Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “São quase três horas andando em uma estrada entre Botucatu e lugar nenhum. Mato seco em ambos os lados e o posto mais próximo está há pelo menos mais seis horas de caminhada. Sua água já acabou e seus lanches também. Uma torneira na entrada de um futuro empreendimento imobiliário proporciona mais um pouco de água. Dormir em algum canto à beira da estrada passa de possibilidade desesperada à opção bem plausível. Filhos da puta passam por você buzinando e rindo, mas nenhum para dar carona. Quando foi que passamos a ficar tão desconfiados uns dos outros? Então um treminhão para no acostamento por causa de um pneu furado e surge uma esperança de conseguir uma carona…” É extremamente difícil para mim analisar o mais novo filme de Walter Salles somente pela película em si. Ainda mais na situação em que me encontro agora. Acabei de chegar e casa após ver o filme. Estou bêbado e continuo bebendo durante a produção deste texto. Saí do cinema e fui beber em plena Rua Augusta em companhia de um contador que atua como clown em hospitais, de um diretor/produtor de cinema gay e de uma atriz de teatro recém-formada e deslumbrada, sem saber do monte de merda que a aguarda. Jack Kerouac é um dos meus escritores favoritos e On the Road só não fodeu minha cabeça porque quando li o livro já tinha feito mais da metade das merdas que rolam ali. Tudo bem que Vagabundos iluminados fez um puta estrago depois, mas não é esse o foco agora, certo? A questão é que o filme Na estrada, baseado na obra de Kerouac traz uma gama infinita de lembranças alteradas pelo excesso de bebida, drogas e sexo e… bem, isso me fez gostar do livro e do filme. “Está chovendo pra caralho e estou dentro de um carro em algum lugar entre São Bernardo e São Paulo. Dirigindo ao meu lado está um ator pornô chapado de whisky e maconha. No banco de trás tem um moleque de 18 anos balbuciando ‘on the road… on the road’ o tempo todo, com uma guria desmaiada no colo dele. Acabamos de sair de um show cover do Raul Seixas. Vemos uma placa escrito ‘Mooca’ e a acompanhamos. De repente, estamos na Rodoviária do Tietê. Resolvemos descer ali mesmo. Tomara que o motorista chegue vivo em casa”. Sua vida teve um grande clímax e acabou depois disso? Se está lendo este texto, é óbvio que não. Na estrada aborda pura e simplesmente um período da vida de Sal Paradise, aspirante a escritor que conheceu Dean Moriarty, se encantou com ele e passou alguns anos de sua vida em sua companhia viajando pelos Estados Unidos. Está aí o filme inteiro. Isso pode ser a coisa mais foda de toda a sua vida. Ou pode ser um monte de bosta e tempo perdido. Vai depender de como encara tudo isso ao fim da jornada. É um momento onde não existe amanhã. Tudo o que importa é aproveitar a vida agora ao máximo. E se emprego, casamento, filhos e amigos estão te atrapalhando… Bem, fodam-se eles. O que importa é aproveitar. Não há futuro para se preocupar. Ao acordar, há um novo agora e isto deve ser aproveitado e celebrado. É lindo? É idiotice? “As meninas saíram para comprar cerveja e estou trancado no apartamento com mais dois caras. Bêbado e cheirado, a única coisa que quero é comer loucamente uma delas enquanto acabamos de escrever a ideia de uma ópera-rock que tivemos antes do whisky acabar. Duas meninas e três caras. Nenhuma delas topou brincar a três e o sujeito que sobrou está puto. Ando de um lado para outro da sala tentando consertar a situação, até porque a guria que ele queria literalmente pulou em cima de mim e não me restou opção a não ser corresponder. Mentira. Eu poderia ter negado, mas estava pouco me fodendo pra ele. Mas elas haviam levado as chaves e eu andava de um lado para outro da sala fumando e virando copos vazios em busca de uma gota de bebida e me desculpava por algo que realmente não era culpa minha e não estava ajudando em nada. Elas voltaram, despejaram cervejas geladas em cima da mesa e fui abduzido para um dos quartos”. Impossível ver Dean Moriarty seminu, vestindo apenas um roupão e não lembrar de Tyler Durden. Mas o primeiro realmente existiu, não é simples fruto de ficção. Longe de mim achar que as impressões da Sal Paradise correspondem à realidade, mas é o que ele viu. É o que ele sentiu. E nos mostra a ascensão e queda do seu ídolo. Não é bonito. Não é o ideal. Não é mágico. Mas você não faz o que Moriarty faz e fica impune. E não é preciso chegar ao Paraíso ou ao Inferno para perceber isso. É um filme de pessoas comuns que resolveram aproveitar e pagaram por isso. E o que você fez da sua vida ou tem vontade de fazer é que vai determinar sua impressão sobre a obra, seja no papel ou em película. O filme honra o livro sem fazer julgamento. Seja nas atuações, na fotografia, na trilha sonora, o que interessa está ali. Claro que falta muita coisa em relação ao texto. Sempre falta. Mas você vai sentir tesão pela Kristen Stweart e isso vai foder sua cabeça por um bom tempo. Citando Dean Moruarty: “Deus é um ser inescrupuloso”. Convivam com isso.