Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) é o novo filme do diretor Luc Besson e definitivamente tem alguns problemas. A questão é que dificilmente Valerian vá produzir discordância entre os críticos, ou mesmo entre os espectadores, já que as derrapadas são tão gritantemente “juvenis” que tornam o filme um tanto quanto adorável em sua ingenuidade. Tratando-se de Luc Besson, não havia como ter uma expectativa baixa em relação ao filme. Mesmo quando os teasers, trailers e as fotos promocionais já indicavam certa cafonice. Em termos de ficção científica, uma cafonice sempre cai bem.

O nome de Besson já está bem enraizado no cinema como instituição. O Quinto Elemento (1997), O Profissional (1994), Nikita: Nascida para Matar (1990) e Joana D’Arc (1999) são filmes que nem todos nós vimos nos cinemas, mas que marcaram nossa adolescência. Fizeram parte de uma época na qual se era muito comum assistir ao mesmo filme inúmeras vezes através da programação da televisão aberta ou então alugando as mesmas fitas inúmeras vezes na locadora. Em geral, são filmes recheados de boas ideias narrativas, bons thrillers de ação, com o desenvolvimento de uma ou mais sequências meio toscas e sempre contando com uma direção de arte linda e inesquecível. Até mesmo o mais recente Lucy (2014), que não agradou muita gente por aí, é correto, no sentido que entrega o suficiente.

Valerian foi o primeiro filme de Besson que muitos de nós estamos podendo ver no cinema e o resultado para muitos, tem sido uma sensação bastante agridoce em relação ao que é assistido. A película tem “muito de muitas coisas” que gostamos. Sendo referência direta ou apenas acidental, podemos ver na tela algo que nos remete a A lenda de Zelda: A Ocarina do Tempo (1998), Perdidos no espaço (1998), O Vingador do Futuro (1990), Avatar (2009), Guerra nas Estrelas (1977), Homens de Preto (1997), e até mesmo o próprio OQuinto Elemento faz suas vezes como influência. Se há algo a ser valorizado nessa salada é o fato de que Valerian consegue evitar o plágio em relação a quase todas essas homenagens ou inspirações.

Entretanto, a existência de Avatar torna-se um grande problema para a justificativa da existência de Valerian. O enredo tem como pano de fundo a história dessa espécie alienígena de pescadores denominada Pearls que acaba supostamente sendo extinta após ter seu planeta natal destruído em meio a uma guerra entre humanos e outro povo alienígena. Ao longo do filme os Pearls demonstram-se como uma sociedade intimamente conectada com a flora e fauna de seu planeta original, retomando a recauchutada ideia de que todos os seres vivos fazem parte de um ciclo vital interconectado que afeta e envolve todos os seres vivos. Já os humanos no filme são representados pela “Cidade dos mil planetas”, uma base espacial chamada Alpha, que com o passar dos anos transformou-se em um porto espacial. Com o aumento do fluxo de civilizações interestelares passando pela base, Alpha tornou-se um planeta autônomo, regulado principalmente por humanos e que no geral funciona como uma zona de refugiados. Nesse ponto, vale ressaltar o interesse de Besson em tratar, mesmo ficcionalmente, algo tão caro a nosso momento político que é a questão do refúgio.

Alpha representa um modo de vida totalmente artificial, militarizado e burocratilizado que impõe aos seres vivos uma série de hierarquias e estratificações sociais relacionadas às especialidades de cada povo — uma espécie de Torre de Babel interstelar. Todo esse eixo narrativo envolvendo um povo tribal e pacífico, sendo afetado pela guerra e destruição produzida por humanos já esteve presente em diversos filmes e com absoluta certeza não desaparecerá das telas tão cedo. O problema para Valerian está em se aproximar demais de Avatar na escolha de seus tropos. Por exemplo, os Pearlsdefinitivamente parecem uma espécie aparentada dos Na’vi de James Cameron.

Mas, justiça seja feita, o próprio Besson não teve problema algum em assumir que o filme de Cameron foi uma influência para o novo longa, o que nos leva à outra argumentação: se considerarmos o filme Valerian em seus três atos, temos que avaliá-lo não exatamente como filme apenas de ficção científica, mas principalmente como uma película de aventura infanto-juvenil. Um possível público alvo de 12 e 13 anos tinham apenas quatro anos de idade quando o filme Avatar foi lançado em 2009. Será que o premiado filme de Cameron pode ser considerado uma referência presente na cabeça do público alvo de Valerian? Ou será que 2009 é de fato muito distante de 2017, fazendo com que a referência à Avatar, seja justificada por ser muito mais uma homenagem à um clássico do passado, do que um quase plágio desnecessário.

Valerian é um filme imaginariamente atrativo e isso já está presente na impecável cena de abertura. Assistimos à apresentação da história da base Alpha através de uma série de encontros proporcionados pelo avanço das viagens espaciais. Inicialmente vemos os norte-americanos abrindo suas portas estelares para receber astronautas de diversos países diferentes, dentre eles Rússia e países asiáticos. Após alguns anos, a base passa a recepcionar espécies alienígenas e com isso vemos que as interações político-cerimoniais foram se moldando. As interações políticas no início variavam entre apertos de mão, abraços e cumprimentos tradicionais, que com o tempo e crescimento da base passam a ser institucionalizadas apenas pelo aperto de mão à moda norte-americana. É uma metáfora interessantíssima de como a institucionalização das relações sociais tendem a apagar os rastros afetivos originários das tradições. Tudo isso ao som de Space Oddity de David Bowie no fundo faz com que seja uma cena bastante potente, ao mesmo tempo em que a isola do restante do filme. Não por acaso que o enredo comete o ato-falho de nos contar essa mesma história mais a frente no roteiro, mostrando que mesmo “internamente” o prólogo foi isolado, não sendo apenas uma impressão do espectador.

Assim, o filme desponta com este prólogo e desbanca em um bom ato introdutório no qual os investigadores especiais do governo humano Valerian e Laureline precisam recuperar certo item de um traficante de cargas roubadas. O estabelecimento narrativo do universo diegético é feito com muito primor, conseguindo transmitir ao espectador o funcionamento social, político e científico que acarretaram nos obstáculos a serem vencidos no desenvolver da sequência. A ideia de que o mercado funcione em outra dimensão e que os agentes tenham que realizar a operação em duas realidades simultâneas é bastante criativo, convencendo e proporcionando a imersão necessária para um filme de ficção científica.

Em geral o aspecto criativo do filme é seu ponto alto, o que produz uma tensão bastante interessante em relação às “homenagens” prestadas por ele. Entretanto, a criatividade não segurou à profusão de repetições narrativas. Há diversos momentos de recapitulação da história totalmente prescindíveis, pois convenhamos, a história contata aqui não é muito complexa. Talvez o problema de Valerian tenha sido exatamente “desejar ser complexo”.

Algo que se tornou bastante desconfortável ao longo do filme foi a tentativa de politizar a personagem Laureline interpretada por Cara Delevingne. Enquanto roteirista, Besson pareceu buscar ajustar-se às novas modalidades discursivas e narrativas que ganham peso no mainstream hollywoodiano, depois dos recentes acertos de filmes como, por exemplo, Mad Max: Estrada da Fúria (2015) e O Despertar da Força (2015), em relação à representatividade feminina em papeis desvinculados do desinteressantíssimo tropo da “donzela em apuros”. Mas, Besson faz isso embaraçosamente mal, levando-o a produzir essa espécie de “empoderamento” às avessas, no qual as formas que Laurenine encontra de tomar as rédeas das situações ao seu redor, convenientemente enquadram-se no desejo dos homens que fazem parte de seu cenário.

Sua liberdade de vestir um biquíni durante as missões, somada a sua confiança de uma suposta satisfação com seu próprio corpo (de Angel da Victoria Secrets), encaixam-se muito bem com o desejo da câmera de Besson sedenta pela pele da garota — que não vem de hoje. Para contrabalancear, há no roteiro diversas falas da personagem que buscam posicioná-la como insubmissa ao machismo blasé de seu companheiro. Mas, o filme não engana e pinta Laureline como a voz da emoção feminina, em oposição à voz da razão masculina de Valerian. Assim, a personagem de Delevingne é uma garota que sabe gritar, mas sem conseguir articular-se neste universo de maneira que a possibilite recusar os vestidos espalhafatosos que a obrigam vestir.

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é um filme que vale a pena ser assistido, mas está consideravelmente abaixo não só de seus contemporâneos, como também em relação às obras de seu diretor Luc Besson. Há grandes chances de tornar-se uma película completamente esquecível por isso, o que é obviamente uma decepção para Besson, assim como para muitos de nós que tinham grandes expectativas sobre esta produção. O filme como um todo não é descartável, mas exige demasiado esforço para que o espectador desconsidere coisas demais para ser mais que agradável.

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas

Direção: Luc Besson

Duração: 2h 17min

Elenco:  Dane DeHaanCara DelevingneClive Owen.

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