A Liga Extraordinária é, talvez, o melhor trabalho longo de Alan Moore. Desses que envolvem super-heróis e poderes e suspensão da realidade. Fica ali colado com Monstro do Pântano. Apesar da qualidade quase irretocável, a obra sofre com um pouco de irregularidade, em parte porque Moore é do tipo ambicioso.

Se o volume 1 e 2 são perfeitos e chegam a melhorar as histórias que são inspiradas, o volume 3, Século, sofre um pouco com o fim do otimismo que se foi com a primeira metade do século XX e a visão realista do autor: ele utilizou os volumes para demonstrar como é a cultura pop atual na visão dele — rasa e presa em um labirinto puramente comercial.

A trilogia Século (https://amzn.to/2NKA1td) é uma obra pessimista, cruel e propositadamente esburacada, uma vez que entre o volume 1 e 2 da trilogia se situa ainda Dossiê Negro (https://amzn.to/2pTCqZa), uma série de relatos sobre os novos personagens que formam a liga.

Se Moore não fosse tão maluco e a arte de Kevin O’Neill não fosse tão boa, é possível que o interesse em volta da história já tivesse ido embora, com suas idas e vindas e personagens que surgem e só retornam em volumes posteriores. O que nos traz a esse Nemo: Coração de Gelo. Assim como Providence (https://amzn.to/2NLqkL1), é uma história que evoca os melhores momentos de Lovecraft.

Coração de Gelo é uma história simples, um conto, mas cheio de detalhezinhos importantes para quem gosta de montar o quebra-cabeça sobre a Liga. Primeiramente: esqueça a Liga, ela não aparece e nem recebe menção aqui. A história é toda de Janni Dakkar, filha rebelde e fugitiva do Capitão Nemo, aquela que aparece numa bela sequência musical de Século: 1910.

Aqui ela já é herdeira de Nemo e surge inicialmente comandando o Nautilus em uma missão de pirataria contra o tesouro de uma princesa, em 1925 (portanto, entre o primeiro e o segundo título de Século). Ao mesmo tempo em que sua cabeça é colocada à prêmio, ela parte para a Antártida refazer uma jornada de seu pai logo após o nascimento dela.

Janni não está apenas enjoada da falta de propósito geral da pirataria, mas também quer se provar frente à memória de seu pai e explorar o continente de gelo parece a oportunidade perfeita. A perseguição, bem como as motivações de Janni são apenas um impulso literário para Moore desfilar uma série de referências semi-obscuras. Mas, acima de tudo isso, o autor nos entrega uma aventura clássica do tipo que sedimentou a fama da Liga nos primeiros volumes.

Se você é do tipo caça-referência ultra-geek, prepare a lupa. Além dos óbvios acenos para 20 mil Léguas Submarinas (https://amzn.to/2yISmS8), do Verne, também temos doses de Nas Montanhas da Loucura (https://amzn.to/2Cnmx4S), clássico do Lovecraft. Além de livros de Edward Stratemeyer (um sujeito que escreveu nada menos que 1500 livros) e Harry Enton, famoso entre os viciados em ficção científica do início do século.

A arte de O’Neill continua bela e ele consegue sem muito esforço evocar as imagens mentais descritas por Lovecraft.

É preciso deixar claro que Coração de Gelo também faz parte de um trilogia que contará toda a jornada de Janni como sucessora de Nemo. Ao final, em forma de coluna social de jornal (não me agrada tanto assim Moore escrevendo rios de texto corrido ao final dos gibis, com exceção de Watchmen), é descrito como ela casou a própria filha, Hira, com Armand Robur, o herdeiro de poderosos piratas do ar.

Na trama da segunda parte (ainda não lançada no Brasil), temos Janni resgatando os dois em Berlim, em 1941, e ainda lutando contra os Heróis do Crepúsculo, uma versão alemã da Liga. O último volume, por sua vez, se passará na América do Sul.

Coração de Gelo é o volume perfeito para quem gosta de aventuras e de histórias com camadas: contos clássicos de ação e horror, com pitadas de subversão.

Nemo: Coração de Gelo (Nemo: Heart of Ice)
Roteiro: Alan Moore
Arte: Kevin O’Neill
Letras: Todd Klein
Cores: Ben Dimagmaliw
Editora: Devir
Páginas: 55

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