Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Semana passada, entre 25 e 28 de outubro, aconteceu em Curitiba a Gibicon nº 1. E é óbvio que lá fui eu pegar autógrafos dos meus quadrinistas preferidos, assistir palestras e debates, acompanhar lançamentos e, é claro, torrar toooodas as minhas economias em quadrinhos. A programação (como de costume) estava recheada de coisas, sendo que foi preciso escolher entre uma ou outra, pois muitas aconteciam ao mesmo tempo ou acavalando-se sobre as outras. Entre diversas escolhas difíceis, decidi encaixar um debate sobre mulheres nos quadrinhos, com Ana Luiza Koehler e Pryscila Vieira, mediado por Sonia Luyten. Pryscila Vieira é conhecida principalmente pelas tiras de Amely, a boneca inflável que “fala e pensa”, publicada na Folha de São Paulo. Curitibana, formada em Design, Pryscila ganhou três vezes o primeiro lugar no Salão de Humor de Piracicaba. Já tinha lido algumas tiras dela, mas nunca me interessei muito, principalmente por não gostar da ideia da boneca inflável (muito menos do desenho), mas também por não ter visto graça na maioria das piadinhas, que acho até repetitivas e cansativas. Durante o debate, Pryscila até explicou a origem da personagem, contando que Amely é uma resposta para um ex-namorado dela que não queria discutir a relação. Isso a levou a pensar que o cara precisava namorar uma boneca inflável. Foi então que ela criou Amely, uma boneca inflável que “fala e pensa”, usando-a para expressar muito do que sente em relacionamentos. Até aí tudo bem, mas ela contou no debate que Amely acabou se tornando uma porta-voz dos direitos das mulheres, que organizações de outros países até pediram a ela permissão para traduzir e utilizar as tirinhas nesse sentido, ao que ela se surpreendeu, por não ser “feminista, nem nada” e só ter começado as tirinhas para “se vingar do ex-namorado”. Além de eu não ter muita simpatia prévia pelo trabalho da moça, a história por trás da personagem e tudo que ela disse no debate só trabalharam a favor da intensificação dessa… falta de simpatia. Nada na trajetória ou no trabalho dela de modo geral, nem no “modo de ser” que ela expressou durante o debate, foi capaz de me cativar. Aliás, pelo contrário. De qualquer forma, é uma mulher cartunista, premiada e relativamente respeitada. Infelizmente soltando umas besteiras aqui e ali, mas há de se ver o lado bom das coisas. E, pelo que ela contou, há pessoas que gostam do trabalho dela, se identificam e ficam mais felizes com ele. Então tá então, cada um na sua. Do outro lado da mesa, algumas vezes silenciando diante da pouca modéstia de sua contraparte, estava Ana Luiza Koehler, que é repetidamente anunciada como “conhecida no mercado franco-belga de quadrinhos”. Eu conhecia apenas algumas ilustrações dela e um trabalho de jornalismo em quadrinhos que ela desenhou, mas, mesmo assim, já me senti muito mais impelida a simpatizar com tudo nela. Além de ser dona de um traço lindo, ela fez as melhores e mais válidas afirmações, dando vida ao debate. Sem falar que é bastante simpática de modo geral, possuindo atributos que particularmente me agradam muito mais. Embora o debate tenha sido interessante (em suas duas horas de duração), lamentei que ele tenha girado demais em torno de bater na velha tecla da crítica ao mercado mainstream de quadrinhos de super heróis norte-americanos e como ele simplesmente não é feito por mulheres nem para elas, pois eu considero isso bastante evidente. É evidente que vivemos em uma sociedade cuja indústria de entretenimento é majoritariamente feita de homens brancos para homens brancos. Evidenciar e reclamar disso, comentando e criticando as obras que objetificam a mulher e que não dialogam com ela ou com qualquer minoria, me parece, no momento em que vivemos, simplesmente perda de tempo. Uma mera menção seria suficiente para tratar do assunto. Faltou espaço para mencionar e gerar discussão em torno dos quadrinhos que de fato dialogam com as mulheres, pois ao meu ver não são poucos. Mesmo os criados por homens. Não que o debate tenha sido perda de tempo, só acho que ele poderia ter sido melhor aproveitado falando justamente das obras que dialogam com as mulheres e não em como elas são poucas ou praticamente inexistentes, mal mencionando alguma. Talvez tenha faltado um pouco de planejamento nesse quesito e talvez muito tempo tenha sido “investido” em falar sobre a carreira e a vida de Pryscila Vieira, que parece fazer questão dos holofotes em detrimento do conteúdo da discussão. Ela mesma diz que não é feminista, que não se informa a respeito. E embora sua principal personagem transmita ares feministas, tudo nela me pareceu mais voltado para a própria imagem. Soou algo como “minha personagem pode soar feminista, mas ela é simplesmente e apenas sobre mim – e eu não sou feminista, não sei o que é feminismo e nem pretendo saber”. Vi até um direito de resposta dela à críticas ao seu cartaz para a Gibicon em um blog por aí, no qual ela se defendia e afirmava novamente nada saber sobre feminismo, reclamando seu direito de ser ignorante a respeito de certas coisas. Só acho um pouco incoerente ela insistir em permanecer ignorante quanto a justamente esta coisa em específico. Mas tudo bem. Acho que seria perda de tempo chafurdar nos peitos e bundas empinados e abdômens sarados dos quadrinhos de super herói em busca de algo feito pelo ou para o universo feminino. Mas também acho que é andar em círculos se revoltar com isso. Algumas coisas ainda saltam aos olhos e realmente incomodam muito, mas é bem mais interessante discutir sobre Alison Bechdel, por exemplo, ganhadora de um Eisner Award em 2007, por Fun Home, que lida com assuntos gigantes em peso e conteúdo. Ou Marjane Satrapi, que agrupa ainda mais minorias e conta a história de seu povo. Ou Aline Crumb, que também dá lá sua contribuição. Mas se é para dialogar com as mulheres, por que não Maitena? Por que não falar da Chiquinha? Da Cynthia Bonacossa? Ou ainda da Samanta Flôor, que poderia muito bem fazer uso de uma merecida divulgação de seu trabalho? Ou homens cujos trabalhos dialogam com as mulheres, como Daniel Clowes, com seu aclamadíssimo e super feminino Ghost World. Ou Adrian Tomine, com sua sensibilidade e ótimas personagens femininas, ou os Hernandez, com seu Love and Rockets. Até Fábio Lyra poderia ter sido citado, com sua Menina Infinito, que foge dos estereótipos de corpos femininos que ilustram os quadrinhos em geral e vive aventuras bastante femininas. Ou, partindo pro criticado mangá, onde até vemos uma ou outra personagem forte e boa representante do mundo feminino, como Sailor Moon, Cinderalla, de Junko Mizuno, ou a insana Bambi, de Atsushi Kaneko, apontando sua arma cor-de-rosa para a cara do leitor, esbanjando girl power. E aposto que nem só de alienação e delicadezas virginais vive o vasto mundo dos quadrinhos orientais, que no debate ficou relegado à generalização. Até Habibi, o recente tijolão de Craig Thompson, que é parcialmente protagonizado por uma excelente e poderosa personagem feminina, seria um tema legal para o debate. Só Habibi já daria duas horas e meia de debate, só sobre a mulher nos quadrinhos, embora fosse mais proveitoso citar autoras mulheres e suas respectivas obras. Por incrível que pareça, depois de tudo que eu escrevi aqui, realmente gostei do debate, embora não tenha tido culhões para levantar a mãozinha e expôr minhas ideias (apesar de tal atitude ser bastante incentivada em todos os debates, paineis e palestras em eventos como a Gibicon). Aliás, aproveito para dizer que sinto muito por não ter feito isso. E também para me defender, pois não senti que houve um espaço, sendo que o debate foi longo, intenso e foram feitas várias perguntas que divergiram por outras ramificações do assunto, como o papel da arte nas escolas, formação de professores, analfabetismo visual, idealização do corpo feminino, entre outras coisas. De qualquer forma, é sempre ótimo estar em eventos de quadrinhos e assistir a discussões relacionadas ao tema , estar entre pessoas interessadas, conhecer artistas e assim por diante. Recomendo fortemente!