Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Praia Itapeba [quote_box_center]Leia a parte 01: Diário de um antropologo numa ecovila Leia a parte 02: Diário de um antropólogo numa ecovila Leia a parte 03: Mito e realidade da criação de Itapeba Leia a parte 04: Ritual da ~Amizade~ Leia a parte 05: Convite para ação Leia a parte 06: Minha apresentação à comunidade Leia a parte 07: Dialética sujeito/objeto em cheque Leia a parte 08: VOCÊ ESTÁ DEMITIDO Leia a parte 09: Uma luz no fim do túnel [/quote_box_center] Decidi me oferecer para trabalhar como voluntário no Centro, mas Manuela, a administradora do empreendimento, disse que não havia vagas, pois eles já tinham pessoas suficientes em todas as áreas. Sugeriu que eu fosse falar com Bender, filho de Cristina, para trabalhar na equipe de permacultura. Não consegui encontra-lo, então resolvi procurar Cristina. Tivemos uma breve conversa em que expliquei o tema da minha pesquisa e me ofereci como voluntário em qualquer área onde houvesse disponibilidade. No dia seguinte, ela me surpreendeu quando eu estava passando pelo Centro e perguntou se eu teria interesse em administrar a ecovila pelos próximos três meses. Isso implicaria na criação de uma Associação de Moradores, projeto que já foi iniciado anteriormente, mas que foi interrompido. Além disso, caberia a mim administrar a empresa Itapeba Ecovillage Condominium. A única coisa que eu não administraria seria a empresa Centro/CUDS. Cristina sugeriu que eu conversasse com Mauro, um dos antigos moradores que já havia tentado criar a associação antes, mas não obteve sucesso e acabou desistindo devido a diversos conflitos que surgiram da discussão com Manuela, a administradora da empresa. Manuela demonstrou descrença pelo histórico de tensão que o debate sobre normas e resoluções suscitava, afirmando que nunca houve em Itapeba nenhum tipo de acordo escrito e que quase não há normas acordadas entre todos. Mauro me explicou que a empresa Ecovillage Condominium, criada para viabilizar a residência dos estrangeiros que quisessem comprar um lote em Itapeba, também estava permeada de conflitos entre os sócios. Muitos deles não se conformavam com a incorporação das áreas Ecovila 2 e 3, afirmando que Cristina e Johann estavam afastando o empreendimento dos rumos propostos originalmente. Alguns dos donos de terrenos e casas nunca mais apareceram na ecovila depois de se desentenderem com os fundadores, se recusando a pagar taxas de condomínio e impostos. Ele relatou que Cristina é muito impulsiva e controladora. Diversas vezes ela delega uma função a alguém e depois acaba interferindo no processo sem consultar os responsáveis apontados por ela mesma. De acordo com Mauro, nem ela nem Johann costumam planejar em longo prazo. As finanças pessoais deles estão completamente misturadas com as do Centro e da Ecovillage, o que complica muito a administração dos empreendimentos. Não há clareza sobre os reais custos e despesas de cada atividade desempenhada, o que dificulta também a apuração do lucro. Ele acredita que o restaurante e a pousada são lucrativos, mas afirma que é impossível estimar o quanto cada atividade contribui para o resultado positivo. O serviço de transporte entre Itapeba e Itacaré provavelmente opera com prejuízo, pois os veículos tem um custo de manutenção mensal de mais de R$ 2.000. O preço do transporte é de R$ 10 por pessoa, o que segundo Mauro seria insuficiente para cobrir a manutenção e o combustível. Mauro afirmou também que apenas Cristina e Johann resolvem todos os problemas e encaram todas as responsabilidades em Itapeba, assumindo inclusive o pagamento de taxas e impostos que são negligenciados pelo restante da ecovila. Eles também arcam com os custos da empresa Ecovillage, apesar de não dependerem dela para obter sua residência brasileira. Ele relatou o episódio de uma mudança na legislação que acarretou no aumento considerável dos custos de manutenção da Ecovillage, e que os outros sócios acabaram culpando Cristina e Johann pelo ocorrido, apesar de não terem sido eles os responsáveis pelos custos mais altos. De acordo com ele, existe muita má vontade por parte de diversos moradores e donos de terrenos em resolver conflitos com Cristina e Johann. Essa desconfiança acaba agravando ainda mais os problemas. Cristina e Johann são os únicos que fazem o que tem que ser feito e que trabalham para a comunidade. Os outros só reclamam e atrapalham, estão muito mais preocupados com seus próprios problemas do que em ajudar o coletivo (Mauro). Sobre a criação de uma associação de moradores, Mauro me explicou que já existe intenção por parte de Cristina e Johann de criar uma organização desse tipo há pelo menos três anos, com o objetivo de criar um regimento interno com regras comuns a todos os moradores. A primeira pessoa escolhida por Cristina foi Joana, aquela que faria minha leitura de aura. Ela tentou promover unificação das Ecovilas 1, 2 e 3 e realizar a gestão conjunta de toda a Itapeba, mas esbarrou nos antigos conflitos entre os sócios do CUDS, o que inviabilizou o projeto. Em 2010, Mauro foi escolhido por Cristina para assumir a função de administrar a Ecovillage e, paralelamente a isso, criar uma associação de moradores. Foram realizadas diversas reuniões facilitadas por Moksha, mas Mauro encontrou os mesmos problemas que Joana havia encarado antes dele. Um dos pivôs da discussão foi uma cláusula que havia sido incluída no estatuto que ele elaborou. A cláusula em questão era a que estabelecia critérios para a entrada de novos associados, que limitava a participação exclusivamente para pessoas que residiam em Itapeba há pelo menos 7 meses, o que excluía Olivier, Gerard e Tania, além de outras pessoas que também dificultavam a gestão da ecovila. Ele relatou que, quando “se deu conta do pepino em que havia se metido”, desistiu das funções para as quais tinha sido apontado. Ele avalia que na época em que as reuniões encabeçadas por ele ocorreram, os conflitos entre Cristina, Johann e os outros sócios do CUDS e da Ecovillage estavam agudizados e que o momento não era propício. De acordo com ele, eu estava chegando em um momento bem mais favorável, o que o levou a afirmar que apostava no meu sucesso. Percebi que havia muitos subgrupos na ecovila, cada um com um interesse diferente, e que aparentemente em todos eles havia ressentimentos relacionados a conflitos com Cristina e Johann. Devido à minha posição de pesquisador, considerei que, se eu aceitasse o cargo, corria risco de inviabilizar meu trabalho, especialmente porque me colocaria no centro da ação e da disputa de poder, o que ameaçaria a postura neutra que eu procurava adotar. Também refleti sobre a dificuldade que eu teria em resolver conflitos que eu mal podia compreender e de que só conhecia um lado da história. Ponderei também que, caso eu fosse nomeado unilateralmente por Cristina, teria extrema dificuldade em conseguir tratar com seus opositores, o que afetaria negativamente minha legitimidade como administrador. Por outro lado, eu não tinha nenhuma outra opção que me permitisse observar a gestão da ecovila, dado que a empresa não estava aberta para mim. Propus uma alternativa que eu acreditava que iria preservar meu papel de pesquisador e que me permitiria estar ao lado da ação, não em seu centro. Minha proposta foi de assumir o papel de moderador/facilitador da discussão com a comunidade para a criação da Associação, deixando de lado a questão dos antigos conflitos, que certamente não poderiam ser resolvidos em tão pouco tempo, ainda mais se levarmos em conta que muitos dos proprietários são europeus e não tem intenção de vir pra ecovila, o que complicaria muito a comunicação com eles. Líder espiritual da ecovila Itapeba Cristina aceitou, e senti que havia superado meu primeiro teste como observador participante. Consegui evitar assumir um papel que me colocaria em evidência de maneira acentuada e comprometeria minha pesquisa. Além disso, a conversa com Cristina teve um significado simbólico, pois eu havia recebido as boas vindas da guru espiritual da ecovila. E assim, encerro a quinta parte do meu diário de campo.