O primeiro Final Fantasy que joguei foi o 7, no saudoso PlayStation. De lá pra cá, essa se tornou minha franquia favorita de RPG japonês. Mesmo que os últimos jogos não tenham me agradado muito, bastou assistir alguns vídeos de Final Fantasy XV que minha ansiedade já foi lá no alto (mesmo eu tendo prometido que nunca mais ia me empolgar com um jogo da franquia). E depois de fazer quase tudo que tem pra fazer neste 15º episódio, a sensação que eu fiquei é que, apesar de ser muito bom, Final Fantasy XV acaba entrando na lista de jogos lançados inacabados. Pelo menos no quesito história, exatamente como aconteceu com Metal Gear Solid V. E isso é um pecado para uma franquia que já teve momentos épicos como a transformação de Cecil em White Knight em FFIV, a ascensão de Kefka em FFVI ou a morte da Aeris em FFVII.

O game começa com uma cena dos quatro protagonistas (Noctis, Gladiolus, Ignis e Prompto) enfrentando um demônio de fogo em uma cidade devastada, numa tentativa de nos deixar curiosos para saber como as coisas chegaram àquele ponto. Mas a cena é tão curta que acabamos até esquecendo que ela estava ali. O início de verdade mostra o príncipe Noctis e seus amigos deixando a cidade de Insomnia, no reino de Lucis, rumo à Altissia, onde ele deverá se casar com a oráculo Lunafreya, em um acordo de paz que promete acabar com a guerra entre o reino de Lucis e o Império de Niflheim. O problema é que toda essa história da guerra e do acordo de paz só fica realmente clara para aqueles que assistiram ao filme Kingsglaive. No jogo as informações acabam sendo muito escassas e é difícil criar uma conexão emocional com todos aqueles personagens. Mesmo assistindo ao filme eu ainda senti falta de mais explicações enquanto jogava.

Quando finalmente assumimos o controle dos personagens, a história desse universo fica ainda mais estranha. Com o sucesso dos RPGs ocidentais e seus mundos abertos e as críticas à linearidade exagerada de Final Fantasy XIII, a Square Enix se viu na obrigação de criar um mundo aberto para o novo jogo e enchê-lo de missões paralelas. Infelizmente, a maioria dessas missões são bobas e não acrescentam em nada à história do jogo, que já é apresentada de forma rasa. Algumas inclusive não fazem sentido algum quando paramos para pensar naquele universo. Noctis é o príncipe de Lucis e todos sabem que ele irá se casar para manter a paz com o Império, porém em todos os lugares que passamos existem pessoas pedindo favores ao grupo como se eles fossem simples caçadores. Ele é o herdeiro do trono e ninguém o trata como realeza. Por mais que o jogo tente nos convencer de que eles estão viajando escondidos, é difícil acreditar nisso quando todos conhecem o rosto do príncipe e o grupo ainda utiliza o carro do rei Regis para a viagem.


Enfim, depois de algumas poucas horas de jogo acontece o evento que tem como objetivo fazer a história engrenar de verdade: Insomnia é atacada pelo Império de Niflheim e o rei Regis está morto. Mas apenas pequenos trechos disso são mostrados no jogo, todo o ataque acontece no filme. Se você não assistiu, fica difícil sentir toda a raiva de Noctis quando recebe a notícia. E o pior é que, depois do choque inicial, parece que o próprio Noctis nem está ligando muito para o que aconteceu, já que a viagem prossegue com os amigos fazendo piadas e tudo mais. O Império, que deveria ser odiado pelo jogador, praticamente não aparece. Personagens que aparecem junto com o imperador Iedolas e parecem ter grande importância simplesmente desaparecem da história sem dizer a que vieram. Já outros até possuem viradas interessantes na história, porém, mais uma vez só quem viu o filme vai se importar de verdade. Em certos momentos fica evidente que várias cenas foram cortadas da versão final do jogo, algo que pode ser comprovado com uma rápida busca no Google.

Final Fantasy XV sofre demais com a falta de carisma dos personagens. O tempo todo o jogo tenta atirar na nossa cara que aqueles quatro sujeitos são melhores amigos e que devemos nos importar com eles. Mas é difícil fazer isso quando não existem muitos diálogos que mostrem essa amizade, nós simplesmente aceitamos porque o jogo nos diz que é isso e pronto. Quando algum personagem importante morre nós simplesmente não ligamos porque a importância dele foi apenas contada por alguém, nunca mostrada de fato na tela. Até mesmo a personagem que serve de logotipo para o game aparece muito pouco. Neste jogo a Square Enix vai contra uma das principais regras da narrativa: mostre, não conte. O próprio amor entre Noctis e Lunafreya não é mostrado, já que existem poucas cenas entre os dois personagens até certo ponto do jogo. Uma das passagens mais importantes na jornada do Noctis chega ao cúmulo de não ser mostrada e nem contada, deixando um vazio gigante entre o ponto A e o ponto B dessa jornada.

Isso é o máximo de interação entre Noctis e Lunafreya

O pior é que existem várias quests que só abrem após terminar o jogo e que, pelas falas dos personagens, serviriam perfeitamente para enriquecer a história principal. Não dá para entender essa decisão de deixá-las apenas para o pós-jogo. A história dá uma leve melhorada quando o jogo abandona o mundo aberto e fica um pouco mais linear, provando que a Square Enix ficou meio perdida ao tentar copiar os RPGs ocidentais. E todos esses problemas de narrativa acabam prejudicando diretamente o grande final da história, que tinha tudo para ser uma das melhores da franquia. O final é coerente com tudo que o jogo tenta passar (mesmo que de maneira desajeitada), mas depende de uma forte conexão emocional com os personagens para funcionar de verdade. Inclusive, perto do fim o jogo mostra mais uma vez depender demais do filme para funcionar, ao mostrar o cadáver de um personagem importante do longa metragem. Para quem não assistiu, a presença dele ali no jogo é algo sem importância alguma.

Apesar de todos esses problemas na narrativa Final Fantasy XV está longe de ser um jogo ruim. O sistema de combate do jogo é divertido o suficiente para nos manter jogando por horas e horas seguidas. As lutas são simples, bastando apertar um botão para Noctis realizar os ataques. O que deixa tudo mais interessante são as trocas de armas e teleportes do personagem. Ele pode equipar até quatro armas de qualquer tipo e a troca entre elas no meio do combate é feita através das setas no direcional digital. Saber em que momento trocar de arma é essencial em alguns combates, já que armas grandes causam bastante dano, mas são muito lentas, enquanto armas menores dão uma agilidade maior para Noctis em detrimento do dano elevado. Além disso, a maioria dos cenários possuem locais altos para os quais Noctis pode se teleportar, permitindo que ele recupere HP e MP, além de causar um dano maior fazendo um teleporte de ataque. Os outros personagens também possuem ataques especiais que são ativados pelo jogador e sempre funcionam em conjunto com Noctis.

Infelizmente, mesmo sendo bastante divertido, o sistema de combate não está livre de falhas. Lutas em algum lugar cheio de árvores são um caos completo porque é praticamente impossível enxergar onde os personagens e os inimigos estão. O mesmo acontece em várias dungeons do jogo, onde monstros muito grandes aparecem justamente nos corredores mais apertados. Claro que um monstro grande em um pequeno local serve para aumentar a dificuldade do combate, mas o problema é que a dificuldade acaba aumentando pelo fato de não conseguirmos enxergar e não porque o inimigo é realmente difícil. É um erro grave de design de ambiente. Até os tão alardeados combates contra inimigos gigantes acabam sendo frustrantes, já que a câmera está sempre próxima de Noctis, sem abrir para mostrar todo o ambiente. Então, contra um gigante o máximo que conseguimos ver dele é o pedaço que o jogador estiver atacando, acabando com grande parte da graça dessa experiência.


Falando em experiência, o sistema de subida de nível em Final Fantasy XV ficou muito bom e estratégico. Diferente de outros jogos da série, os personagens não sobem de nível assim que terminam uma batalha, isso acontece apenas quando eles dormem em algum lugar. Assim, ao final de cada combate eles vão acumulando XP até que o jogador escolha onde vai dormir, sendo que o local escolhido faz toda a diferença. Existem lugares que a utilização desse XP é normal, enquanto alguns acampamentos multiplicam o valor por 1,5 e alguns hotéis chegam a dobrar ou triplicar essa experiência. Dessa forma, o jogador escolhe quando e como quer subir de nível, de acordo com a sua necessidade no momento. Eu cheguei a subir 15 níveis de uma só vez acumulando XP e utilizando no hotel que triplica o valor.

Já o sistema de magia, com a possibilidade do jogador poder criar seus próprios feitiços, ficou aquém do esperado. As magias são criadas a partir de três elementos básicos (fogo, gelo e trovão), que podem ser misturados entre si e também com outros itens. Testei várias combinações diferentes e o visual delas mudava bem pouco, então acabei não utilizando muito as magias durante o jogo. Sem contar que elas atingem toda a área em que são lançadas, inclusive os aliados. Levando em conta que os personagens estão sempre perto dos inimigos para atacar, não vale muito a pena se arriscar com magias. Aqui faltou uma opção de dar comandos para os outros membros do grupo se afastarem quando fosse necessário. Já os clássicos summons (aqui chamados de Hydraeans) ficaram bem decepcionantes. As animações das invocações são bem bonitas e empolgantes, mas infelizmente o jogador não pode utilizar a qualquer momento. Elas são aleatórias e não parecem ter um padrão muito bem definido, já que às vezes aparecem em combates muito difíceis e às vezes em combates fáceis demais. Além disso, o Hydraean que mais aparece é o Ramuh, que todo mundo já está cansado de ver nos trailers. Com um pouco de sorte, a gente até consegue ver a Shiva algumas vezes.

A bela Altissia: é uma pena que quase não possa ser explorada

Graficamente o jogo está muito bem acabado e possui cenários belíssimos, tanto no mundo aberto quando no interior das dungeons. Aliás, as dungeons são realmente o ponto alto aqui, praticamente todas são bem diferentes entre si, possuindo seus próprios monstros e puzzles, além de visuais muito bonitos. A maioria possui até mesmo mais de um caminho a ser seguido. Já no quesito cidades, Altissia está entre as mais bonitas de toda a franquia e aqui mais uma vez é impossível não se decepcionar com a narrativa do game. Apenas uma pequena parte da cidade é aberta para exploração e, além de seguir com a missão principal, existe quase nada para se fazer nela. Nós passamos mais tempo em Lestallum, que parece apenas uma cidade como qualquer outra no mundo real, do que na belíssima Altissia.

Outra cidade que parece ser muito bonita, porém mal aproveitada, é Tenebrae, cidade natal de Lunafreya e, em teoria, muito importante para a história. No capítulo em que ela aparece, nós podemos chegar apenas até a entrada e ver seus belos castelos no fundo do cenário, mas simplesmente não podemos entrar nela. Inclusive, uma revelação importante da história é feita a Noctis por uma senhora que fica na entrada da cidade e que, a julgar pela cena de flashback mostrada, nem teria como saber do diálogo que ocorreu. Parece até que não conseguiram pensar em uma maneira melhor de Noctis ficar sabendo de certos eventos.

Tenebrae: como eu gostaria de ter visitado essa cidade

Final Fantasy XV é aquele tipo de jogo capaz de divertir durante semanas (mesmo tendo finalizado, eu continuo jogando), mas que o tempo todo parece te lembrar que ele poderia ter sido bem melhor. A história toda mal contada e dependente demais do filme atrapalha a imersão completa do jogador. E não adianta dizer que ele foi planejado como um projeto multimídia, já que cada obra deve funcionar sozinha, com o resto dos produtos servindo apenas para quem deseja se aprofundar ainda mais. O próprio filme Kingsglaive, apesar de ser um prelúdio do jogo, funciona até bem sozinho. Claro que a Square Enix deve passar os próximos meses lançando DLCs que tapem os muitos buracos na história do jogo, mas isso não vai mudar o fato de que, no dia do lançamento, Final Fantasy XV estava incompleto. E isso é realmente uma pena para o game que tinha o potencial de ser a melhor história da franquia.

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