“O Caos nunca morreu. Bloco intacto e primordial, único monstro digno de adoração, inerte e espontâneo, mais ultravioleta do que qualquer mitologia (como as sombras à Babilônia), a original e indiferenciada unidade-do-ser ainda resplandece, imperturbável como as flâmulas negras frenética e perpetuamente embriagada dos Assassinos.

O caos é anterior a todos os princípios de ordem e entropia, não é nem um deus nem uma larva, seus desejos primais englobam e definem todas coreografia possível, todos éteres e flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua própria ausência de rosto”.

Hakim Bey, em CAOS: Terrorismo Poético e Outros Crimes Exemplares

Quem olha para os lados nesse momento da nossa História enxerga pessoas se deteriorando. Junto com elas, todas as regras escritas e não escritas do nosso frágil jogo democrático. Os três poderes dançam numa navalha, conscientes que um movimento brusco pode terminar em destruição para todos — e quem perde é sempre o povo. O assunto do momento envolve a disputa presidencial, a mais fervente de nossa história moderna. De um lado Fernando Haddad, herdeiro do partido que chegou a ter um político com 89% de aprovação e logo depois foi dragado por uma lama constituída de gigantescos erros próprios e golpismo revanchista de uma casta de políticos que é apenas isso, um grupo político disforme pronto para abocanhar o que conseguir.

Do outro lado Jair Bolsonaro, um candidato que surgiu como bobo da corte, personagem principal das aparvalhadas coberturas políticas do CQC e surfou em uma onda anti-política (anti-petista, em seu núcleo) que, resumidamente, envolveu Jornadas de Junho, Lava-Jato, contra-informação via aplicativos de mensagens e rebelião legislativa, capitaneada pelo especialista Eduardo Cunha.

E chegamos a hoje: amigos triturados, comunicação cortada, sentimentos inflamados, crise jornalística, crimes eleitorais e um sentimento de que tudo pode piorar ainda mais — o candidato que lidera as pesquisas afirma não gostar de gays, fez declarações contra negros, contra a Justiça, imprensa, mulheres, defendeu a tortura e o “crime de extermínio” e já falou em “varrer” adversários políticos. Seu filho falou que “basta um soldado e um cabo para fechar o STF”. Mesmo para um país em que a barbárie é o normal, ele parece exceder todos os limites democráticos. Um possível sentimento de “o que farei agora?”.

Talvez seja o melhor momento para começar a praticar Magia.

Em sua forma mais básica, palpável e, digamos, científica, a Magia envolve uma forma ampliar a nossa Consciência. Essa afirmação ainda hoje soa boba para a maioria da população, que enxerga isso com todo o olhar preconceituoso surgido como resposta ao movimento psicodélico e hippie. Quem quer expandir a Consciência quer usar drogas o dia todo, só viver fazendo Arte, cantando e dançando pelado, segundo esse pensamento ultrapassado.

A expansão da Consciência no processo mágico envolve dar uma olhada no seu Inconsciente, onde sua porção instintiva é acionada, processada e influencia todas as suas decisões, muitas vezes sem você perceber. É tentar entender porque você fica nervoso quando te xingam de burro, mas não quando chamam de gordo. Porque você geralmente concorda com as ideias de esquerda, enquanto seu irmão tende para a direita. E coisas que você nem sabia que precisava aprender. E mais importante: saber quando usar esse conhecimento.

De uma forma básica, é tentar se conhecer de verdade. E aí entra a Magia.

A partir do momento que você se conhece, você busca entender o mundo, porque “Assim na Terra como no Céu”. Quando você mergulha nas profundezas da própria mente (o modelo mais básico de exercício envolve meditação visualização e concentração mental), você vê lá um modelo próprio do mundo e suas engrenagens.

Uma delas é a política.

Como diz Robert Anton Wilson em A Ascensão de Prometeu, política é o modelo mais básico de interação animal e resumidamente envolve estabelecer uma prioridade na hora da distribuição da comida do bando. Todo o resto é complexidade criada para camuflar essa verdade simples. Não deve ser por acaso que uma clássica teoria da conspiração afirma que uma raça de reptilianos domina nossa política — répteis são os animais de grande porte mais simples de entender.

Com a Consciência expandida e com as coisas que será capaz de trazer do Inconsciente, você entenderá (ou formulará para si próprio) conceitos que lhe ajudarão numa jornada tortuosa. Entenderá, por exemplo, como processos políticos são cíclicos — Bolsonaro (provavelmente) virá numa era pós-PT, Bush veio após um governo popular de Clinton, Trump pós-Obama, Nixon no pós-Lyndon Johson e por aí vai. Isso acontece porque políticos dificilmente conseguem pensar a longo prazo (répteis) e começam a se deliciar com o gosto do poder.

Como disse, política envolve nossos instintos mais básicos: muitas pessoas escolhem políticos por sua imagem de força, sua capacidade de falar, sua desenvoltura e por aí vai. Elas quase nunca chegam a de fato analisar as propostas dele. No Brasil, isso é ainda mais patente, por nosso sistema político-partidário ser carente de unidade — Bolsonaro é um grande exemplo, ao colonizar o PSL, anteriormente um partido liberal, que se tornou conservador. No fim, a campanha envolve um nome, a figura de um messias dono do sistema presidencialista, aquele que resolverá todos os nossos eternos problemas.

Como já disse em outros textos, Magia é uma ferramenta e fazer uso dela não te fará um ser humano iluminado. Mas espera-se que a contínua prática leve ao praticante a entender (ou formular uma teoria consistente) de como funciona o mundo. E a prática te leva a ter maior força mental.

Na reta final do século XX, a humanidade (ou o ser humano moderno comum: classe média, ocidental e secular, mas ainda recheado de preconceitos regionais e globais) se acostumou a ter todos os seus desejos cumpridos. Nossa ansiedade por comida se foi, nossa necessidade de socialização foi cumprida. Até nos deram drogas para turbinar momentos felizes e tristes. Mas aí vieram outros desejos, basicamente consumistas e supérfluos até duas décadas atrás.

É nessa luta rumo ao próximo passo consumista que nos encontramos, e estar mergulhado apenas nessa rotina fez com que nossa mente, psique e espírito se enfraquecessem. Com nossos desejos básicos atendidos, nos tornamos seres entediados, cujas vidas cada vez mais se resumem a amontoados de posts em redes sociais ou atividades para alimentá-los.

É essa a fraqueza que precisa ser combatida. Mesmo que a Magia sirva apenas como um hobby para preencher esse tédio entre uma série e outra do Netflix, você logo perceberá que não demorará para entender alguns dos limites (ou falta deles) da sua mente. E de como você consegue influenciar conscientemente sua sorte, sua capacidade de seduzir, de elaborar um bom argumento, de controlar sentimentos tirânicos como a raiva, o amor e a compaixão.

Magia dificilmente mudará o resultado das urnas (e aí você dirá que não sabemos o resultado e te responderei que essa é uma das belezas da Magia), mas após dois meses de exercícios mentais diários — o básico mesmo: visualização, concentração, meditação, lançamento de sigilos, banimentos — você perceberá a diferença sobre como suas emoções reagem quando um jogo do tipo político acontece ao seu redor.

Os efeitos de um possível governo Bolsonaro, se ele for o que anunciou ser, te encontrarão, mas como você reagirá a eles demonstrará o alcance da Magia.

Burning Man, um festival onde diversas regras sociais são suspensas

Existe também outro espectro onde a Magia encontra a política: o ativismo mágico. Se isso parece uma bobagem, perceba como essas eleições poderão ser ganhas com montes de mentiras. O Facebook desabilitou ao menos duas grandes redes de propagação de mentiras pró-Bolsonaro, bloqueou perfis no WhatsApp. Nada disso parece ter surtido efeito imediato na campanha do candidato. Vemos pessoas que se recusam a acreditar na verdade estampada diante de seus rostos: algumas delas desacreditaram um vídeo em que Bolsonaro aparece comentando que seu bisavó era soldado nazista e que estava certo em se alistar no exército alemão.

As ideias dessa eleição envolvem não propostas de governo, mas formas de fazer campanha e no que concentrar suas forças. A campanha de Bolsonaro (iniciada há, pelo menos, quatro anos) é uma desvirtuação máxima de técnicas de esquerda de Guerrilha da Informação.

Digo desvirtuação, porque a esquerda geralmente utiliza análises intrincadas para provar que a realidade é relativa, que a verdade pode ter versões alternativas e esses dois fatores podem ser combinados. A partir do momento que essa técnica se tornou mainstream, levou a esquerda (ou governos com alguma aproximação com a esquerda) ao poder em diversos países. Não por acaso, hoje a imprensa e líderes globais condenam Bolsonaro sem qualquer cerimônia. Até mesmo Marine Le Pen, a extrema direita da França.

É esse tipo de guerra cultural que a Esquerda ganhou e hoje enfrenta uma contra-onda subversiva onde suas próprias armas estão sendo usadas de forma ainda mais radical. Em vez de um estudo que demonstra como a estrutura familiar patriarcal está falida, temos uma avalanche gigantesca dos mais variados tipos de mentiras. Mamadeiras com formato de pênis, camisa com Jesus Travesti, uma história de que Haddad comemorou o ataque do 11 de Setembro, Foro de São Paulo, ameaça comunista e por aí vai. Não importa o quão absurdas são essas informações, repetidas para as pessoas certas, elas se tornam verdades. Ao ponto de jornais com décadas de atuação não conseguirem desmentir tais versões do real.

Peter Lamborn Wilson, o Hakim Bey

Bolsonaro não se contradiz apenas porque é burro, mas porque essa é sua estratégia. É uma forma de chegar ao maior número possível de pessoas sem qualquer cerimônia. Ele já disse que é contra o Bolsa-Família e a favor, que mulheres devem ganhar menos e que elas são iguais a homens. Essa avalanche violenta de pensamentos simplistas contraditórios, compartilhados por WhatsApp em grupos semi-oficiais do candidato, está na raiz do sucesso de sua campanha: mensagens curtas, clichês e que beiram a estupidez. Um thread do @Hupsel no Twitter mostra isso bem. Bolsonaro é a própria encarnação de um Papa Discordiano, mas é um fascista de bosta.

Para suplantar essa guerrilha, é preciso ir ainda mais longe, ocupar locais ainda desocupados — com o virtual se tornando uma frente de batalha ferrenha, talvez o material seja esse espaço em breve. E para fazer isso, talvez seja necessário mergulhar em ideias tão esquisitas quanto as de um dos meus filósofos favoritos: Hakim Bey.

Bey tem dois livros que são clássicos modernos do chamado Anarquismo Ontológico, que envolve, em rápidas palavras, a libertação do indivíduo, do corpo e do seu entorno. O que Hakim diz, em suma, é que uma vitória política é impossível sem antes o indivíduo estar livre. Que a revolução completa não é melhor que um levante encerrado. Para isso, ele lança algumas ferramentas que permitem que essa liberdade oculta se espalhe: a primeira é a TAZ, a Zona Autônoma Temporária, talvez a ideia mais influente da esquerda do século XXI.

Lana Del Rey se uniu a outras bruxas para um ritual coletivo anti-Trump

A TAZ é uma forma de explorar de forma temporária um espaço. É basicamente um levante, que deve se desbaratar à chegada da violência autoritária do Estado. É quase uma reunião de insetos que se esvazia quando colocamos o dedo e se junta dois metros adiante.

O conceito de TAZ surge inicialmente de uma crítica à revolução, e de uma análise do levante. A revolução classifica o levante como um “fracasso”. Mas, para nós, um levante representa uma possibilidade muito mais interessante, do ponto de vista de uma psicologia de libertação, do que as “bem-sucedidas” revoluções burguesas, comunistas, fascistas etc.

Um outro elemento gerador do conceito da TAZ surge de um processo histórico que eu chamo de “fechamento do mapa”. O último pedaço da Terra não reivindicado por uma nação-Estado foi devorado em 1899. O nosso século é o primeiro sem terra incógnita, sem fronteiras.

Nacionalidade é o princípio mais importante do conceito de “governo” – nenhuma ponta de rocha no Mar do Sul pode ficar em aberto, nem um vale remoto, sequer a lua ou os planetas. Essa é a apoteose do “gangsterismo territorial”. Nenhum centímetro quadrado da Terra está livre da polícia ou dos impostos… em teoria.

É atuando nesse campo em que surge o magista, um agente da arte da linguagem. Além de ocupar e desocupar o espaço de forma descentralizada e autônoma, um ativista mágico pode espalhar símbolos pela cidade, amaldiçoar organizações, desestabilizar burocracias. De forma quase involuntária, ele pode ajudar seus candidatos favoritos a vencerem eleições.

Como? O próprio Bey responde em outro livro: CAOS: Terrorismo Poético e Outros Crimes Exemplares. Como o autor define, a ideia não é cometer crimes contra a humanidade ou pessoas, mas “contra a ordem legal”, no intuito de desestabilizá-la e substituí-la por outra ordem.

Ironicamente, para fazer isso, abandone o Ego. É na ação coletiva que está a força da nova ação política. É o que a esquerda inventou e a campanha de Bolsonaro apropriou — com empresas injetando verba criminosa para isso ocorrer em tempo recorde. Para entender isso melhor, leia meu texto sobre os Yes Men e outros protagonistas do chamado Culture Jamming.

Para ficar no campo da prática:

II. Algumas Idéias Poético-Terroristas que ainda Continuam em Triste Languidez no Reino da “Arte Conceitual”

1. Entre na área dos caixas eletrônicos do Citibank ou do Chembank numa hora de muito movimento, cague no chão e vá embora.

2. Chicago, Maio de 1886: organize uma prociss˜ ao “religiosa” para os “mártires” do Haymarket 2 – grandes faixas com retratos sentimentais coroados com flores e trans-bordando de fitas e lantejoulas, carregadas por penitentes vestidos em trajes comcapuzes negros no estilo KKKatólico – escandalosos e efeminados acólitos de TV borrifam a multidão com água benta e incenso – anarquistas com rostos emplastrados de cinzas flagelam-se com pequenos relhos e chicotes – um “Papa” de túnica negra abençoa minúsculos caixões simbólicos carregados reverentemente para o cemitério por punks chorosos. Um espetáculo desse tipo deve ofender quase todo mundo.

4. Envie elaboradas e requintadas “bençãos” mágicas pelo correio, anonimamente, para pessoas ou os grupos que você admira, por exemplo, por sua capacidade política ou espiritual, por sua beleza física ou por seu sucesso no mundo do crime etc. Siga o mesmo procedimento descrito no item 5 a seguir, mas utilize uma estética de bons votos, amor ou felicidade, o que for mais apropriado.

5. Rogue uma praga horrível contra uma instituição maligna, tal como o New York Post ou a empresa MUZAK. Aqui, uma técnica adaptada dos feiticeiros da Malásia: envie para a empresa um pacote com uma garrafa tampada e selada com cera negra. E dentro dela: insetos mortos, escorpiões, lagartos e coisas do tipo; um saco com terra de cemitério (“gris-gris” na terminologia vodu), junto com outras substâncias nocivas; um ovo perfurado por pregos e alfinetes de ferro; um pergaminho onde está desenhado um emblema.

Loucura? Talvez você prefira algo mais palpável, então. Sugiro o livro Dias de Guerra, Noites de Amor, do Coletivo CrimethInc. O grupo bebe na fonte do Anarquismo Ontológico e o aplica no campo anti-capitalista ao fazer ações como distribuir ingressos falsos gratuitos para uma sessão de Assassinos por Natureza e os donos do cinema não poderem fazer muita coisa a não ser deixar a turba inquieta entrar. Ou a publicação de um texto enaltecendo Unabomber no Washington Post, feito por um funcionário subalterno do departamento de arte do jornal.

São táticas diversionárias, guerrilheiras, do tipo que podem formar um amplo movimento político. O que vai sair dele, não sabemos. Isso é Magia. O importante é experimentar.

PS: lembra quando escrevi um texto sobre a criação de um fórum para estudarmos Magia juntos? O fórum não foi à frente por motivos técnicos e práticos: começar do zero um fórum, algo que exige login próprio e começará com poucos membros, se mostrou difícil. Mas, cinco anos depois, a solução me veio: o Discord. Criei um servidor lá e podemos estudar juntos num ambiente mais organizado e simples.

São 50 vagas. Se você entrar e não conseguir, envie nas mensagens desse post que posso abrir uma exceção. É só clicar AQUI. Em novembro começamos as atividades.

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2 Comments

  1. Edisâangela

    5 de janeiro de 2019 at 10:42

    Bom dia
    Só agora achei esse site! Me interessei bastante!
    Posso participar do fórum?

    obrigada

    Reply

  2. Pedro

    8 de setembro de 2019 at 00:40

    Incrivel esse texto, lendo atualmente chega a ser engraçado como foi preciso na época.

    Reply

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