Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr A banda Charlie Brown Jr orgulhosamente apresenta o canto do pré-histórico, o indimirado, o extinto: O ÚLTIMO FRANGO DA MALÁSIA! Eramos uma juventude perdida. Nascemos num mundo em depressão. A década de 1980 foi uma merda, não importa o que digam os revivals trash 80’s. Quem viveu sabe. O sonho acabou: os hippies viraram yuppies, o petróleo estava se esgotando, faltava pouco pra destruírmos o planeta e toda semana tínhamos que cortar 3 zeros da moeda. O mundo podia acabar a qualquer momento que alguém soltasse um pum errado em Washington ou Moscou. A economia, a cultura, a música, tudo refletia essa vibe ruim do momento. Pra quem era criança nos anos 1980 e início dos anos 1990 no Brasil, Rock Nacional era aquela música chata pra caralho feita por tiozões com muita filosofia e pouco vigor. Chateação Legião Urbana, Ira!, Capital Inicial, Barão Vermelho, Titãs, Cazuza… a gente tentava gostar porque as músicas não saiam do Top Ten da Transamérica, mas não dava pra aguentar. Legal mesmo eram os gringos: Guns n’ Roses, Faith no More, Nirvana, Green Day, Red Hot Chilli Peppers, Pearl Jam, Sublime. Isso sim era visceral! Inovador! Impactante! Agressivo! Inspirados neles, surgia uma nova geração de rock de qualidade no Brasil que pegava essas influências gringas e misturava com ska, reggae, hip hop e maracatu. Estou falando de grupos como Skank, O Rappa e Chico Science e Nação Zumbi, além dos próprios Paralamas do Sucesso que já faziam sucesso nos anos 1980 mas souberam se reiventar. Daí, de repente, surgiram eles, os maiores ídolos do Rock Nacional da década de 1990: Mamonas Assassinas. Músicos bons demais, divertidos, irreverentes, jovens. Chegaram arrebatando o país, estrelas instantâneas consagradas por crianças de todas as idades. Num domingo eles apareciam no Faustão, o programa batia o recorde do ibope. No domingo seguinte, eles se apresentavam no Gugu e o programa novamente batia o recorde de audiência. Tão rápido como chegaram, os Mamonas Assassinas se foram. A tragédia levou nossos ídolos… Éramos jovens demais para aceitar a morte. Não bastava o Senna?! Ficamos órfãos… No vácuo da morte dos Mamonas Assassinas, veio o sucesso de Raimundos e Planet Hemp. As duas já existiam desde antes dos Mamonas, mas se tornaram populares após a morte dos palhaços roqueiros. Essa nova geração do rock nacional era legal, era transgressora, mas não era tão escrachado quanto Dinho e seus amigos. As bandas se levavam muito à sério. Raimundos pegou a fórmula do palavrão pesado e apelativo, Planet Hemp levantou a bandeira da legalização da maconha. Tá, mas… e a diversão? E foi ai que um carro desgovernado acertou em cheio uma barraquinha de água de coco: Corra Pra ver o que acontece E volte aqui pra me falar O que parou a cidade inteira novamente Acordou todo mundo, mulherada Muito loca com doce na boca ! Meu tu não sabe o que aconteceu ! Os caras do charlie brown invadiram a cidade ! Junte sua mãe, seu cachorro e sua sogra Traga todo mundo o coro vai comê ! Give it up hey ! Do you really wanna do it boy Vamo! Give it up hey!hey!hey! Do you really wanna do it boy? You got a biron bacon xotonson Give up legalize ! Travazon, rasga rasgazon Travazon heah! Não vou me preocupar, velha Chata vai tá lá, yeah! Quem não se lembra de quando ouviu O Côro Vai Comê! pela primeira vez? Aquilo era novo, era maluco, era engraçado, era porrada!!! Os caras do Charlie Brown Jr invadiram a cidade. E foi realmente uma invasão, não apenas da cidade, mas do país inteiro. O álbum de estréia, Transpiração Contínua Prolongada, era o retrato de uma geração de moleques sem muito compromisso com nada: hardcore, reggae, ska, punk e hip hop, tudo misturado e temperado com o suingue funkeado do Champignon, o Flea dos trópicos. E aquelas letras meio nonsense, despretensiosas engraçadas e abordando temas adolescentes como surf, skate, balada e a rejeição de uma garota… besteróis que Chorão cantava sem nenhum pudor. Otário, eu vou te avisar O teu intelecto é de mesa de bar Na época, não tínhamos internet, então o lance era esperar a música tocar na 89 ou na Jovem Pan e gravar na fitinha k7. Não tinha Google Translator pra conseguir entender que palavras eram aquelas que estavam sendo balbuciadas em inglês de latrinoamericano. Sim, crianças, era possível viver sem internet e se divertir, só era um pouco mais difícil. Também não existia “pirataria”, mas a indústria fonográfica ainda não estava ensandecida, então dava pra comprar CD a 15 pilas, e o resultado foi que o disco de estréia do Charlie Brown Jr vendeu 500 mil cópias e ganhou o Disco de Platina. A geração Mamonas Assassinas tinha seu novo ídolo, e era um cara com atitude de roqueiro: polêmico, carismático e com uma presença de palco inigualável, o Chorão. Desafinado, marrento, pagando de skatista, meio torto e com aquele sotaque carioca demais pros paulistas e paulista demais pros cariocas. Quem não queria ser igual a ele? Em 1996 fui com uma galera da escola à um show do Gabriel O Pensador no extinto Fábrica (que depois ficou famoso como Moinho Santo Antônio), na Mooca, e o Charlie Brown era a banda de abertura. Eu e meus amigos só queríamos que o show fosse rápido, pra começar logo a atração principal. Foi então que Chorão chegou com aquele seu jeito meio malandro meio mala de ser. Estava com o joelho contundido de uma queda de skate, quem nunca? Gerava antipatia e simpatia ao mesmo tempo, mas dominava a cena. Segurava a nossa atenção durante todo o show, induzia a gente a cantar junto mesmo sem saber a letra. Afinal, a letra nem importava tanto assim. Sem perceber, de repente a gente não queria mais que eles parassem de tocar. Parecia inofensiva, mas me dominou. Daí veio o segundo disco, Preço Curto… Prazo Longo. O carro chefe desse álbum foi Zóio de Lula e seu emblemático refrão: Meu escritório é na praia Eu to sempre na área Mas eu não sou da sua laia não Essa lírica parnasiana digna de um Olavo Bilac rendeu à banda a oportunidade de gravar um videoclipe que dominou o Top 20 da MTV por mais de 6 meses e concorreu a diversos prêmios no Video Music Brasil. Tudo começava com Chorão andando de skate, desafiando a gravidade e seu joelho com aqueles quilinhos a mais, e então dava lugar a cenas de uma gata ajeitando o biquíni entrecortadas com a banda tocando em um halfpipe montado em cima de uma balsa na Baia de Santos. Era tudo que nós, adolescentes, queríamos ver na TV! Esse mesmo disco tinha o hit “Te Levar“, que desbancou o tiozinho do Lulu Santos no tema de abertura de Malhação, a novela adolescente da Rede Bobo. Passaram-se sete anos até que a música fosse substituída por outra canção do próprio Charlie Brown Jr, Lutar Pelo Que É Meu. Ao todo, a banda ficou 8 anos como titular da trilha sonora de Malhação, o que é um marco impressionante se pensarmos que esse programa é feito “para jovens” e deveria sempre estar na vanguarda, lançando moda. Malhação deixou de ser academia pra virar restaurante, escola e sei lá mais o que, e o Charlie Brown Jr. tava lá o tempo todo. Com Chorão à sua frente. Já se foi aquele tempo da ladeira, irmão. Daí em diante, como bons hipsters que somos, paramos de curtir a banda, pois já tinha virado mainstream. Brincadeiras à parte, a verdade é que crescemos, e de repente Charlie Brown Jr ficou meio ultrapassado, bobinho demais, repetitivo. Pra mim a gota d’água foi o “protesto político” de Chorão: Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério O jovem no Brasil nunca é levado a sério Contradição pouca é bobagem. Como levar a sério uma banda composta por caras com nomes como Champignon, Marcão, Castanho e Chorão? Passaram-se os anos e fomos esquecendo aquela que foi uma das principais trilhas sonoras de nossa adolescência, nos apresentou para o rock e introduziu um verdadeiro rockstar no panteão das estrelas. Acompanhamos à uma distância segura as tretas, separações e confusões. Quando Chorão entrou no Twitter até nos divertimos juntos novamente, pois ele rapidinho captou o espírito da #ZUERA e interagia com a gente na maior zueragem, provocando altas risadas. Meus heróis morreram de overdose causa desconhecida, meus inimigos estão no poder e o Sarney tá lá! E daí Chorão morreu, do nada, pegando todos de surpresa. Fez a gente se confrontar com a morte, perceber que ela está chegando cada vez mais perto e não perdoa ninguém. Ele tinha 42 anos de idade. Estamos ficando velhos. De repente, todo mundo voltou a ser fã de Charlie Brown Jr. Exigia-se respeito, chegaram a bradar que Alexandre Magno Abrão era um dos maiores poetas da história da música brasileira. Sobre essa histeria coletiva, um sábio anônimo deixou as seguintes palavras: Amem as pessoas antes que a morte as levem, reconheça seus méritos em vida, não só quando deixam a matéria pra trás .. É muito fácil se compadecer de alguém que fez a passagem… Fiquemos de luto pelas barbáries diárias que vemos todos os dias, a morte é um processo natural, a exploração da miséria alheia não… Ajamos antes que seja tarde… Exageros à parte, temos que reconhecer o papel de Chorão e do Charlie Brown Jr no cenário musical brasileiro, e essa singela homenagem é a minha forma de prestar tributo ao que a banda e seu líder representaram para nossa geração: energia a mil por hora, muita diversão e uma boa fusão de ritmos que marcou época e deixou uma lacuna na cena pop que não foi preenchida até hoje. Depois deles, não apareceu uma banda de rock nacional que tenha ousado, inovado ao ponto de assumir o papel que foi desempenhado por esses maloqueiros da baixada santista. O Rock errou. Viva Charlie Brown Jr! Descanse em paz, Chorão!