Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Obras de ficção que misturam uma situação imaginária e fantasiosa com situações muito reais quase sempre acertam em cheio. Relacionamentos, ao menos para algumas pessoas, podem ser tão complicados a ponto de fazer ficção científica parecer simples e fácil. Esta aí, destacando-se com louvor, o grande filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Estrelado por Jim Carrey e Kate Winslet, o filme mostra a história de amor fracassado de Joel e Clementine, que, apesar de terem dividido muitos momentos bons, acabam se irritando com os defeitos e problemas um do outro. Normal, não fosse pelo detalhe que Clementine, uma garota impulsiva, contrata uma empresa para apagar Joel de sua memória, sem nem ao menos dar-se ao trabalho de terminar com ele antes. Um dos trunfos do filme é a excelente direção do francês Michel Gondry, que aproveita a situação do sonho e das lembranças sendo apagadas para construir cenas belíssimas, com sua típica pitada de surreal. Mas o que torna este carrossel de imagens tão interessante é o relacionamento dos protagonistas, que, apesar de ser mostrado com recursos visuais surreais, é real até demais. É cheio de detalhes, de diálogos bem construídos, de presentes trocados, de lembranças da infância, de palavras não ditas, de despedidas não feitas. Salpicado pelos defeitos e diferenças dos personagens, o relacionamento é real e remete a muito que muitos de nós já vivemos. O relacionamento mostrado no filme remete a diversas situações que podem se transformar em dores de cabeça ao longo dos anos e ao fato de que às vezes as coisas simplesmente não dão certo, por mais que nos esforcemos. Ou que em outras vezes as coisas simplesmente não dão certo, mas funcionam, de uma maneira que nos foge à compreensão. Independente de tratar de uma relação entre duas pessoas, o filme trata de problemas e defeitos. Trata de pessoas. De seres humanos. E é justamente por precisarmos tanto de uma ajudinha para entender melhor esse tipo de coisa que Brilho Eterno é tão bom. É pelo menos algum tipo de conforto, um tapinha no ombro dizendo que não somos os únicos falhando em um mundo de comédias românticas com finais felizes com personagens irreais e filmes de ação em que o único trabalho do herói é salvar a mocinha e depois levá-la pra cama. Brilho Eterno é tão bem trabalhado nesse sentido que os atores aparecem como pessoas normais, ao contrário de filmes convencionais que retratam “romances”, nos quais as moças já acordam maquiadas e penteadas. Em Brilho Eterno temos Kate Winslet ligeiramente acima do peso, de cabelo colorido, moletom e sem maquiagem em diversas cenas, sendo perfeitamente linda em seu despojo. A escolha de Jim Carrey para um papel sério é também acertada (e impressionante). Falar de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças não é necessariamente uma novidade. Uma agulha no palheiro, o filme lançado em 2004 foi bastante consagrado, muitíssimo conhecido e aclamado e devidamente reblogado no tumblr centenas de vezes. Seus diálogos e imagens ecoam há anos no mar de distrações que é a internet, sendo citados a torto e a direito. E acho que nunca deixarão de ser. Merecidamente. Falar bem dele é, sem dúvidas, chover no molhado. Mas um dia desses assisti um filme chamado Ruby Sparks, do qual eu esperava absolutamente nada, sendo que a sinopse não era lá tão interessante, e que eu resolvi assistir só por causa do Paul Dano. Em resumo, o filme é sobre um cara, que por acaso é escritor, sonha com a mulher ideal, escreve sobre ela e em um belo dia BAM!, ela se torna realidade. O pôster também não era lá muito original. Pelo trailer também não parecia ser grandes coisas. Mas lá fui eu, ver um filme só por causa do “cara esquisito de pequena miss sunshine”. Eis que veio a surpresa. Calvin (Paul Dano) é um jovem escritor, já reconhecido como gênio, mas que passa por uma crise – tanto por não conseguir escrever quanto por seu constrangimento social. O filme já começa com ele enfrentando solidão, crise, a guerra contra o papel em branco e uma visita ao psiquiatra, que recomendou que ele arrumasse um cachorro, apenas para que isso lhe desse alguma chance de interagir com as pessoas. Então ele começa a ter sonhos no qual uma garota misteriosa aparece e, aos poucos, isso lhe devolve a inspiração para escrever. Depois de um sonho bastante detalhado, que parecia real, ele acorda e passa horas escrevendo. Ao contar para seu psiquiatra que está apaixonado pela garota do sonho, ele recebe a sugestão de escrever sobre o isso. E assim ele determina quem ela é, cria uma história para ela. De repente ele acorda, atrasado para uma sessão, e descobre a garota, Ruby Sparks (Zoe Kazan), em carne, osso e pijamas na cozinha dele, fazendo o café da manhã e crente que é sua namorada há algum tempo. Ele demora um pouco para acreditar que não está ficando louco e que Ruby é mesmo real e, conforme descobre que ela é ainda mais real do que parecia, por ter vontades e ações independentes do que ele havia planejado, ele descobre também que ainda pode alterar coisas nela, simplesmente escrevendo. O engraçado é que cada dose de surreal, ou seja, cada vez que Calvin senta à máquina de escrever para fazer uma alteração em Ruby, é revertida em uma dose ainda maior de real, com consequências nada agradáveis, repercutindo em dramáticos problemas no relacionamento. O que poderia parecer um filme sobre como relacionamentos são caóticos, dramáticos e complicados prova, de modo bastante sutil, que nem mesmo um recurso surreal (e que muitas vezes viria a calhar) poderia nos salvar de nós mesmos (e do outro). Coisas que Calvin altera por impulso, para descomplicar, por achar que é o caminho mais fácil – e também por obviamente fazer o que qualquer de nós faria na mesma situação – mostra também que o problema poderia ser resolvido com uma simples conversa, uma concessão e a compreensão da personalidade e das necessidades do outro. O mais legal é ver que nem uma pessoa “dos sonhos”, somada a um truque de mágica sensacional, estão livres de problemas e complicações. E às vezes o problema não é nem o simples fato de que relacionamentos são mesmo complicados e que duas pessoas juntas, seja lá quem forem, seja lá em que circunstâncias, pode acabar mal. Em alguns casos o problema somos nós. Em uma cena aparece uma ex-namorada de Calvin, que ele encontra em uma festa e com quem tem uma rápida sessão de lavanderia, mas que é o suficiente para mostrar o outro lado da história. Em poucas frases, a ex explica que o namoro acabou porque a única pessoa com quem Calvin conseguiria se dar bem é ele mesmo. Ele não consegue aceitar os outros e parece ter regras internas secretas que a namorada parecia ter que adivinhar para não cometer erros e criar problemas. Ele via as faltas cometidas por ela, se ressentia delas, mas não era capaz de ver suas próprias. Cheio de situações e pequenos silêncios para nos fazer pensar em quantas bobagens já dissemos e fizemos para aqueles que amamos, a palavra que melhor pode definir Ruby Sparks é surpreendente. Esperto no uso de todas as situações que apresenta, o filme é também agradável do começo ao fim e, ainda que com seus recursos surreais, totalmente verrossímil e cheio de personagens reais, até mesmo em seus coadjuvantes e mínimos detalhes. Com um desenrolar interessante, o filme sem dúvidas é o tipo de coisa que eu gostaria de ver mais vezes por aí. O tipo de filme que falta no nosso dia a dia, para apontar nossos erros e nos ajudar a melhorar, nem que seja um pouquinho, nessa batalha tão difícil que é interagir com os outros, especialmente em relações românticas. Recomendo! (E estou aceitando recomendações de filmes com personagens humanos, reais e verossímeis!)