Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Estamos em 2017 e, infelizmente, ainda é difícil para as mulheres conseguirem cargos altos em seus empregos. Se ela for negra então essa dificuldade aumenta ainda mais. Agora imagine isso nos EUA do começo da década de 1960, quando alguns estados ainda possuíam leis que separavam brancos e negros. Nessa época, três mulheres negras conseguiram a façanha de se tornarem pessoas essenciais para que o programa espacial americano se transformasse em um grande sucesso. Katherine Jonhson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) trabalhavam em um departamento de matemática da NASA quando começaram a ser realocadas para outros setores e passaram a alçar voos maiores em suas carreiras, dentro de um ambiente dominado por homens brancos. Apesar da interessante história das protagonistas, o começo do filme chega a ser um pouco cafona ao apresentar suas heroínas. A primeira vez que vemos Katherine é ainda na infância quando ela é matriculada em uma escola mais avançada, uma vez que seus professores identificaram que ela era superdotada. Para martelar na nossa cabeça que ela já era um gênio, o diretor Theodore Melfi apresenta a menina enxergando formas geométricas em todos os cantos, com direito a essas formas flutuarem pela tela, além dela ficar recitando fórmulas matemáticas o tempo todo. Para finalizar, vemos ainda uma turma de alunos, bem mais velhos que ela, com o olhar perplexo enquanto ela resolve um complexo problema matemático (cena que possui uma rima visual mais para o final, dessa vez com matemáticos da NASA no lugar dos alunos). Já a personagem de Octavia Spencer nos é apresentada enquanto conserta um carro, mostrando o quanto ela entende de componentes mecânicos. E quando a personagem Mary Jackson quase desacata um policial, já entendemos que ela é o tipo de pessoa que não aceita as coisas como são e, em algum momento, vai tentar mudar tudo. Aliás, essa cena serve também para deixar claro o quanto era difícil ser negro nos EUA daquela época. Mesmo passando pela dificuldade de um carro enguiçado e precisando de ajuda, as amigas ficam tensas ao ver que uma viatura se aproxima. As três atrizes fazem um excelente trabalho e fica óbvio em suas expressões corporais que elas realmente temem ser presas, mesmo que não estivessem fazendo nada de errado. Apesar disso, o roteiro (escrito por Theodore Melfi e Allison Schroeder) parece não confiar na habilidade de suas atrizes em transmitir o desconforto da situação e acaba apostando em diálogos desnecessariamente expositivos nesta cena. São coisas do tipo “não há crime em um carro quebrado”, ao que outra personagem responde “não há crime sem ser negro também”. Felizmente, apesar desses pequenos deslizes iniciais, o diretor mostra que é capaz de contar a história com imagens um pouco mais sutis. A primeira vez que Katherine entra no novo local de trabalho, por exemplo, Melfi filma a cena com uma lente que deixa a personagem bem pequena e o ambiente ao redor dela bem maior do que realmente é. Afinal, acostumada a trabalhar sempre na presença de mulheres negras, ela está entrando em um ambiente hostil, no qual a única mulher é branca e parece não se importar com ela. Também é interessante que, em um momento no qual ela está sendo interrogada, a figura do chefe Al Harrison (Kevin Costner) aparece em primeiro plano ocupando grande parte da tela, enquanto Katherine está sentada ao fundo e cercada por outras pessoas de pé. Já quando Mary Jackson está prestes a conseguir uma importante vitória, o diretor é hábil em antecipar este momento ao aproximar lentamente a câmera do rosto da personagem. Assim, mesmo antes de ouvir o resultado final, o espectador já percebe (mesmo que inconscientemente) que tudo vai dar certo. E não é à toa que o momento em que o primeiro americano consegue ficar em órbita da Terra coincida com uma pequena vitória conquistada por Dorothy Vaughn. Estrelas Além do Tempo também é eficiente ao mostrar como a segregação dos negros era, lamentavelmente, encarada de forma normal pelas pessoas brancas. Em certo momento, a personagem Vivian Mitchell (Kirsten Dunst) diz que não tinha nada contra Dorothy, ao que esta responde “eu sei que você acredita nisso”. Afinal, na cabeça de Vivian ela não estava fazendo nada de mal, apenas seguindo a “ordem natural” das coisas. Já quando Katherine pergunta onde fica o banheiro, a secretária de Harrison responde, com bastante naturalidade, que não sabe onde fica o banheiro dela. E volta a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Assim acompanhamos toda uma maratona de Katherine até seu antigo prédio para que possa simplesmente utilizar o banheiro. E é uma pena que a primeira vez que ela faça isso, o diretor tenha escolhido mostrar a cena como algo engraçado, com a personagem correndo pra lá e pra cá como uma barata tonta. O filme ainda encontra espaço para uma cena em que um personagem branco surge como o salvador dos negros. Neste caso, Al Harrison quebrando a placa do banheiro para pessoas de cor. Apesar dessa direção inconstante, Estrelas Além do Tempo encontra força na interpretação de suas atrizes principais. Notem como a Katherine de Taraji P. Henson exala confiança quando está fazendo seus cálculos, mas encolhe o corpo ao perceber todos olhando para ela. Já a Dorothy de Octavia Spencer parece nunca se abalar com os abusos da sua chefe, mas apenas com um simples olhar consegue transmitir toda a raiva que está sentindo. Enquanto isso, Janelle Monáe consegue entregar uma Mary Jackson que esbanja confiança em sua linguagem corporal, mesmo quando seu olhar parece assustado diante de alguma adversidade. Entre altos e baixos, Estrelas Além do Tempo consegue contar de forma satisfatória a história dessas três grandes mulheres, além de mostrar todo o clima de tensão em que viviam Estados Unidos e União Soviética no começo da década de 1960. E é uma pena chegar ao final do filme com a sensação de que muita coisa mostrada ali sobre racismo continua acontecendo até hoje, mesmo que seja de maneira velada (às vezes nem tanto). O que só prova que, mesmo tendo pisado na lua, a humanidade ainda tem muito a evoluir. [quote_box_center]Estrelas Além do Tempo / Hidden Figures (EUA/2016) Direção: Theodore Melfi Duração: 2h 7min Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst.[/quote_box_center]