Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “O assaltante é um mané. Eu sei disso. Ele sabe disso. O banco inteiro sabe disso. Até meu parceirão Marvin, que é mais mané do que o assaltante, sabe disso. O pior de tudo é que o carro do Marv está estacionado lá fora, e o parquímetro, correndo. Estamos todos deitados aqui no chão de cara pra baixo, e os 15 minutos de estacionamento estão quase acabando.” Eu fui atrás de Eu sou o mensageiro por motivos bem óbvios pra qualquer um que me conhece. Era um dever para eu ler outro livro de Markus Zusak, o cara por trás de A Menina que Roubava Livros. Mas se minha intenção era ler outro romance tão grandioso quanto o narrado pela Morte pude ver logo na primeira linha que me enganei feio. Mesmo que a estrutura seja semelhante, o terceiro livro de Zusak é completamente diferente. O tom, personagens e até mesmo o desfecho vai contra o que ele fez antes. A começar pelo protagonista Ed Kennedy. O cara é a representação do fracasso. Cagou pra universidade e resolveu seguir a vida como taxista (péssimo, por sinal). Mora sozinho num buraco de casa, e sua única companhia é Porteiro, um cachorro tão fedorento que nem adianta dar banho nele. Seus amigos são tão ou mais vagabundos quanto ele e sua rotina se resumia a rodar com o táxi e jogar cartas com seus chapas Marv, Audrey e Ritchie. Sua vida se resumia a isso. Nem mesmo no amor se dava bem. Suas ex-namoradas diziam que nunca tinham conhecido alguém tão atrapalhado e ele se cagava de medo de transar com alguém porque era péssimo de cama. Mas uma coisa que ele faz acaba por mudar tudo. Durante um assalto a banco ele consegue deter o bandido e evitar sua fuga. É tratado pelos jornais e conhecidos como um herói. Tudo seria ótimo se então ele não recebesse uma carta anônima. Dentro do envelope apenas uma cartas de baralho, um Ás de Ouros. Escrito nela três endereços e um horário respectivo. Ele fora escolhido. O mensageiro que deveria resolver os problemas das pessoas das cartas, melhorar a vida delas de alguma forma. Algumas das suas missões são ajudar um padre atormentado pela sua igreja vazia e uma viúva que espera pelo marido até hoje, mais de sessenta anos após a morte dele. “1- Quando tinha 19 anos, Bob Dylan já era um veterano da noite do Greenwich Village, em Nova York. 2- Salvador Dalí já tinha pintado uma porrada de quadros sensacionais e se rebelado quando fez 19 anos. 3- Joana D’Arc era a mulher mais procurada e caçada no mundo quando tinha 19 anos, tendo criado uma revolução. Daí vem Ed Kennedy, também com 19 anos de idade… Um pouco antes do assalto lá no banco, eu estava fazendo um balanço geral de minha vida. Taxista- pra conseguir este emprego, tive que mentir a idade (É preciso ter no mínimo 20 anos) Não segue carreira nenhuma Não tem o menor respeito na comunidade” “Estou sempre me perguntando: ‘ E aí, Ed, o que você fez de útil nesses 19 anos de vida?’ A resposta é simples: Porra nenhuma.” Quem está por trás das cartas? Essa pessoa capaz de mover pessoas por um objetivo maior e parece saber tudo sobre tudo? Só saberemos no final. E não, você não vai conseguir desvendar antes. Chega a ser óbvio, mas ninguém nunca pensaria nisso. “Geralmente passamos a vida acreditando em nós mesmos. “Eu tô bem”, dizemos. “Tá tudo bem”. Mas às vezes a verdade pega no pé e não tem santo que faça desgrudar. É aí que percebemos que às vezes ela nem chega a ser uma resposta, mas sim uma pergunta. Talvez todos possam superar seus próprios limites de capacidade.” Eu sou o mensageiro mistura diversos estilos no mesmo estilo. É um livro de mistério, embora esse esteja longe de ser seu foco. Há momentos tocantes, aqui e ali. Além da mensagem por trás. Mas nada como A Cabana, que é muito mais uma ficção de auto-ajuda do que outra coisa (o próprio William Young assume isso, antes que você reclame de alguma coisa). Markus Zusak passa sua mensagem, mas não esquece de que o importante é construir uma boa história, capaz de entreter seus leitores. Seu objetivo é bem esse. Ele não quer revolucionar a literatura, nem inspirar multidões. E sim ser uma obra capaz de agradar qualquer pessoa com bom gosto para a leitura. Assim como A menina que roubava livros a narrativa aqui também é em primeira pessoa. Mas Ed o faz de maneira despretensiosa, evidenciando sua banalidade e mediocridade em relação à sua vida. Mas já está tão acostumado com isso que mal esboça uma queixa. O palavreado é grosseiro, lembrando um pouco a linguagem suja de Bukowski, mas sem a mesma carga dramática e amargura do Velho Safado. A história é muito mais engraçada do que triste, lotada de tiradas auto-irônicas e personagens reais, mas um pouco caricatos. “Parece até que estou na escola de novo, com o professor de matemática – aquele sádico- na frente da sala só dando ordens, quando no duro mesmo ele está cagando e andando, não vê a hora da sirene tocar e poder voltar pra casa, encher o bucho de cerveja e engordar feito um porco de cara pra TV” A perspectiva da narração de Ed é completamente diferente de, senão de todos, da maioria dos livros narrados em primeira pessoa. Em Moby Dick, Dom Casmurro, Lobo do Mar ou Apanhador no Campo de Centeio os protagonistas contam histórias que lhe aconteceram no passado. Já Ed nos conta suas desventuras no exato instante que lhe acontecem. Ao vivo. O resultado é que nem mesmo ele faz idéia do que vai rolar no final. Está tão curiosos quanto nós mesmos pra descobrir. Os personagens, como já disse, podem soar caricatos, mas são apresentados tão bem que é impossível não se identificar com cada um deles. Além do próprio Ed há a boa vida de seu amigo Ritchie, que parece nunca ligar pra nada. Ou Marv e sua chatice e pão-durismo, lembrando de cada amigo pentelho que a gente já teve durante a vida. Ou Audrey que faz de tudo para não criar vínculos emocionais com ninguém, mas ama Ed e por isso mesmo não pode ficar com ele. Com o tempo vamos sabendo que nenhum personagem era exatamente o que imaginamos no início. Nem mesmo Ed. Até a história ali não é a mesma que parece logo de cara. Só adianto que ele é um herói. Um dos mais improváveis, mas um herói de qualquer forma. “O que você faria no meu lugar? Me diga! Por favor, me diga! Mas você está longe disso. Seus dedos vão virando a esquisitice destas páginas que de certa forma ligam minha vida com a sua. Seus olhos estão seguros. A história pra você não passa de mais umas 100 páginas em sua mente. Pra mim, está aqui. É agora. Tenho que ir até o fim, considerando o custo a todo o momento. Nada será o mesmo. Vou matar esse homem e vou morrer aqui por dentro. Quero gritar. Quero gritar, perguntando o porquê disso tudo. Hoje o céu está todo iluminado de pontinhos espalhados, parece até que vai chover estrelas, mas nada me acalma. Não tem saída” Além da vida comum que leva ainda precisa aturar a mãe, que sempre que fala com ele é para falar mal dele e lembrá-lo que é o único filho dela que não deu certo na vida. A mãe ranzinza parece ser um elemento recorrente nas obras de Zusak. Em A menina que roubava livros a mãe Rosa chamava a personagem Liesel de porca pra baixo. Em Eu sou o mensageiro a mãe de Ed o chama de filho da puta, veado e outros palavrões piores ainda. Eu não sou de dar spoilers, mas preciso dizer que o final de Eu sou o mensageiro é uma das coisas mais bem sacadas que já vi em um livro. Incrível como O Zusak é capaz de criar finais que vão muito além da última linha. Eu mesmo fiquei horas refletindo sobre seus finais depois que acabei os dois romances que li dele. Entretanto, Eu sou o mensageiro não tem a mesma força de A menina que roubava livros. É um ótimo livro, mas só isso. Seu desfecho sobe o nível e fez com que eu aumentasse em um ponto a sua nota. Mas é somente uma leitura ligeira, para se entreter mesmo ou para conhecer um pouco mais da obra desse australiano chamado Markus Zusak, uma das maiores revelações literárias da última geração de escritores. Autor: Markus Zusak 320 Páginas Nota: 7,5 Compre e leia também “Eu sou o mensageiro”!!