Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [quote_box_center]Leia a parte 01: Diário de um antropologo numa ecovila Leia a parte 02: Diário de um antropólogo numa ecovila Leia a parte 03: Mito e realidade da criação de Itapeba Leia a parte 04: Ritual da ~Amizade~ Leia a parte 05: Convite para ação Leia a parte 06: Minha apresentação à comunidade Leia a parte 07: Dialética sujeito/objeto em cheque Leia a parte 08: VOCÊ ESTÁ DEMITIDO Leia a parte 09: Uma luz no fim do túnel [/quote_box_center] Alguns dias depois da reunião de boas vindas, fui convidado para uma vivência oferecida por Moksha e Chiara, um casal de discípulos de Osho que residem na ecovila. A vivência aconteceu numa das pequenas salas de terapia à margem do rio. Havia 12 pessoas presentes, nenhuma delas ligada ao Centro. Novamente, todos estavam sentados no chão, sobre colchonetes, e dispostos em círculo. Dessa vez, o encontro foi bilíngue, com tradução não simultânea. Isso se fez necessário, pois estavam presentes alguns brasileiros que não falavam inglês e alguns estrangeiros que não compreendiam português. Isso iria se repetir em quase todas as reuniões que presenciei depois. Moksha e Chiara fizeram uma breve introdução sobre o trabalho. A proposta deles é criar um espaço de maior intimidade entre as pessoas que vivem na comunidade a partir de relacionamentos reais, sinceros, pautados pela verdade do coração e com a intenção de um crescimento interior genuíno. De acordo com Moksha, esse trabalho era a continuidade de uma proposta que ele e Chiará haviam trazido para a comunidade desde 2010. Eles lamentaram a ausência de pessoas cuja presença na reunião seria muito importante, e disseram que haviam passado em todas as casas da ecovila convidando as pessoas. Cabanas construídas na margem do rio Itapeba Eles pediram então para que cada um expressasse suas expectativas a respeito do encontro. Aproveitei a oportunidade para me apresentar e explicar minha pesquisa, pois muitos dos presentes ainda não me conheciam. Os participantes mostraram-se dispostos a trabalhar questões ligadas à comunicação enxergando na experiência uma oportunidade para exercitar a expressão da verdade, de uma forma limpa, clara. E evitando que pequenos ressentimentos ou diferenças de opiniões possam se agravar e se transformar em problemas maiores do que realmente poderiam ser se conversados antes. Tom, carioca que está na ecovila desde 2005, afirmou que tinha interesse na comunicação pessoal, pois achava completamente absurdo que pessoas que moram juntas tenham que se comunicar por e-mail para conseguir resolver as coisas. Diana, romena que reside em Itapeba desde 2008, afirmou que estava presente para conseguir esclarecer uma visão que ela teve em um trabalho de ayahuasca que havia participado com a comunidade algum tempo antes: Tudo em Itapeba é falso. Todas as relações pessoais são falsas. Precisamos urgentemente construir uma comunicação verdadeira (Diana). Havia também nessa reunião muitas pessoas que estavam, assim como eu, residindo em Itapeba apenas temporariamente. John, permacultor britânico, afirmou que, para ele, comunicação e resolução de conflitos eram aspectos chave em uma comunidade, e que ele sentia falta desse espaço em Itapeba. Luke, estadunidense, também reclamou de falta de liberdade para se expressar nas reuniões que aconteciam na ecovila. Lidiane, do Recife, afirmou que estava desestimulada pelos resultados dos últimos encontros da comunidade que havia participado. Ela estava frustrada pela ausência das pessoas ligadas ao Centro, e afirmou que não considerava Itapeba uma comunidade de fato. Jonas, paulista que havia acabado de criar o projeto de jornal da comunidade, afirmou que percebia na ecovila uma dicotomia entre moradores antigos e pessoas novas. Ritual da Amizade Ao som de uma música suave, os participantes foram convidados a expressar qualquer tipo de “ruído” que pudessem ter em relação uns aos outros. Um participante se dirigia ao outro, dizendo aquilo que realmente sentia. A pessoa que ouvia colocava-se de maneira receptiva, com as palmas das mãos voltadas para fora e sem justificar-se, simplesmente dizia “Obrigado” ou “Thank You”. Aos poucos, foi se formando um ambiente de confiança e intimidade que encorajaram os participantes a se soltar e a expressar o que precisava ser expresso. Num segundo momento foram trabalhadas questões positivas, de reconhecimento, compartilhamento, gratidão e, no final, foi percebido o quanto as pessoas envolvidas tinham sido tocadas e o quanto a experiência havia superado suas expectativas. Alguns tiveram a sensação de ter limpado questões. Outros destacaram que este processo trabalha as relações com as pessoas que estão à sua volta como reflexo de algo verdadeiramente espiritual. Contemplando não só as dimensões sutis, verticais, como também as relações horizontais. Nesse encontro, a primeira característica que me chamou atenção foi o nome escolhido para ele, Ritual da Amizade. Só isso já seria o bastante para afirmar sua carga altamente simbólica, mas todo o processo pareceu estar completamente permeado pela ressignificação da comunicação no âmbito da ecovila, além de comprovar na prática da gestão que, de fato, existe uma ênfase nos aspectos de comunicação e resolução de conflitos, conforme havia sido apontado por diversos autores antes de mim. Também emergiu desse encontro uma grande discrepância entre a maneira como os moradores antigos, ligados ao Centro, interpretam sua realidade e o modo como os novos moradores se expressaram. As duas visões destoavam muito. Vitor e Cristina haviam feito afirmações completamente diferentes daquelas que surgiram no Ritual da Amizade: Pela liberdade de expressão que temos aqui, fora de um sistema que limita nossa forma de expressão e pelo apoio que a gente tem das pessoas, enquanto comunidade, posso dizer que aqui é um lugar que permite que a gente realize todos os nossos sonhos e nosso potencial como ser humano (…) As pessoas que estão chegando também percebem isso e nós moradores ajudamos essas pessoas a se encontrarem nesse caminho. (…) Estamos vivendo um momento na comunidade lindo e incrível: as pessoas estão chegando, estão se alinhando com a visão de Itapeba, encontrando seu espaço e fazendo o que querem fazer. Vocês estão num lugar onde vocês tem toda a liberdade para se expressar e para ser realmente quem vocês são (Vitor). Nós todos estamos cada vez mais unidos e confiando cada vez mais uns nos outros, cada um completa um espaço, e que as pessoas que chegam contribuindo uns com os outros para que cada um descubra seus sonhos e sua paixão (Cristina). Aparentemente, há uma dicotomia entre os novos e os antigos moradores, conforme expressou Paulo. À luz desse fato, as palavras de Cristina no encontro de boas vindas assumem outro significado, soando quase como um aviso para que nós, recém chegados, nos comportássemos de acordo com o que já estava estabelecido. Quando uma pessoa chega aqui deve respeitar aquilo que já está acontecendo. Itapeba é o que é porque há pessoas que estão trabalhando aqui, dando muito de si, do seu amor, da sua vida, para criar tudo isso. Muitas pessoas vem aqui, chegam, adoram, depois disso vem viver aqui. E depois começam a mudar um pouco, começam a questionar, começam a exigir, começam a suspeitar e isso cria muito desequilíbrio e cansaço pra nós. E isso continua acontecendo até os dias de hoje. É importante respeitar o grupo. Se vier para ajudar, eu e todo o grupo agradecemos. É muito cansativo pra nós receber “está tudo errado, tem que mudar, que nós não ouvimos ninguém”. Fomos nós que fizemos (Cristina). No entanto, até mesmo os moradores antigos, mas que não estão ligados ao Centro, como Tom e Diana, haviam expressado sua insatisfação com a maneira como acontece a comunicação na ecovila. A separação entre antigos e novos moradores não parecia ser a única existente na ecovila. Depois do Ritual da Amizade, comecei a ponderar que havia também uma separação entre moradores ligados ao Centro e o restante da ecovila, e a qualidade do quórum nos dois encontros que eu havia participado corroborava essa hipótese, pois a reunião de boas vindas, promovida por Cristina, contou apenas com alguns moradores pertencentes ao Centro, enquanto o Ritual da Amizade não foi prestigiado por nenhum deles. Outro fato que chamou minha atenção foi, que, em ambos os encontros, os participantes reclamaram ou se incomodaram com a ausência de muitas pessoas…. E assim, encerro a quarta parte desse relato.