egoísta, ao se recusar a ajudar o resto do mundo, mesmo tendo poder econômico para isso. E se no começo do filme é fácil entender esta decisão e até concordar com ela, as coisas começam a mudar quando surge o vilão Erik Killmonger (Michael B. Jordan).

Vivendo no mundo real, longe de Wakanda, o Killmonger conhece todo o sofrimento que grande parte da população negra vive ao redor do mundo. Revoltado com o fato de Wakanda não fazer nada para ajudar nesta situação, o vilão aponta bons argumentos e acaba até despertando a nossa simpatia. Apesar dos métodos violentos, é difícil não se solidarizar com o personagem já que ele é apenas um produto do meio violento em que cresceu. Defendendo uma causa nobre, mas com um senso de justiça completamente deturpado, Killmonger já é um dos vilões mais interessantes do universo Marvel nos cinemas. Do outro lado, temos um Pantera Negra passando pela sua própria versão de “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, só que neste caso os poderes políticos e econômicos são mais importantes que uma super força. Além dos dois protagonistas, o filme ainda traz excelentes coadjuvantes, como Okoye (Danai Gurira), general do exército de Wakanda e que se divide entre seu dever como general e sua lealdade a T’Challa; Nakia (Lupita Nyong’o), que se recusa a voltar para Wakanda enquanto o país se recusar a ajudar outras nações; e a simpática Shuri (Letitia Wright), irmã de T’Challa e chefe do departamento de tecnologia de Wakanda.

Mas se engana quem acha que Pantera Negra é um filme interessado apenas na discussão sobre preconceito e política. O diretor Ryan Coogler consegue equilibrar tudo isso com cenas de ação muito boas e que não ficam devendo nada para outros filmes de heróis. Em um dos combates, que acontece dentro de um cassino, várias lutas estão acontecendo ao mesmo tempo e a câmera do diretor vai passando por vários ambientes, sem nunca deixar o espectador perdido e sem saber o que está acontecendo. Já em outra cena envolvendo uma perseguição automobilística, nós conseguimos saber exatamente quem está perseguindo quem, mostrando que o diretor possui domínio total sobre a geografia das suas cenas. E a coreografia dos guerreiros de Wakanda, lado a lado com o Pantera Negra, em uma batalha perto do clímax, é lindo de se ver. Outro destaque durante as lutas se deve ao novo traje do herói, capaz de absorver energia cinética e devolver esta mesma energia quando necessário. Conforme a energia vai sendo absorvida, listras roxas vão surgindo no uniforme, fazendo com que o público crie uma expectativa de quando e como essa força será liberada pelo personagem.

E não posso deixar de comentar sobre o visual de Wakanda, conhecido como o país mais desenvolvido do Universo Marvel. Felizmente, ele não decepciona. Além dos vários prédios altos, vemos todo um sistema de transporte sobre trilhos que funcionam de forma perfeita e até mesmo estruturas subterrâneas. Porém, o mais interessante é a mistura de toda essa tecnologia com coisas que remetem a antigas tribos da África, algo que faz total sentido, já que a maioria dos habitantes de Wakanda jamais saiu do país e não foi influenciada por outras culturas. Já o visual dos aparatos tecnológicos utilizados pelo Pantera Negra também estão excelentes, com um aspecto meio alienígena e, algumas vezes, até mágico. Em certo momento um personagem chega a perguntar se foi curado com magia, o que é natural, já que qualquer tecnologia avançada o suficiente vai parecer magia para povos mais primitivos.

Pantera Negra ainda possui mais uma qualidade mesmo depois que se encerra: é o primeiro filme da Marvel que possui uma cena pós-créditos realmente essencial. A cena é tão importante para o filme que o único motivo para ela aparecer depois dos créditos deve ser para manter esta cansativa tradição do Marvel Studios. Com um roteiro excelente e que toca em várias feridas da nossa própria sociedade (tem uma crítica escancarada ao modo como muitos países tratam a questão dos refugiados), Pantera Negra consegue um equilíbrio perfeito entre ação de super-herói e discussão política, sem nunca parecer didático. Um dos melhores filmes do Marvel Studios e, sem dúvida, o mais relevante. Wakanda pra sempre.

Pantera Negra / Black Panther (EUA, 2018)
Direção: Ryan Coogler
Duração: 2h 14min
Elenco: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Letitia Wright, Winston Duke, Andy Serkis, Forest Whitaker, Angela Bassett, Sterling K. Brown.


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