Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “Passei a beber o tempo todo e a ficar em casa o mínimo possível. Vivia como um homem que queria morrer, mas não tinha coragem para fazê-lo sozinho. Andei em ruas e vielas escuras, estava sempre em cabarés. Escapei de dois duelos, mais por covardia e apatia, pois na verdade queria ser morto. E, então, fui atacado. Poderia ter sido qualquer um e eu era um convite para marinheiros, ladrões, maníacos, qualquer um. Mas foi um vampiro.” Quando um certo matemático irlandês chamado Abraham Stoker decidiu escrever um romance sobre vampiros, o tema já não era nenhuma novidade na literatura. Histórias de seres sugadores de sangue já eram escritas desde o início dos anos 1000. Tampouco foi ele o autor da primeira história em inglês sobre a criatura. Tal honra coube a John Polidori e seu O Vampiro, em 1819, considerado precursor de Drácula. Mas todos os escritores representavam os vampiros a seu modo. Nas Crônicas de William of Newburgh, eles eram simples seres amaldiçoados que chupavam sangue. Em Carmilla, do também irlandês Joseph T. Sheridan, a personagem homônima atravessa paredes e se transforma em gato. Depois de fazer exaustivas pesquisas sobre os mitos dos vampiros em todo o mundo e se inspirar na figura pública do tenebroso príncipe Vlad III (guerreiro nascido na Transilvânia que tinha o costume pouco saudável de empalar seus inimigos) ele criaria Drácula. Sem saber, estava lançando um dos mais influentes clássicos do horror. Depois dele, a maioria dos filmes, games, séries e livros manteriam muitas das características básicas do Conde. Estou dizendo tudo isso porque o livro que vou falar agora descende diretamente de Drácula. No entanto, Entrevista com o Vampiro não faz da sua influência uma camisa-de-força, como muitos escritores, quadrinistas e diretores de cinema que se inspiraram na obra máxima de Stoker fizeram. Anne Rice escreveu sua história, como um discípulo que se apropria das melhores lições do mestre e as aperfeiçoa. A aluna que supera seu professor. Há quase trinta e cinco anos atrás, era lançado um novo clássico obrigatório de vampiros, considerado por muitos (eu incluso) como superior ao próprio Drácula. Uma façanha que nenhum outro escritor pode se gabar de ter feito. E isso tudo logo na sua estréia literária. Depois dele, Anne Rice seria eternamente conhecida como a Rainha do Gótico. “Vi meus verdadeiros deuses… os deuses da maioria dos homens. Comida, bebida e segurança no conformismo. Cinzas.” “A única coisa que se compartilha com todos os mortais é a morte.” Louis, um misterioso vampiro, decide revelar ao mundo a história de toda a sua vida e, conseqüentemente, o segredo que permanece oculto há milênios para a maioria dos seres humanos: a existência de vampiros entre nós. Ao marcar um encontro com um jovem jornalista, marca um encontro também com seu passado. E assim se inicia Entrevista com o Vampiro. “O vampiro era incrivelmente branco e suave, como se tivesse sido esculpido em osso descorado. Seu rosto parecia tão inanimado quanto uma estátua exceto pelos dois olhos verdes e brilhantes que examinavam o rapaz atentamente, como se fossem chamas saindo do crânio. O vampiro sorriu, quase melancolicamente, e a substância branca e macia de seu rosto se move com a linhas infinitamente flexíveis, mas máximas, de um desenho animado.” Anne Rice, logo nas primeiras páginas, já consegue elevar os vampiros para outro patamar. Aqui o vampiro não é mais um simples monstro, a personificação do mal. Nada em Entrevista é tão óbvio assim. Os vampiros de Anne Rice emanam uma aura capaz de fazer um mortal, com um mero vislumbre de seus rostos ou de seus olhos, perceber que são criaturas superiores, deuses da noite, anjos da dor. Criaturas sobrenaturais, livres para fazer o que quiserem sem se preocupar com julgamentos ou moralidade. Capazes de fazer suas próprias escolhas e caminhos, sejam estes bons ou maus. Perto deles, somo criaturas extremamente lentas e fracas, sem ter nem de longe a capacidade de ver, ouvir e sentir com a mesma incrível agudeza. Envelhecemos, adoecemos e morremos, enquanto eles permanecem tão jovens e belos quanto antes. Imutáveis por fora. Um mundo em constante transformação por dentro. “Ele parou perto de minha cama e se inclinou, de modo que seu rosto ficou sob a luz, e vi que não se tratava de um homem comum. Seus olhos cinza ardiam com uma incandescência, e as mãos longas e brancas que pendiam a seu lado não eram as de um ser humano. Acho que compreendi tudo naquele instante e tudo o que me disse depois seria dispensável. Quero dizer que, no momento em que o vi, percebi sua extraordinária aura e compreendi que se tratava de uma criatura como eu jamais vira, e que eu estava reduzido a nada. Aquele ego que não pôde aceitar a presença de um ser humano extraordinário ao seu lado estava esmagado. Todas as minhas concepções, até mesmo a minha culpa e minha vontade de morrer pareciam subitamente não ter nenhuma importância. Esqueci completamente de mim mesmo!” “Deite-me voltado para ele, extremamente confuso com a ausência de medo e sentindo um mal-estar por estar tão próximo dele, belo e intrigante como era.“ Não me levem a mal, considero Drácula um clássico absoluto do horror, mas ele peca por seus personagens planos e mal desenvolvidos. Se você por Quincey Morris, Lord Godalming e Dr. Seward lado a lado verá que quase não há diferença entre eles quando o assunto é personalidade. Anne Rice consegue fazer desse que é o maior defeito do romance de Bram Stoker a sua maior qualidade. Invés de mover seus personagens como peças de xadrez em um imenso tabuleiro como é feito em Drácula, são os seus personagens que movimentam a história, que a fazem acontecer e ser o que é. Raras vezes em um romance podemos encontrá-los tão bem definidos, cada um com uma personalidade única, uma história marcante e opiniões próprias. Quase nunca sabemos o que se passa por trás de suas fachadas de mármore ou o que esperar deles na próxima página. São tão complexos e intrigantes quanto uma pessoa comum, com quem você apenas cruza na rua. Cometem erros, mentem e amam, com a diferença de serem imortais que precisam de sangue e dormir em caixões para viver. Além disso, seus personagens não são as meras estátuas de cera que somos obrigados a engolir em muitos livros. Eles mudam conforme as páginas avançam, pra melhor ou pra pior. A própria visão de Louis sobre algum vampiro ou humano muda sempre, conforme reflete sobre seu passado. Cada transformação, em seres que não podem mudar sua aparência externa, chega a ser recomendada pelos próprios vampiros. Os que não conseguem mudar, se adaptar aos novos tempos, simplesmente morrem pouco a pouco. Anne Rice não precisa se estender por páginas mostrando as várias facetas dos seus personagens. Um simples gesto, um dar de ombros, um meio sorriso ou um momento de hesitação traduz bem mais que muito diálogo ou descrição. É raro ver um escritor dominar tão bem a linguagem corporal. “Qual o significado da morte quando se pode viver até o fim do mundo? E o que é o ‘fim do mundo’ além de uma frase, pois quem sabe, ao menos, o que é o mundo? Já vivi dois séculos, vi as ilusões de um serem transferidas para outro, sendo eternamente jovem e eternamente velho, sem possuir ilusões, vivendo cada momento de um modo que me fazia pensar num relógio de prata tiquetaqueando no vazio: o painel pintado, os ponteiros delicadamente esculpidos por mãos jamais vistas por alguém, sem olhar para ninguém, iluminada por uma luz que não era luz, como aquela sob a qual Deus fez o mundo antes de criar a luz. Funcionando, funcionando, funcionando, com a precisão de um relógio, em uma sala tão vasta quanto o universo.” “Quando via a lua sobre a laje, fiquei tão encantado que poderia ter permanecido uma hora ali. Passei pelo oratório de meu irmão sem nem ao menos pensar nele, e fiquei entre os choupos e os carvalhos, escutando a noite como se fosse um coro de mulheres sussurrando, todas me convidando para chegar aos seus seios.” Entrevista com o Vampiro tem um bom número de personagens, mas os grandes principais são três: Louis, Lestat e Cláudia. Para Louis a sua transformação em vampiro é ao mesmo tempo a maior aventura da sua vida e uma maldição. É como se um véu fosse retirado sobre seus olhos. Como ver o mundo pela primeira vez. Tornou-se seu costume ficar por horas a bruxuleante chama de uma vela, ouvindo o cantar dos pássaros ou sentindo os pingos da chuva com seus sentidos de vampiro. Mas tudo isso tem um preço caro demais. Tirar a vida de humanos inocentes, suga-los até a morte, noite após noite. Preferia se alimentar de animais. Mas o pior era não saber sua origem. Um demônio na Terra, um emissário do Diabo? Ou seria ele um criatura em que as leis e a moralidade não valem nada, dona do direito divino de julgar quem merece perecer? Lestat de Lioncourt é um fenômeno da literatura gótica. É um dos vampiros mais populares da cultura pop, rivalizando com o próprio Nosferatu. Tem uma newsletter e um fã-clube só dele e estampa os mais variados produtos, de vinhos a action figures. Tanta popularidade não veio à toa. Nesse grupo de carismáticos personagens ele é o que mais se destaca na maioria dos dez livros da série Crônica Vampirescas, série iniciada a partir do sucesso de Entrevista com o Vampiro. É o típico personagem cheio de auto-confiança e mistério nascido para quebrar regras que poderia ter surgido das páginas de um dos mais genial escritores de todos os tempos: Lord Byron. Responsável pela transformação de Louis. Nunca sabemos bem as razões dos seus atos ou o que se passa na sua mente. Sádico e sedutor, caça suas vítimas como um gato que brinca com o rato antes de devorá-lo. Para alguns ele pode ser um vilão, para outro um herói incompreendido por Louis, ou apenas alguém que não conseguiu suportar a solidão da vida de vampiro. “Tinha a pele mais macia e os maiores olhos azuis que já vi. Era forte, não era frágil como sou agora, e já era, então… Mas seus olhos… Quando olhava dentro de seus olhos, sentia-me como se estivesse no fim do mundo… numa praia oceânica batida pelos ventos. Sem nada, além do rugido macio das ondas.” “Gostaria de encontrar o Diabo uma noite dessas – disse-me certa vez Lestat com um sorriso maligno- Já o procurei até nos desertos do Pacífico. Eu sou o Diabo.” Cláudia, a criança transformada em vampiro, se torna a grande razão para permanecer vivo de Louis. Da mesma forma que Louis sofre por ter que matar ela sofre por saber que seu corpo nunca crescerá. Ficará eternamente presa a um corpo infantil e fraco. O relato de Louis é um exemplo de narrativa em primeira pessoa que se mostra muito superior a uma narrativa em terceira. Nós não apenas ouvimos a história de Louis (ou lemos, se você for meio carente de imaginação). Mergulhamos em sua alma. Compartilhamos cada sensação e sentimento seu, cada alegria, sofrimento e ódio perpassando seu corpo. Podemos sentir os diferentes cheios de um bosque e das pétalas das flores com seu olfato aguçado. O gosto do sangue e da morte, a sensação suprema entre os vampiros. Cada cenário, cada pequeno trecho, é escrito por Anne Rice com paixão e força. Amor e fúria. Eles transbordam de significados e profundidade. Nas mãos de outro escritor, Entrevista com o Vampiro poderia ser só mais um livro de vampiros entre milhares. Nas mãos de Rice, tornou-se obrigatório para qualquer fã de fantasia e de literatura gótica. Mas, sobretudo, para qualquer pessoa que goste de boa literatura. Até a escolha das diferentes épocas em que a história se passa não poderiam ser melhor escolhidos. Tudo se inicia no nosso tempo e durante a entrevista remonta até o fim do século XVIII, um século em que a superstição e o misticismo ainda eram mais fortes que a ciência e a lógica. Em que vampiros e demônios eram considerados membros da realidade, e não mitos. Conforme o relato se segue podemos sentir as décadas avançando. Sabemos em qual época estamos, mesmo sem isso nos ser dito diretamente. Vemos o século XIX abrindo espaço para o ceticismo científico e o pessimismo histórico. Até o século XX da MTV e da tecnologia presente nas nossas vidas. Uma das principais características dos vampiros de Rice é o nomadismo. Os vampiros não passam a eternidade estudando o ensino médio em uma escola como em certos livros que vemos por aí. Eles rodam o mundo. Afinal, são seres sobrenaturais que podem fazer e ir onde quiserem. Podemos ver Louis morar na Nova Orleans escravocrata e agrícola dos imigrantes franceses, cruzar o Egito dos faraós, a Paris no seu auge cultural, florescente de arte e beleza. “Paris era por si só um universo inteiro, cercada e modelada pela história. Era assim que parecia naqueles dias de Napoleão III, com seus prédios altos, suas catedrais maciças, seus imponentes bulevares e suas antigas e sinuosas ruas medievais – tão vasta e indestrutível quanto a própria natureza. Tudo era envolvido por ela, por seu povo volátil e cativante invadindo galerias, teatros e cafés, gerando sem parar, gênio e santidade, filosofia e guerra, frivolidade e a mais pura arte, de modo que dava a impressão de que todo o resto do mundo estava mergulhado em escuridão, o que era puro, belo ou essencial ainda devia ser procurado em seu seio. Até mesmo as majestosas árvores que enfeitavam e protegiam as ruas pareciam sintonizadas com elas e as águas do Sena, calmas e belas ao recortarem seu coração, de modo que a terra naquele ponto, tão moldada por sangue e consciência, deixava de ser terra e se transformava em Paris.” Drácula tinha em sua história trechos extremamente picantes para a Inglaterra Vitoriana. As esposas vampiras do Conde Drácula esbanjam sensualidade e lascívia, seduzindo suas vítimas para morte como a lâmpada que atrai uma mariposa. Stephen King, ao escrever seu segundo romance A Hora do Vampiro, temeu que esse artifício não funcionasse mais na nossa época e o limou da história. Já Anne Rice, um ano depois, não só o usou. Elevou-o ao cubo. Seus vampiros possuem beleza perene e os trechos de vampiros sugando sangue humano são verdadeiras performances entre amantes. O ritual de beber sangue é como o sexo para os vampiros. A morte da vítima, a sensação ansiada por eles toda a noite. Com ela, toda dor e sofrimento somem e a verdadeira essência da vida na beleza da morte é então compreendida. Perto disso, o sexo é apenas uma pálida e insignificante lembrança. “Deixei-o, vendo com sinistra fascinação ele correr, atravessando a nave central como se escorregasse na neve. E então saí atrás dele, tão rápido que logo o alcancei com meu braço estendido. Minha capa envolveu-o em escuridão e suas pernas tremiam. Ele me amaldiçoava, clamando a Deus sobre o altar. E então agarrei-o ali mesmo nos degraus da comunhão, obrigando-o a me fitar e mergulhando os dentes em seu pescoço.” “O ato de matar não é um ato comum (…). A gente não se satisfaz simplesmente com o sangue do outro (…). Certamente, trata-se do fato de experimentar a vida e , às vezes, a perda desta vida através do sangue, lentamente. É a continua repetição das sensações que tive ao perder a minha, ao sugar o sangue do pulso de Lestat e ao ouvir seu coração rufando junto ao meu.“ Um dos fatos que fazem de Drácula um dos meus romances góticos preferidos são pelos seus trechos de puro horror. Eles são simplesmente alguns dos mais poderosos do gênero. Quando li pela primeira vez eles eram tão poderosos para mim quanto um murro na boca do estômago. Infelizmente, Anne Rice não tem cenas de horror com a mesma intensidade. Embora conte com duas passagens de bom horror, o foco aqui está nos personagens e em suas histórias, no romantismo exacerbado, nas paixões avassaladoras. A diferença está no ângulo em que vemos as coisas. No romance de Stoker acompanhamos tudo pela visão do grupo principal de humanos. O vampiro é a ameaça. Já em Entrevista a história nos é contada pelo próprio vampiro. Anne Rice nos dá o que Bram Stoker pouco nos permitiu. Faz de Louis quase um uma pessoa íntima. Sabemos seus pensamentos e desejos, sua vida. O terror não é ser atacado por um vampiro. É a necessidade crescente por sangue humano que Louis não consegue aplacar. É seu desejo de aprender cada vez mais sobre si mesmo e a sua espécie sem ter ninguém para lhe ensinar além dele mesmo. O principal trunfo da maioria das obras de horror é a morte. Admitamos, sem ela o gênero estaria em maus lençóis. Afinal, são poucos que conseguem explorar outros medos, ainda mais terríveis, como fez Lovecraft com a loucura. Além disso, ela é única passagem universal, a que todos os seres vivos terão que passar um dia, mesmo sem ter a mínima idéia de transformações esperar dela. A única coisa que sabemos sobre ela é que teremos que enfrentá-la, mais cedo ou mais tarde. E quase todo mundo prefere que seja mais tarde. O fenômeno único, evitado até em conversas entre amigos, se transforma nos livros e filmes de horror em mito. Alguns trechos e cenas se tornam até lendárias. Ou vai dizer que é possível esquecer a decapitação no filme A profecia, a vingança de Carrie na estréia de Stephen King, ou ainda do assassinato debaixo do chuveiro em Psicose? A diversão rola livre, com vários graus de refinamento no cinema e na literatura. É o único gênero que nos permite ver pessoas sendo devoradas por baratas e dinossauros, absorvidas por uma bolha assassina, ou passando por cirurgia amadora com a serra elétrica do Leatherface. Mas em Entrevista com o Vampiro os principais personagens são imortais. Mesmo que o medo de morrer sempre esteja à espreita, ele é muito mais sutil e raro. Porém, a imortalidade pode ser tão ou mais terrível que a morte. A maioria dos vampiros sequer consegue viver mais de dois séculos por causa disso. “Deus não vivia naquela igreja. As estátuas transmitiam a imagem do nada. Eu era o sobrenatural naquela catedral. Era a única coisa imortal que jazia consciente sob seu teto! Solidão. Solidão até à loucura. Em minha visão, a catedral estremecia. Os santos balançavam e caíam. Ratos comiam a Santa Eucaristia e se aninhavam nas vigas. Um rato solitário com uma enorme continuou roendo a toalha podre do altar até o candelabro cair e rolar pelas pedras cheias de limo. E eu continuei de pé. Intocado. Imortal. Agarrando subitamente a mão de tinta da virgem e vendo-a quebrar em minha palma, esfarelada por meus dedos.” “— Mas não está sendo justo — disse, com o primeiro vislumbre de emoção na voz. — Certamente atribui grandes graus e variações à bondade. Existe a bondade da criança, que é inocência, e há a bondade do monge que abriu mão de tudo e vive uma existência de auto-privação e trabalho. A bondade dos santos, a bondade das donas-de-casa. São todas iguais? — Não. Mas igualmente e infinitamente diferentes do mal — respondi.” A estréia de Anne Rice discute a essência da morte e do mal. Serão os vampiros maus por ceifarem a vida de milhares de mortais? Ou eles fazem apenas o que ordena seu instinto de sobrevivência, como um leão que devora uma zebra? Será o mal um imenso e perigoso poço onde se cai ao primeiro pecado, mergulhando até o fundo? Louis dá a sua resposta e ela é a própria Entrevista com o Vampiro. O rapaz que realiza a entrevista Louis não tem seu nome revelado em nenhum momento da trama. Ele é o nosso avatar neste mundo povoado por vampiros, ocultos na escuridão. Suas perguntas são as nossas dúvidas. Quando Louis esclarece detalhes a ele é como se esclarecesse a cada um dos leitores. Mas Anne Rice não subestima a nossa inteligência. Alguns detalhes e o próprio sentido do romance nunca são ditos diretamente. Entrevista com o Vampiro, tal qual as grandes obras de arte, está aberta as mais diferentes interpretações. O livro pode ser visto como uma metáfora para os desejos humanos mais secretos. Os personagens da trama se tornam vampiros para poderem fazer tudo o que sempre quiseram fazer, mas não podiam por causa das leis e da moralidade da sociedade em que vivem. Como vampiros praticamente não há leis que os atinja. Estão livres para realizarem todos os seus objetivos, de se manterem à margem da sociedade, de exercer o direito de escolher quem merece morrer. E até ter o poder de julgar que pessoas merecem também esses direitos, e assim serem transformados em novos vampiros. Entrevista com o Vampiro é um dos melhores, talvez o melhor, clássicos góticos modernos. Depois do seu lançamento, vários outros escritores e artistas se inspirariam na obra de Anne Rice. Depois disso, ela marcaria também a literatura gótica com a série A Hora das Bruxas e participaria da adaptação cinematográfica de Entrevista com o Vampiro. A produção que contou com astros do nível de Brad Pitt e Tom Cruise e teve roteiro da própria autora. Mesmo tendo várias diferenças em relação à obra original o filme é hoje considerado um dos grandes clássicos do cinema de vampiros. Neste projeto e em seus outros livros, ela se confirmaria como uma das maiores escritoras da sua geração. E alcançaria o status que raros escritores de hoje em dia provavelmente possuirão, como Stephen King e G. R. R. Martin, o de ter seus romances lidos até muito após a sua morte. Assim como Lestat e Louis, Anne Rice se tornou imortal. Autora: Anne Rice Editora: Rocco Páginas: 312 Nota: 10