Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Todos os dias milhares de garotas fazem sexo. Pensam sobre sexo. Desejam fazer sexo. Assim como garotos. Assim como praticamente todas as pessoas, independente de raça, cor, credo e, em muitos casos, idade. E por mais que isso seja relativamente de conhecimento geral, parece um choque terrivelmente constrangedor e avassalador quando o fato de que alguém em particular conduz atividades sexuais ou simplesmente tem um par de peitos é tornado público. Foi mais ou menos isso que aconteceu com Amanda Todd, uma canadense de apenas 15 anos. Como muitas meninas inseguras com seus corpos, ela se deixou levar pela lábia de “um cara” na internet e enviou uma foto dos próprios peitos, sem saber que aquilo a infernizaria até, literalmente, o fim da vida. O cara fez questão de circular a tal foto entre amigos, parentes e colegas de Amanda, chantageando e torturando-a por mais de um ano. Para “ajudar”, todos os coleguinhas da escola fizeram questão de prolongar e intensificar a tortura e a sacanagem, zoando e hostilizando a menina ainda mais e fazendo com que ela mudasse de escola duas vezes. Depois de passar por muito sufoco com ansiedade, depressão, drogas e tentativas de suicídio, Amanda postou um vídeo de nove minutos contando sua história. Infelizmente, cerca de um mês depois, ela foi encontrada morta em sua casa. Casos como esse são estimulados por uma repetição de comportamento reforçado pela mídia, que leva as pessoas a agir como se o sexo fosse uma aberração, como se esse tipo de comportamento (interação sexual virtual) fosse algum tipo de crime ou absurdo, ou como se ninguém nunca fizesse isso. Algo que parece ser tão mal visto pelas pessoas em geral a ponto de fazê-las pensar que têm o direito de hostilizar ou exilar alguém, simplesmente porque tal pessoa teve o azar de ter seus atos nada incomuns trazidos a público. O assunto é relativamente debatido por dois filmes recentes, ainda que nenhum envolva fotos ou interação virtual, ou mesmo prática de sexo propriamente dito. Ambos falam sobre sexualidade feminina na adolescência e o fato de que, ainda que não declaradamente, não parece permitido que mulheres tenham ou desejem ter uma vida sexual. Ambos os filmes fazem referências muito claras ao livro A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne, publicado originalmente em 1850. Vamos a uma rápida sinopse do livro: “Na rígida comunidade puritana de Boston do século XVII, a jovem Hester Prynne tem uma relação adúltera que termina com o nascimento de uma criança ilegítima. Desonrada e renegada publicamente, ela é obrigada a levar sempre a letra “A” de adúltera bordada em seu peito. Hester, primeira autêntica heroína da literatura norte-americana, se vale de sua força interior e de sua convicção de espírito para criar a filha sozinha, lidar com a volta do marido e proteger o segredo acerca da identidade de seu amante. Aclamado desde seu lançamento como um clássico, A letra escarlate é um retrato dramático e comovente da submissão e da resistência às normas sociais, da paixão e da fragilidade humanas, e uma das obras-primas da literatura mundial.” Como provam os filmes de que vou falar, o caso de Amanda Todd e de várias meninas da minha cidade (e aposto que da de vocês também), que tiveram mídia de conteúdo sexual divulgada, ainda estamos, de certa forma, reproduzindo o comportamento de comunidades puritanas do século XVII. Reflitamos. Voltando aos filmes, é interessante (e um tanto lamentável) ver a diferença da postura quanto à sexualidade das protagonistas. No filme americano, Easy A (2010), também conhecido como A Mentira, estrelado por Emma Stone, tudo gira em torno de mentiras criadas por uma menina nada interessada em sexo, que não tem ao menos uma vida amorosa no sentido puramente romântico, que começa assim de bobeira a espalhar por aí que transou com um cara e depois começa a fazer acertos, exemplo: o garoto gay da escola, que precisa de uma pequena fachada pra se afirmar, passando por vários garotos rejeitados e sem sorte na arte da pegação que precisam que conste em seus currículos que já pegaram alguém. Já no filme norueguês, a diferença já começa a gritar no título: Turn Me On, Dammit! (2011) (que, em tradução livre, significa algo como “Me excita aí, caramba!”). Sim, assim desse jeito mesmo, com ponto de exclamação e tudo. O filme já começa com uma cena punk (para os padrões americanizados) em que a protagonista, Alma, de 15 anos, aparece deitada no chão da cozinha, com as calças abaixadas e a mão por baixo da calcinha, com a cabeça ao lado do telefone, pelo qual um atendente de “tele-sexo” fala com ela. Embora posteriormente o filme debata o fato de que um menino cutucou Alma com o pênis de um jeito bastante bizarro, ela contou para uma amiga, a coisa se espalhou, o menino negou e então ela passou a ser hostilizada e zoada por todo o vilarejo por causa disso, o assunto principal parece ser a latente excitação sexual de Alma. Ela tem sonhos eróticos com o menino, mas também com muitas outras pessoas. Ela está tão excitada que liga para o tele-sexo, ela não consegue pensar em outra coisa. Ela se masturba. “OH MEU DEUS, MULHERES SE MASTURBAM!?” Pois é, amigos, aparentemente é assim para algumas de nós na Noruega. Por favor, não se choquem muito. A grande diferença, embora ambos debatam a hostilização tremendamente injusta sofrida por ambas as meninas, é que Easy A, o filme americano, parece ignorar completamente qualquer tipo de sexualidade da protagonista. Ela finge fazer muito sexo, ajuda a espalhar os boatos, leva má fama, as pessoas a tratam mal, viram as costas pra ela, mas ela é virgem. Ela nem pensa em sexo. Chega a ser bizarro o modo como isso é solenemente ignorado. O filme envolve muitos boatos relacionados a sexo, mas sem uma sugestão que seja à prática ou ao menos ao desejo de praticá-lo, reforçando aquele velho endeusamento à virgindade e à pureza. Embora a hostilização também aconteça no filme norueguês e as pessoas do referido vilarejo comportem-se de modo igualmente hipócrita e retrógrado, ao menos eles têm a decência de debater algo muito importante, que é a sexualidade da mulher. E o fato de que não há absolutamente nada de errado nisso, de que, por exemplo, existem mulheres que têm o mesmo problema que os homens na puberdade. De que mulheres são seres humanos normais e com funções sexuais tanto quanto os homens, suscetíveis às mesmas vontades e impulsos e etc. Se há algo errado, esse algo é o modo como as pessoas reagem e tratam o assunto, tirando sarro, hostilizando e humilhando quem tem o azar de ter algo relacionado a seus impulsos sexuais tornado público, algo que está se tornando cada vez mais comum com a popularização de meios de captação, transmissão e propagação de imagens e vídeos. É uma pena mesmo que Turn Me On, Dammit! seja norueguês, alternativo, estranho e que, apesar do seu final feliz e do seu jeito bobinho, ele não tenha a menor chance de receber nem metade da metade da metade da atenção dada a um filme hollywoodiano, mesmo um que não tenha recebido tanta atenção assim, como Easy A, que não obteve tanta projeção, apesar de ter sido estrelado por Emma Stone, Amanda Bynes e Phoebe Buffay, digo, Lisa Kudrow. E é uma pena que os filmes americanos, ainda que em sua relativa e eventual liberdade sexual, detenham um poder absoluto diante do comportamento e da reação do público de modo global e permaneçam em sua tradicional postura repressora. Ainda que os seriados Sex and The City e Girls, por exemplo, tragam um pouco do universo sexual feminino, dificilmente veremos algo que trate o sexo tão aberta e inocentemente como Turn Me On, Dammit! o faz. O que é uma pena, amigos. Evitaríamos muitas tragédias, incômodos e constrangimentos se simplesmente nos fizéssemos o favor de colocar o sexo no lugar dele.