Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Ecovila Itapeba vista de cima Zona Rural de Itacaré, quinta-feira, 1º de Setembro de 2011. São 9 horas da manhã, mas o sol de inverno da Bahia esquenta tanto o chão de areia que eu tenho a impressão de que já é mais de meio dia. Estou caminhando em uma das diversas trilhas que atravessam a ecovila Itapeba (Nome fictício; optei por proteger a ecovila que me abrigou durante 4 meses de qualquer difamação que eu possa trazer a ela). Saí da casa que aluguei e em apenas cinco minutos já cheguei na residência de Joana Lane (nome fictício para proteger a fonte), que fica no extremo oposto do terreno. Joana nasceu no Rio de Janeiro e já mora há 2 anos e meio na Ecovila Itapeba. Onde fez diversos cursos e formações com Cristina Oliveira (nome fictício), líder espiritual da comunidade Ankara (nome fictício), da qual minha anfitriã também faz parte. Apesar de já estar vivendo na ecovila há 3 meses e de estar encerrando meu trabalho de campo, estou um pouco ansioso, pois será a primeira vez que farei uma Leitura de Aura, a principal técnica terapêutica utilizada pelos membros da comunidade protetora de Itapeba. Joana me recebe com um sorriso no rosto e nos encaminhamos para o segundo andar da casa, onde há um quarto que serve de sala de terapia. Sentamos um de frente para o outro, a uma distância de 5 metros, em cadeiras confortáveis e almofadadas. Minha cadeira é bem mais alta do que a de Joana. Seria um signo representando a postura humilde que o terapeuta deve assumir numa leitura? Antes de iniciar a terapia, ela me explica como funciona a ferramenta espiritual de cura que irei experimentar: Nossa aura é um campo energético que está em volta do nosso corpo físico, podendo se expandir e retrair. Ela é constituída de energia, a mesma energia que permeia o universo e tudo que existe. Todos os acontecimentos das nossas vidas ficam ali representados, estampados ou impressos de alguma maneira. Na leitura de aura, é possível identificar estas marcas. Na nossa aura estão impressos nossas vidas passadas, nosso presente e o nosso futuro. Só que o futuro muda toda hora. Não é indicado fazer leitura de aura do futuro, pois se enxerga apenas um futuro possível dentre inúmeros, que se modificam a todo instante. Toda leitura de aura é sempre sobre agora, porque só o momento presente existe. Tudo que eventualmente apareça numa leitura de aura, mesmo que do passado ou de outras vidas, aparece para explicar o presente. Mas mesmo do agora, há muitas informações diferentes na nossa aura. A sessão de leitura de aura é guiada pelo espírito da pessoa, pelo Eu Superior, pela sua parte mais pura e mais conectada. É essa parte que vem dizer quais são as informações que são importantes hoje e dosa exatamente o que você precisa saber. Às vezes a nossa personalidade quer entender alguma coisa que o nosso espírito já tentou mostrar várias vezes e no fundo a gente não quer entender. Na leitura de aura, nosso espírito nos traz justamente um ensinamento que nós precisamos aplicar agora, através de uma mensagem que estejamos aptos a absorver neste momento. É o nosso espírito que vai dizer o que é importante ser abordado em uma sessão, enquanto o leitor de aura é apenas um canal. Outros momentos são de limpeza, marcados pelo silêncio e adornado por suaves gestos do terapeuta. Mais importante do que as mensagens é o trabalho energético que é feito pelos guias e pelo Eu Superior da pessoa, com auxílio do leitor de aura. Tudo que é expresso em voz alta traz a oportunidade de limpeza e ressignificação, como um quebra cabeça que é montado. Isso traz leveza e libertação. Todos os bloqueios vão sendo removidos. Quem está recebendo a leitura de aura pode fazer perguntas ou comentários, mas é recomendado que principalmente se ouça e permaneça com uma postura aberta. Aparecem muitas imagens simbólicas. O terapeuta utiliza os símbolos para ajudar a entender e desvelar a mensagem do Eu Superior daquele que recebe. Primeiro, a pessoa que está conduzindo a sessão descreve uma imagem, para depois esmiuçar o significado simbólico da mesma. A intepretação não é feita pelo terapeuta, mas é indicada pelo Eu Superior de quem está recebendo a leitura (Joana). Por fim, Joana me adverte que é normal ter sensações corporais, mas não é nada com o que eu tenha que me preocupar. Eu também fui alertado para não cruzar as mãos ou as pernas para evitar que a energia deixe de circular. Ela fecha os olhos e permanece em silêncio por alguns instantes, se concentrando. Passados alguns segundos – que mais parecem horas –, Joana faz uma oração: Enquanto fazemos esta leitura Permitimos que as energias do cosmos e da Terra Fluam pelos nossos corpos Abrindo as portas através das quais Nos tornamos mais conscientes da nossa espiritualidade E aumentamos a comunicação com Deus do nosso coração Que seja permitido, com a benção do Ser Supremo Que o que quer que aconteça durante esta leitura Beneficie a cada um de nós No nosso crescimento espiritual Abertura de consciência e compreensão Que assim seja. Ele pede então que eu repita meu nome completo em voz alta três vezes. E me dá as boas vindas. Depois de mais um longo silêncio, ela começa a descrever uma imagem: A primeira coisa que eu vejo é um grande sol dourado que representa Deus ou o Ser Supremo ou a Energia Criadora do Universo, a Energia da União, da Unidade, como você quiser chamar. Embaixo desse grande sol dourado, há uma rosa que representa você como espírito. Nós somos pura energia. Nosso espírito traz a nossa vibração principal, nossa energia mais pura. Nosso estado de maior consciência e conexão com este Deus. Essa Rosa tem várias cores que são as cores que hoje estão vibrando na sua aura. Por que a aura é colorida? Porque são energias que vibram e a vibração produz cores. Estas cores não têm significados específicos, elas só contam uma história em seu contexto. Você tem que entrar na cor e ver qual a história que ela está contando. Hoje na sua aura para ser lido tem a cor vermelha. Eu vou ficar um pouco em silêncio porque a energia ainda está se abrindo… … … Aparece você, em frente a um lago de águas vermelhas como se fosse sangue. Não é uma cena chocante, mas é bizarro, estranho. Você fica parado tentando entender o que é esse lago cheio de água vermelha. Será que é sangue? Mas não pode ser tanto sangue assim! Você está na dúvida do que aquilo pode ser. Você está curioso. Você sente medo, mas esse medo não é suficiente para te impedir de investigar a água vermelha do lago… Conforme você vai entrando, você sente a água muito gelada. Você acha aquilo interessante. Você nem se preocupa se no chão por onde você está pisando teria algum bicho que poderia morder seu pé. E aí começam a morder uns bichinhos. Eles não chegam a te fazer mal, mas te pegam de surpresa. E aí você mergulha de cabeça no lago para ver o que são esses bichinhos. Você vê, mas não consegue enxergar muito bem porque a água está muito turva, muito vermelha. … Já estou começando a entender: O lago vermelho representa o ser humano em geral. É a sua análise do ser humano. Você pode até dizer que a análise de Itapeba, mas Itapeba sendo a representação da sociedade humana. Você olha para o ser humano e está difícil entender como que ele funciona, é muito complicado. Você fica na dúvida se você pode usar seus conceitos anteriores do que é o homem, ou do que é uma sociedade, uma comunidade, uma ecovila. Tudo aqui é um paralelo com a ecovila, com a sua dissertação. Será que você pode deixar seu conceito de lado e pensar: isso aqui não é sangue e eu vou entrar pra ver o que é? E apesar de que tudo diz pra você que aquilo ali é sangue porque tá muito vermelho, você fala: “Não, eu vou deixar meu conceito de lado e eu vou entrar aqui dentro pra ver o que é ao invés de simplesmente assumir que é sangue”. E esse sangue, a cor do sangue representa uma impressão de que as coisas são difíceis demais. De que as coisas são perigosas, intensas demais. O sangue representa algo muito intenso. Você olha para o ser humano e fala: “Nossa, tudo é muito intenso”. Se você pegar a sua experiência com Itapeba fica mais fácil de entender: Chega aqui e “Uau, não sei nem se eu devo mencionar o nome da ecovila na minha dissertação, porque tá muito complicado, difícil de escrever essa história. É uma história que parece que não vai ter um final feliz”. Quando você vê muito sangue, aquilo ali muito dificilmente teria um final feliz. Mas aí você resolve não julgar que aquilo é sangue, que é intenso, que é bom ou ruim. “Eu vou entrar nesse lago para descobrir o que é”. Falando de Itapeba fica fácil, mas aqui a mensagem é muito mais profunda. É você com relação à análise do mundo que você vive. Você está tentando deixar todos os seus conceitos de lado para poder escrever uma dissertação neutra, mas para você isso vai muito além da dissertação: ter uma ideia neutra do que é o mundo para que você possa criar a sua forma de viver sem pré-conceitos. Você entra no lago, e isso significa tentar compreender Itapeba de forma neutra, significa escrever sua dissertação de maneira neutra, e significa também viver uma nova vida de forma neutra. Começar a sua nova vida, seu novo passo, sem estar com pré-conceitos. Dentro desse seu processo de estar começando uma nova vida, onde você está tentando ser o mais verdadeiro possível dentro da verdade do cerne do seu ser, convivendo com pessoas dentro da verdade do cerne do ser delas, e tentando fazer passos profundamente puros e neutros e verdadeiros. Mas a grande mensagem vem depois que você entra no lago. Porque até você entrar no lago está tudo muito bom, porque você tá conseguindo ser neutro ao ponto de você entrar num lago cheio de sangue. Mas quando você entra no lago, você sente a temperatura gelada e pensa: “Aqui está muito interessante, estou gostando dessa sensação de estar no desconhecido, de descobrir coisas novas, conseguir estar sem preconceitos para que eu possa: 1) analisar Itapeba; 2) escrever uma dissertação e 3) viver uma nova vida”. Então o primeiro “conselho” do seu Espírito é: continua sempre com essa visão neutra, sem medo, sem achar que sabe o que é aquilo, para que você possa olhar aquilo sem os seus preconceitos. Isso é muito mais profundo do que sua dissertação, sua experiência aqui vai acrescentar muito para toda a sua vida. Abra seus olhos para estar mais presente, com maturidade e consciência espiritual para não se enganar na ilusão… Peraí…. Ah, já entendi tudo! É, vai ser bem importante pra você, mas vai ser um pouco forte… Eu vou falar hein! É o seguinte… Você vai ter que confiar… … Você pode ir muito longe com a sua capacidade, com o seu Ser. A sua dissertação vai ajudar muito mais do que o que você acredita que ela vai ajudar. O que você deseja que a sua dissertação vá fazer é o que ela já está fazendo. Você tem um desejo muito grande pela sua tese e tem uma crença em relação a ela. Esta fé às vezes é abalada por algumas inseguranças (mordidas), normal, nada demais. Mas o potencial dessa tese tá justamente no desejo que você tem. Seu espírito fala: “Você entendeu o processo que você passou aqui? O processo que você ajudou as pessoas daqui a passar?” Você quer que a sua dissertação ajude a mudar o coração das pessoas. Ela já mudou o coração das pessoas. Você já tem uma prova do que esta dissertação está fazendo. Isso é só o reconhecimento de algo que já aconteceu. A dissertação agora é só um documento que materializa a transformação que você já provocou… ( Joana Lane). Esta é a primeira parte do meu diário de campo da pesquisa de mestrado que realizei em uma ecovila no sul da Bahia. Incluí nesse relato diversas passagens escabrosas que foram censuradas pelo meu orientador na versão final da dissertação. [quote_box_center]Leia a parte 01: Diário de um antropologo numa ecovila Leia a parte 02: Diário de um antropólogo numa ecovila Leia a parte 03: Mito e realidade da criação de Itapeba Leia a parte 04: Ritual da ~Amizade~ Leia a parte 05: Convite para ação Leia a parte 06: Minha apresentação à comunidade Leia a parte 07: Dialética sujeito/objeto em cheque Leia a parte 08: VOCÊ ESTÁ DEMITIDO Leia a parte 09: Uma luz no fim do túnel [/quote_box_center]