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“Não há justiça em seguir leis injustas. É hora de vir à luz e, na grande tradição da Desobediência Civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública. Precisamos levar informação onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-la com o mundo. Precisamos levar material que está protegido por direitos autorais e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bancos de dados secretos e colocá-los na Web. Precisamos baixar revistas científicas e subi-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerilla Open Access. Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado”.

(Aaron Swartz, em Guerilla Open Access Manifesto)

Raramente gasto algum tempo refletindo ao saber da morte de algum famoso. Morreu, é mais um, espero que tenha vivido bem e deixado suas pegadas pelo mundo. A diferença é que era famoso e continuará vivo de alguma forma. Parte disso é que ainda tenho 26 anos e as pessoas famosas que considero importantes ainda estão vivas e provavelmente continuarão assim pelo menos mais de uma década, e a outra é que encaro a morte como parte intrínseca da vida.

Deixei toda essa conversa de lado quando soube do suicídio do Aaron Swartz. Saber que ele morreu me afetou de verdade, de forma similar a encarar uma deprê pesada e ver que as coisas às vezes se comportam de forma menos otimista do que penso.

Aaron foi um cofundador “não oficial” do Reddit – um dos fóruns mais importantes do mundo, junto com o 4Chan – e com 14 anos foi um dos criadores do padrão RSS. Ganhou uma grana quando a editora Condé Nast – uma das maiores publishers de revistas do planeta – comprou o Reddit e usou o dinheiro para combater na frente de batalha mais importante para ele: a liberdade de informação. Escolheu ser militante ao invés de bilionário, poderia ter usado sua genialidade para criar uma startup e encher os bolsos no Vale do Silício, mas seu negócio não era dinheiro.

Aos 17 anos colaborou com a WikiPédia na elaboração de estudos que identificassem o perfil dos principais escritores do site. Lutou contra o SOPA após fundar a organização DemandProgress.org e criou plataformas gratuitas e simples de criação colaborativa, como o Watchdog, além de ajudar na criação da plataforma Open Library. Depois criou o Guerilla Open Access, com o objetivo de tirar a morosidade dos cientistas, que não lutavam pelo livre acesso aos resultados de suas pesquisas – a maioria dos bancos de pesquisas acadêmicas cobram acesso, o JSTOR cobra US$ 19, por exemplo.

Em uma das entrevistas sobre seu projeto contra o copyright científico, Swartz disse uma das frases mais motivadoras e abrangentes que já li/ouvi: “Eu acredito que você deve sempre estar questionando. Eu levo muito a sério essa atitude científica de que tudo que você aprende é provisório, tudo é aberto ao questionamento e à refutação. O mesmo se aplica à sociedade”.

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Utilizou um computador do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) e baixou milhões de trabalhos científicos protegidos dos sistemas do JSTOR, um sistema online e pago que arquiva artigos científicos. Nunca se soube o que ele pretendia fazer com os arquivos, baixados de forma completamente legal, mas é possível que todos eles fosse compartilhados posteriormente. Fez o que acreditava ser o certo, e o mundo desabou nas suas costas. Nem o MIT e nem o próprio JSTOR mantiveram o processo contra Swartz, mas o governo resolveu usar o caso como exemplo e abriu um processo público – que logo se transformou em 13 processos, incluindo coisas como “fraude eletrônica” e “invasão de sistemas protegidos” – contra ele: o hacker poderia ser condenado a 35 anos de prisão e pagar uma multa de US$ 1 milhão (primeiro pediram uma multa de US$ 1 bilhão), algo sem precedentes e com ares abusivos.

Swartz nunca cometeu qualquer infração, mesmo se levarmos em conta que quebra de direitos autorais são uma violação da lei. Os arquivos jamais foram compartilhados e o sistema utilizado para baixar os arquivos era legal. Dessa forma, os promotores foram obrigados a distorcer a lei, e a dizer que o MIT foi prejudicado pelo “uso massivo do equipamento eletrônico do campus” e o JSTOR foi prejudicado “pela lentidão do seu sistema resultado do download em larga escala” perpretado por Swartz.

No Guardian, o jornalista Glenn Greenwald afirmou que Swartz “foi destruído por um sistema de ‘justiça’ que dá proteção integral aos criminosos mais ilustres — desde que sejam integrantes dos grupos mais poderosos do país, ou úteis para estes –, mas que pune sem piedade e com dureza incomparável que não tem poder e, em especial, quem desafia o poder” [LINK].

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Familiares e amigos que conviveram com Aaron afirmam que o processo sem dúvida contribuiu para o suicídio. Creio que não foi motivada por nenhuma forma de medo de ser preso, mas sim por desilusão: ver que por mais que se lute, o mundo piora. Ver o governo que você ajuda a sustentar cair em cima de você como cães famintos por um conjunto de informações que deveria ser pública com sua leitura incentivada em qualquer lugar do planeta com o mínimo de compromisso com o progresso, deve ser por demais desanimador.

Desde 2007 Aaron lutava contra a depressão. A acusação pública e a possibilidade de se ver privado de sua liberdade deve tê-lo empurrado ainda mais rumo a um estado sem volta. Do outro lado, Washington parece mirar a caça aos hackers como uma forma de desviar a atenção do fato de que os sistemas de segurança digital do país serem ridiculamente inseguros. Impor penas duríssimas após processos kafkianos – como o de Bradley Manning – parece ser a estratégia de um maquinário estatal que não consegue evoluir e nem garantir a segurança de seus próprios domínios. Parece um sinal da verdade afirmada pelo anarquista Bob Black: “A Guerra é um símbolo da saúde de um Estado”. Um Estado sem um inimigo claro a ser combatido parece não consegue pilhar uma população, não consegue tornar 1% de seus habitantes bilionários, e deixar o restante vivendo em um limbo existencial e com medo do futuro.

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Aaron foi escolhido como um desses inimigos. Uma mente genial, questionadora e pronta a cair de cabeça em batalhas pessoais gigantescas em nome do bem público e da liberdade de informação. A morte dele parece que não será em vão: o JSTOR já disponibilizou uma pequena parte de seu acervo publicamente e é provável que outros bancos acadêmicos façam o mesmo. A deputada Zoe Lofgren, da Califórnia, postou no Reddit um projeto de lei que leva o nome de Swartz, e prevê que atos como o do hacker sejam livres do que Lofgren chamou de “abuso de poder”. Unidos, esses dois fatos parecem ser o sinal da chegada de novos ares.

É difícil não ficar mal com tamanha covardia de uma instituição que deveria defender seu povo e prefere lutar somente pelos mais ricos. Por isso, Aaron Swartz foi o primeiro militante a morrer que me levou a realmente ver o mundo de uma nova forma.

Aaron Swartz foi encontrado morto em seu apartamento, em Nova York, no dia 11 de janeiro. Ele tinha 26 anos. A causa da morte foi enforcamento.

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