Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Justine (Garance Marillier) é uma jovem vegetariana que acabou de entrar na faculdade de veterinária e está passando pelos trotes das primeiras semanas. Entre invasões ao dormitório dos calouros, pinturas corporais e banhos com sangue de animais, os novatos acabam sendo obrigados a comer algum tipo de carne crua. Mesmo dizendo ser alérgica a carnes, Justine acaba passando por mais essa prova, por puro medo de acabar sendo excluída pelos colegas. A partir daí, o filme passa a apresentar um terror tanto psicológico quanto gore, uma vez que Justine começa a sentir uma necessidade cada vez maior por carne. E não só de animais, mas também por carne humana. Apesar dessa premissa, Raw não é tão violento e perturbador como foi alardeado por aí quando ele foi exibido em festivais, fazendo pessoas até desmaiarem durante as exibições. Dirigido e roteirizado por Julia Ducornau, Raw não é um filme interessado apenas em chocar com uma história sobre canibalismo. Pelo contrário, boa parte do filme é dedicada a abordar o tema dos trotes em faculdades e como eles podem ser cruéis. Mostrada como uma menina tímida e avessa a festas, Justine acaba sendo obrigada a comparecer a várias delas simplesmente para se enturmar. Filmando essas festas sempre com câmera na mão, muitas luzes piscando e gente se esbarrando, a diretora cria um clima claustrofóbico e angustiante que deixa claro para o espectador o quanto Justine não se sente bem naquele local. Aliás, Julia Ducornau é competente em todas as cenas nas quais ela tenta criar um clima de claustrofobia. A cena de Justine embaixo do lençol, como se passasse por uma crise de abstinência, consegue ser simples e, ao mesmo tempo, extremamente perturbadora. Essa cena fica ainda mais interessante por poder ser enxergada como uma metáfora para um renascimento, já que Justine parece estar dentro de um útero. Além da pressão de passar pelos trotes, Justine ainda precisa enfrentar as pressões normais de uma faculdade, como conseguir boas notas e lidar com professores que, por algum motivo, não vão com a cara dela. E aqui é interessante perceber como a diretora do filme utiliza algumas cenas que podem ser interpretadas de maneiras diferentes dependendo do espectador. Por exemplo, a cena em que Justine tem uma crise de alergia e começa a se coçar desesperadamente pode ser vista, num primeiro momento, apenas como uma reação ao fato dela ter comido carne pela primeira vez na vida. Porém, ela também mostra toda a pressão que a jovem está sentindo ao escolher a mesma profissão de seus pais e que também foi a escolha de sua irmã. Além disso, a cena em que Justine está vomitando fios de cabelo deixa claro o problema de ansiedade pelo qual a garota está passando. Raw ainda encontra espaço para abordar o tema do despertar sexual de uma jovem que está passando da adolescência para a vida adulta. E como isso é visto pela sociedade predominantemente machista na qual vivemos. Se por um lado os colegas de faculdade exigem que Justine se vista de maneira mais sexy para comparecer às festas, por outro eles não perdem tempo ao chamar a garota de vagabunda caso ela comece a se pegar com algum cara. A sequência em que os outros alunos vazam um vídeo que mostra a protagonista, claramente alcoolizada, tentando morder o braço de um dos cadáveres da faculdade, enquanto todos ao redor dela morrem de rir, nada mais é do que uma grande metáfora para os vários casos de vazamentos de vídeos que acontecem na vida real. As pessoas preferem dar risada do que ajudar alguém que está claramente sem condições de tomar qualquer decisão. Mas lembra quando eu disse lá em cima que Raw era um filme de terror psicológico e também gore? Pois é, as cenas violentas não são muitas, mas quando acontecem são impactantes e muito bem feitas. Todos os efeitos especiais parecem práticos, sem o uso de computação gráfica, deixando as cenas com bastante realismo. Algumas coisas parecem tão reais que é até difícil não se contorcer um pouco na cadeira, mas nada que faça alguém vomitar. O filme conta também com um design de som excelente, que ajuda a deixar essas cenas ainda mais perturbadoras. Quando Justine está tendo uma crise de coceira, por exemplo, o som das unhas dela esfregando na pele vai crescendo de tal maneira que passa a sensação de que ela vai acabar arrancando até mesmo a carne dos ossos. Já os sons que a protagonista faz quando está comendo carne nos fazem perceber todo o prazer que ela está sentindo com aquele ato. O único ponto negativo da direção fica por conta da falta de sutileza de Julia Ducornau ao banhar a protagonista com uma luz vermelha intensa, em antecipação a algum ato de violência por parte dela. No final das contas, Raw é aquele tipo de filme que se torna interessante justamente por sair do lugar comum e conseguir abordar vários temas interessantes utilizando uma história sobre canibalismo. Se fosse produzido em Hollywood, provavelmente o filme descambaria para muita matança desenfreada, com muito sangue claramente falso, feito com uma computação gráfica de segunda categoria, e sustos imbecis. Filmado na França, Raw felizmente não vai por esse lado e acaba nos apresentando uma protagonista que precisa aprender a conviver com uma terrível condição, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as várias mudanças pelas quais sua vida está passando. [quote_box_center]RAW (França, 2017) Direção: Julia Ducournau Duração: 1h 39min Elenco: Garance Marillier, Ella Rumpf, Rabah Nait Oufella.[/quote_box_center]