Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Se não fosse pelo letreiro logo no começo do filme, informando que se trata de uma história real, eu ia achar que Até o Último Homem possui um roteiro muito mentiroso. Desmond Doss (interpretado por Andrew Garfield) se alistou no exército dos EUA para atuar como médico na Segunda Guerra Mundial, porém se recusava a usar qualquer tipo de arma, pois isso ia contra suas crenças religiosas. Mesmo assim, ele ainda conseguiu salvar 75 companheiros da morte certa nas mãos dos japoneses durante o que ficou conhecido como A Batalha de Okinawa. Não é de se espantar que Mel Gibson tenha se interessado em dirigir o filme, já que une duas coisas que ele adora: violência e religião. Apesar de ter a Segunda Guerra como pano de fundo, quem for assistir achando que vai ter combates sangrentos o tempo todo pode se decepcionar um pouco. A guerra mesmo só começa a aparecer no terceiro ato, com os dois primeiros focados em mostrar a vida pacata de Desmond Doss e como foi seu treinamento no exército. E aqui temos todos os clichês possíveis sobre esse tipo de herói: um trauma na infância, o pai severo, a garota por quem ele se apaixona à primeira vista e a mãe que apoia o filho em todas as decisões. De todos os relacionamentos do protagonista, o que fica pior trabalhado é justamente com a namorada. Quando ele conta que se alistou a garota fica extremamente irritada, mas dois segundos depois diz que quer casar com ele, mesmo sabendo que ele poderia nem voltar. A impressão é que a cena foi colocada ali apenas para mostrar que ele tinha o apoio incondicional de todas as pessoas que ele amava. Quando o filme passa a focar no treinamento do exército também não existem muitas novidades. Estão ali o sargento linha dura que faz questão de humilhar a todos, mas que no fundo a gente sabe que é gente boa. Tem também os caras do bem que não demoram a querer fazer amizade com Desmond. E claro que não pode faltar aquele cara que implica com o personagem a troco de nada, mas que depois vai ser tornar amigo dele. O pior é que o sujeito realmente implica com ele sem motivo, já que a raiva dele surge antes mesmo que Desmond anuncie sua convicção em não usar armas e nunca matar alguém. O importante aqui é simplesmente mostrar que ele passou por muitas provações na tentativa de manter sua fé intacta. E por falar em fé, a necessidade de tratar Desmond Doss como uma espécie de escolhido de Deus também é algo que incomoda bastante. Apesar do filme ser baseado em fatos reais, é difícil acreditar que, no meio de uma guerra, o cara nunca tenha passado por uma situação de vida ou morte. Em nenhum momento do filme vemos o personagem passar por um momento em que precisa matar ou morrer. Sempre que situações assim surgem, algum outro personagem faz o serviço por ele, como se Deus o estivesse protegendo. Tudo para que Doss nunca precise manchar sua consciência com sangue. Na tentativa de mostrar o personagem como o homem perfeito, Mel Gibson chega a ser incoerente com o modo como ele próprio retrata os japoneses durante todo o filme. Em determinada cena, Desmond trata os ferimentos de um soldado japonês, que aceita isso com certa facilidade, sem tentar matá-lo. Algo que simplesmente não combina com a selvageria com que os japoneses foram retratados até aquele momento. Para finalizar toda essa alegoria religiosa, Mel Gibson ainda nos apresenta uma cena extremamente cafona na qual Desmond é içado aos céus, tal qual um anjo de Deus. Se o fanatismo religioso de Gibson acaba interferindo em alguns momentos, pelo menos uma coisa é certa: ele sabe filmar cenas de guerra. O terceiro ato do filme é um deleite pros fanáticos por cenas violentas. Tem balas voando para todos os lados, granadas explodindo, membros sendo decepados e médicos correndo desesperados para atender todo mundo. Nas mãos de algum diretor menos experiente, isso tudo poderia se transformar em uma grande bagunça, mas felizmente Mel Gibson possui total domínio sobre a geografia das suas cenas, fazendo com que o espectador saiba exatamente onde está cada personagem. Ele ainda é hábil ao criar tensão quando a confusão inicial para e os soldados americanos começam a tentar atravessar as trincheiras inimigas. O ponto fraco aqui, como citei mais acima, é que o diretor trata os japoneses como um bando de selvagens que atacam sem nenhum tipo de estratégia. Eles parecem um bando de animais sedentos por sangue. Até o Último Homem possui ainda boas atuações de todo o seu elenco, principalmente de Hugo Weaving, que interpreta o pai de Desmond Doss. Veterano traumatizado da Primeira Guerra, ele rouba todas as cenas em que aparece. A sequência em que ele volta a usar o seu antigo uniforme do exército é uma das demonstrações de amor mais bonitas de todo o filme. Aliás, acho que ele merecia muito mais uma indicação ao Oscar do que o próprio Andrew Garfield, que possui uma boa atuação, mas nada de tão extraordinário. No final das contas, o maior problema de Até o Último Homem é ter a Segunda Guerra como plano de fundo, já que esse é um tema mais do que explorado em Hollywood e cheio de clichês que todos já conhecem. [quote_box_center]Até o Último Homem / Hacksaw Ridge (2016) Direção: Mel Gibson Duração: 2h 19m Elenco: Andrew Garfield, Sam Worthington, Luke Bracey, Roman Guerriero, Hugo Weaving, Teresa Palmer, Nathaniel Buzolic. [/quote_box_center]