Há momentos em que o capeta surge em forma de guri, como no caso da bela canção de Sérgio Mallandro, mas há também situações em que o tinhoso surge de maneira mais sofisticada, com um jeitão de Robert-De-Niro-que-esqueceu-de-passar-na-manicure.

O filme (Angel Heart, 1987) de Alan Parker nos apresentou esta última versão no final dos anos 80 e marcou o imaginário da época. O longa estrelado por um Mickey Rourke (O Lutador) ainda sexy simbol, pré-plásticas bizarras, tornou-se cult e, revisto recentemente, ainda não envelheceu nadinha: o clima noir continua perfeito, a trilha sonora ainda é marcante e o filme permanece assustador.

Pois bem, eis que a DarkSide Books resolveu editar a obra que deu origem a porra toda. Com o esmero que é de praxe da editora, temos agora à disposição, em versão capa dura, a história medonha criada por William Hjortsberg e publicada pela primeira vez em 1978.

E aí, é melhor do que o filme? A resposta mais adequada seria: os dois são ótimos, mas o livro é mais satânico do que o filme.

Pra quem não conhece, Coração Satânico conta a história do policial Harry Angel que é contratado por um cara meio sinistro para encontrar um famoso cantor que sumiu depois da Segunda Guerra. Ele supostamente voltou da batalha transtornado, possivelmente em estado catatônico, mas ninguém sabe ao certo onde ele foi internado. Então caberá a Angel percorrer o submundo de Nova York em busca do sujeito, sem imaginar o pesadelo que vem pela frente.

A grande sacada do livro é misturar dois gêneros bastante distintos até então: o terror e a literatura policial. Como bem definiu Stephen King, é como se O Exorcista tivesse sido reescrito por Raymond Chandler. A fórmula funciona muito bem, pois Hjortsberg insere o horror de maneira muito comedida, conforme a investigação avança, então o clima de ansiedade pela descoberta se mistura ao cagaço de descobrir o que está logo adiante.

O autor segue a cartilha de contar uma história que revela pouco ao mesmo tempo em que insere diversos ganchos que fazem com que o leitor não consiga largar o livro. Quase não há respiros uma secessão de acontecimentos vão se acumulando, uma pista se liga imediatamente à outra, enquanto a história ganha contornos cada vez mais sinistros.

E por falar em sinistro, esse é o aspecto que talvez mais valha a pena para quem já viu o filme e não sabe se compensa ler o livro. Cara, vale e muito, pois do ponto de vista diabólico, a narrativa é bem mais pesada, por exemplo:

[quote_box_center]“Cheguei mais perto e dei uma olhada no que se projetava de seus lábios inchados, e de repente apenas um drinque não seria o suficiente. Toots tinha sufocado com a própria genitália. Do lado de fora, no pátio três andares abaixo, ouvi as gargalhadas alegres de crianças”.[/quote_box_center]

Fora isso, há trechos bem importantes envolvendo, vejam só que fofo, sacrifício de bebês, que não aparecem no filme. O clima noir e a relação com o ocultismo são mais intensos e mais bem desenvolvidos no livro.

Outra diferença bem importante é o fator geográfico. Enquanto no filme a narrativa é deslocada para o sul dos EUA, no livro toda a trama se passa em Nova York. Os rituais de magia negra, por exemplo, com a galera dançando e cortando garganta de galinha não ocorrem num vilarejo afastado, mas sim numas quebradas do Central Park (provavelmente perto da velha dos pombos do Esqueceram de Mim 2).

O livro tem lá seus problemas, como a falta de sutileza do autor ao levar o detetive a se encontrar com o cliente num endereço de número 666 ou no humor involuntário ao fazê-lo se disfarçar de limpador de janela, como se aquilo fosse uma esquete dos Trapalhões. Por outro lado, há grande esmero na ambientação (o livro foi escrito nos anos 70, mas a história se passa nos anos 50) e o Hjortsberg chegou a pesquisar como o estava exatamente o clima em NY nos dias em que a história se passa, inserindo neve, chuva, etc.

Creio que o grande trunfo de Coração Satânico é mesmo a mistura perfeita de gêneros. Conseguir inserir esses elementos do terror no meio de uma investigação é algo que torna o livro tão viciante quanto assustador.

 

Coração Satânico

Autor: William Hjortsberg

Páginas: 320 (capa dura)

Tradução: Carla Madeira

Editora: DarkSide Books

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