Destino

Destino percorria seu jardim. Quem olhasse para frente veria infintos caminhos a serem percorridos, mas ao olhar para trás veríamos apenas um único caminho. O vento agitava seu longo manto marrom, mas o capuz permanecia parado, não deixando seus olhos serem vistos. Ele se dirigia ao local onde se encontravam as gigantescas estátuas de seus irmãos: Destruição, Morte, Sonho, Desejo, Desespero e Delírio. Chegando ao lugar, tudo aparentava estar normal, quando, subitamente, um tremor abalou todo o jardim, revelando uma cratera da qual emergiu mais uma estátua. Ao final de tudo, Destino consultou o enorme livro que carregava acorrentado ao braço. Fechando-o, pensou: “É chegada a hora…”

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Em São Paulo, a chuva de verão castigava a cidade e obrigava seus habitantes a permanecerem em seus lares. Em um apartamento próximo ao centro, um jovem casal tentava resolver seus problemas…

– Pô, Fabiana! Assim não dá! Se quer desmanchar o namoro, fala logo de uma vez!

Fabiana, preocupada, olhava para André, seu namorado. Ele andava de um lado para outro da sala, passando uma das mãos pelo cabelo preto raspado. Os olhos castanho-escuros do rapaz demonstravam uma mistura de raiva e medo e o fato de ele ter se molhado a caminho do apartamento também não ajudava muito a melhorar a situação. Ela tentou argumentar:

– Não é bem assim… Eu só tô confusa! É sério, preciso de um tempo para pensar.

– Tempo? Eu já conheço esse papo. Cê tá querendo acabar e fica me enrolando…

– Você está sendo radical… Eu não quero desmanchar nada. Só preciso de um tempo para me reorganizar.

André parou de andar e observou os olhos verdes de Fabiana, que estavam brilhando, prestes a lacrimejar. Ele tinha vontade de abraçá-la, beijá-la e afagar seus longos e lisos cabelos castanho-claros. Mas não podia. Queria acreditar no que ela disse, porém era difícil. Por fim, se decidiu:

– Quer um tempo, certo? Então vou te dar. Uma semana, pra ser mais exato. Pensa bem, porque depois disso vou querer uma resposta, seja qual for!

E saiu do apartamento, batendo a porta. Fabiana nem tentou impedi-lo. Sabia que não adiantaria. Preferiu correr para o seu quarto, onde, chorando, desabou na cama. Após se recuperar, virou-se para uma mulher sentada no canto em cima de uma almofada e desabafou:

– Droga! Isso começou depois que eu te conheci!

Parecendo tão confusa quanto Fabiana, a mulher respondeu:

– Acredite, se eu soubesse o que está acontecendo, te ajudaria…

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Sonhar, a terra de onde vêm nossos sonhos, o lugar que visitamos todas as noites. Vamos nos dirigir ao centro desse reino e, mais especificamente, ao Castelo do Sonhar. Esta residência magnífica, nos moldes dos palácios renascentistas, é a morada do regente daqui, o Perpétuo dos Sonhos. Na entrada da construção estão seus três guardiões: o grifo, o dragão e o pégaso. Eles dariam a vida para proteger seu senhor.

Em seu interior, o castelo parece bem maior do que por fora. É impossível descrever seus infinitos aposentos, onde tudo que é ou não imaginável pode ser encontrado. Na sala do trono, dois ilustres cavalheiros, Caim e Abel, os guardiões dos mistérios e dos segredos, respectivamente, estão tendo uma audiência com o próprio Lorde Sonho. Ele é uma figura imponente, de pele pálida como a Lua e cabelos da mesma cor, presos em um pequeno rabo-de-cavalo. Seus olhos são de um negro mais profundo que a escuridão e traja um nobre manto branco. No pescoço, podemos ver uma grande esmeralda verde pendurada por uma corrente. Neste momento, Sonho prestava atenção em Caim, que parecia extremamente irritado.

Sonho

– Milorde, esse incompetente fez novamente! Revelou outro segredo! Logo não haverão segredos a serem guardados! Exijo do senhor uma atitude!

Sonho ponderou enquanto observava seus dois servos. Caim, alto, magro, de cabelos e barba ruivos, trajando um paletó bege, não parava de gesticular e falar, quase derrubando seus óculos no chão. Já Abel, baixo, gordo, cabelos e barba negros, vestido com um paletó azul e um chapéu turco vermelho, permanecia de cabeça baixa e nada falava. Debaixo de suas pernas, Goldie, sua gárgula dourada, rosnava em direção ao cruel irmão de seu dono. Por fim, o Perpétuo dos Sonhos se manifestou:

– Meu caro Caim, você não está em condições de exigir nada. Eu lhe aviso pela última vez: se dirija a mim assim novamente, e será severamente punido.

Caim ficou visivelmente envergonhado. Mais ponderado, continuou:

– Sinto muito, milorde. Mas e quanto meu irmão, ele…

– Seu irmão não é perfeito, assim como você. E se eu despedi-lo, quem ficará em seu lugar?

– Bem… Não tenho nenhum nome agora, mas…

– Creio que o assunto já se encerrou.

Ao fim disso, adentrou mais uma pessoa no aposento. Era extremamente alta, magra e calva. Usava enormes óculos redondos e trajava roupas de mordomo. Era Lucien, bibliotecário e assistente do regente deste reino onírico. Formalmente, disse:

– Senhor, um de seus irmãos o convoca na galeria.

Sonho se levantou e dirigiu-se a seu fiel servo

– Obrigado Lucien. Poderia acompanhar estes cavalheiros até a porta?

– Pois não, senhor.

Os três partiram, com Caim resmungando sobre a conversa que teve e dizendo algo sobre ele mesmo tomar as providências sobre a irresponsabilidade de Abel. Assim que fecharam a porta, Sonho perguntou:

– Qual de meus irmãos deseja falar comigo?

Surgiu a imagem de uma figura andrógina, com cabelos curtos negros e olhos cor de mel, trazendo nos lábios um sorriso malicioso. Vestia um fraque ultra decotado e fumava. Este era Desejo, irmã(o) gêmea(o) de Desespero. Ele(a) disse, cinicamente:

– Olá, irmão! É bom ver você de novo.

Desejo

A resposta foi seca:

– Poupe-me de seu sarcasmo, Desejo, e vamos direto ao assunto.

– Tem certeza de que depois que morreu mudou alguma coisa? Para mim, continua o mesmo chato de sempre…

Sonho permaneceu calado. Desejo suspirou e disse:

– Está bem. Destino está nos convocando para um conclave. Quer que vá agora ao seu reino.

– E por que ele mesmo não me convocou?

– Porque eu fiz questão de te chamar! – ele(a) terminou, aumentando ainda mais o sorriso enquanto desaparecia.

(continua…)

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