O personagem Zé do Caixão é uma figura que me cativou durante minha infância durante os 1990. Com certa frequência titubeante, José Mojica Marins aparecia na televisão, representando uma espécie confusa de personagem. Depois de alguns anos convivendo com fascínio pela imagem pitoresca de uma personagem que para mim era apenas mais um dentre os outros existentes no folclore televisivo brasileiro, pude ter algum tipo de discernimento sobre sua presença. Em determinado momento de minha relação com essa figura, pude entender que o cara por de trás do personagem Zé do Caixão era um cineasta de filmes de terror, que não sei por qual razão me eram transmitidos como porcarias de um sujeito grotesco. De certa maneira, acredito que a mídia brasileira ao longo dos anos 1990 e 2000 de maneira não necessariamente direta, retratavam o cineasta Mojica, como uma figura patética, mal-fantasiada de bicho-papão que buscava alçar algum tipo de fama pessoal. O retrato de tal impressão pode ser resumido no fascínio sensacionalista que os entrevistadores e apresentadores tinham por suas unhas, muitas vezes tornando esta fetichização pelo estranho em chacota.

Pôsteres

Demorei mais alguns anos para conceber que o personagem Zé do Caixão era originalmente o protagonista de uma série de filmes de terror realizados pelo cineasta José Mojica Marins. Isto é que tal personagem havia conquistado um espaço no imaginário popular brasileiro, a ponto de tornar-se uma tarefa demasiadamente complexa separar José de Zé – no mínimo para aqueles o acessaram através deste véu banhado por um fetiche pelo bizarro. Aposto que as pessoas mais próximas do Mojica, ou aquelas que são mais próximas do Zé do Caixão (estudiosos do cinema de terror brasileiros, por exemplo) conseguem com menos dificuldade explorar esta distinção. Foi somente após uma longa fase assistindo filmes americanos de terror, seguida de outra na qual estive bastante ligado nas produções italianas de horror dos anos 1970 e 1980, que entrei em contato com os primeiros filmes de Mojica, À Meia-noite Levarei Sua Alma (1964) e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Quem supera a primeira resistência frente às obras do Mojica, encontra nestas películas algo de muita potência estética e até mesmo narrativa.

Assim sendo, chegamos ao relançamento de Zé do Caixão – Maldito, a Biografia pela editora Darkside Books. A investida da editora conta com um timing milimétrico, pois o livro foi lançado para bater com a série do canal Space que foi ao ar em 13 de novembro de 2015 e também porque no último dia 13 de março de 2016, Mojica completou 80 anos de vida (ele que nasceu em uma sexta-feira 13). É a Darkside está detonando no mercado com lançamentos e relançamentos em edições caprichadíssimas.

Maldito, a Biografia é uma edição de luxo que trás o texto originalmente publicado em 1998, escrito por André Barcinski e Ivan Finotti. A nova edição possui 200 páginas a mais que a anterior, completando a biografia com fotos, filmografia e comentários, totalizando 666 páginas. O livro em Limited Edition, conta com capa dura e acabamento especial – lindona!

A edição enviada para nós conta ainda com um marcador de páginas em forma de caixão (vide as imagens no artigo). Em 1998 a publicação da obra estava nas mãos da Editora 34, porém a edição agora lançada pela Darkside transforma a biografia em um item charmoso e imperdível.

Ler Zé do Caixão – Maldito, a Biografia foi surpreendente. O leitor depara-se com uma série de representações e imagens do cotidiano paulista dos anos 1950, 60, 70 e 80. De maneira bastante fluida, a narrativa conta a história de José Mojica com uma forte construção do momento histórico em que determinados eventos foram acontecendo. Porém, apesar de ser um efeito sentido com bastante vivacidade pelo leitor, os recursos estilísticos para tanto não são tão óbvios. Não se trata de uma biografia que ao narrar a vida de Mojica nos anos 1960, faça preâmbulos ou contextualizações da situação política e social, nem mesmo realiza digressões que localizem os eventos narrados em um panorama histórico mais geral. A leitura nos oferece a posição de testemunha dos acontecimentos. Sentimo-nos como um espectador na cozinha do Cine Santo Estevão, ou mesmo como um dos alunos da Companhia Cinematográfica Atlas (localizada em um galinheiro), e até como um dos membros da equipe técnica do estúdio montado na Sinagoga.

Na leitura, José Mojica Marins é aos poucos transformado em um personagem da história da cidade de São Paulo, tão interessante quanto sua criação – Zé do Caixão (ou Coffin Joe, como ele é chamado no exterior). A imigração espanhola como pano de fundo de suas primeiras amizades, as malandragens na fundação da escola de cinema da Freguesia do Ó (Industria Cinematográfica Apolo Ltda.), o transito entre duas esposas e duas famílias, a ausência de recursos financeiros e sua respectiva substituição pela inventividade – são factoides exemplares da construção feita pelo livro. Encontramos em Mojica um personagem que vai muito além do já batido “complexo de vira-lata”, trás uma face da vida paulista, que dificilmente é possível de se ver representado com tanto esmero, que o localiza o cineasta do Brás entre algo como os rotulados “malandro carioca” e “retirante nordestino”.

A localização de Mojica como um personagem de sua própria história é essencial, já que expõe a problemática entre ficção e realidade, tão viva e presente na confecção e manutenção da figura de Zé do Caixão no imaginário popular. Tal configuração me possibilitou reconhecer em Mojica algo anterior ao Zé do Caixão – isso não é pouca coisa. Obviamente existia um Mojica antes do Zé, mas o que no Zé era fundamentalmente mojiquiano não é algo de tão fácil acesso para aqueles que não optam pela leitura desta biografia. Assim sendo, Zé do Caixão ganha todo o peso de uma verdade que se expressa por meio da ficção. A eugenia presente em suas primeiras películas, isto é, a obsessão que o coveiro tem por sua própria superioridade e por sua prole, faz de Zé uma representação sui generis do paulista. Não necessariamente daqueles que nascem na capital, mas de certa identidade, ou até mesmo de uma ideologia produtora de um sentimento de pertencimento para aqueles que convivem no dia-a-dia da metrópole.

Trabalhar em uma fábrica de fósforo e se apresentar como cineasta por aí; vender ingressos, ou mesmo cotas para filmes que ainda não haviam saído de sua cabeça; transformar galinheiro em estúdio de cinema; construir cenário de floresta com árvore roubadas do largo do Arouche; ter de vender seu primeiro filme e primeiro sucesso para pagar as dívidas; descaradamente tirar e colocar pessoas em papeis de destaque nas películas dependendo de suas vontades e necessidades; e até mesmo a cartolina dentro da câmera cinematográfica como “técnica cinematográfica” são factoides, ou até mesmo ficções sobre o cineasta Mojica que delineiam para o leitor este novo personagem.

[quote_box_center]Veja também:

Vídeocast do Pipoca Musical sobre MALDITO 

Exposição “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”[/quote_box_center]


Se realidade e ficção confundem-se na vida de José/Zé, a biografia aponta para o leitor qual o eixo narrativo no qual circula e se entrelaçam os semblantes desta figura histórica. Tanto no cineasta quanto no coveiro encontramos uma ressonância comum, que em termos de experiência de leitura produz uma espécie de sentido. A história de José Mojica Marins começou a fazer sentido para mim. A figura folclórica e pictórica de um Zé do Caixão de programas de auditório é solapada e substituída pela “quentinha com cachaça” do jovem Mojica em seu estúdio improvisado na Sinagoga do Brás. A biografia remonta para o leitor um pedaço importante da história do cinema paulista, brasileiro e principalmente do cinema de terror mundial.

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ze-do-caixao-maldito-darkside-books-capa-livro-caveira-04Zé do Caixão – Maldito, a Biografia

Autor: André Barcinski e Ivan Finotti

Editora: DarkSide Books (2015)

Páginas: 666 páginas

Especificações: capa dura (Limited Edition), 16 x 23 cm.

compraPreço de capa: R$ 99,90

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