Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Em tempos de internet de alta velocidade e redes sociais, o jornalismo tem se voltado cada vez mais para a busca desesperada por pageviews nos sites em detrimento da qualidade do trabalho. Assim, temos títulos sensacionalistas que nada tem a ver com o conteúdo da notícia em si. Isso quando ainda damos sorte de encontrar uma notícia, pois na maioria das vezes são apenas boatos que nem foram checados pelo repórter, mas que são publicados mesmo assim como se fosse verdade absoluta. Não é à toa que é cada vez mais fácil encontrar notícias com vários updates nos sites, contendo até mais de uma errata sobre o mesmo assunto. Felizmente, Spotlight – Segredos Revelados, do diretor Tom McCarthy, chega aos cinemas para nos lembrar como deve ser o bom Jornalismo (com J maiúsculo, mesmo) , aquele dedicado a fazer diferença na vida das pessoas. O filme conta a história real da equipe Spotlight do jornal Boston Globe que, no começo dos anos 2000, investigou uma série de casos de pedofilia envolvendo padres católicos em Boston. A pequena equipe (formada por um editor e três repórteres) é especializada apenas em reportagens especiais, às vezes trabalhando durante meses até finalmente publicar alguma coisa, se preocupando muito mais com a qualidade e veracidade do material do que com a rapidez. Assim como no clássico Todos os Homens do Presidente (1976), no qual uma simples denúncia acaba fazendo com que as investigações cheguem até o presidente Richard Nixon, em Spotlight a equipe começa com o que parece um caso isolado de pedofilia cometido por um padre e acaba investigando todo o sistema de paróquias de Boston. O início do filme já deixa claro que o trabalho dos repórteres não seria nada fácil, mostrando a delegacia em que o padre acusado presta depoimento. Um dos policiais já deixa claro que não vai deixar ninguém da imprensa se aproximar. Enquanto isso, o bispo conversa com a mãe das crianças que foram abusadas, garantindo que vai afastar o padre da paróquia. Para reforçar ainda mais o poder da igreja católica na comunidade, o assistente da promotoria destacado para cuidar do caso simplesmente deixa que o bispo continue com a conversa, quando o dever dele ali seria justamente blindar a mãe e as crianças. O bispo inclusive chama o promotor pelo primeiro nome, como se fossem grandes amigos. Com esta pequena cena, fica bem claro o tamanho do “inimigo” que os protagonistas estão prestes a enfrentar. A influência que a igreja exerce em toda a comunidade é tão grande que durante diversos pontos do filme ela é apresentada como uma espécie de máfia, com olhos em todos os lugares e sabendo tudo antes de todo mundo. Alguns defensores da entidade fazem ameaças, enquanto outros mostram-se amigáveis, mas com frases repletas de subtexto e que mostram uma ameaça velada a quem ousar ir contra a instituição. Um bom exemplo é o Cardeal Law, interpretado por Len Cariou. Com seu sorriso carismático, Cariou nos apresenta, em suas poucas cenas, um personagem que pode ser seu melhor amigo ou seu pior inimigo, dependendo das decisões que você tomar. E o presente que ele dá a Marty Baron (Liev Schreiber) quando os dois se conhecem é quase como um aviso de “é melhor seguir as nossas regras”. Mas quem rouba todas as cenas em que aparece é Mark Ruffalo com sua interpretação de Mike Rezendes. Com sua competência habitual e sem parecer caricato, Ruffalo constrói seu personagem com diversos trejeitos e uma postura arqueada que mostram o quanto o trabalho acaba consumindo Mike. E por falar em personagens consumidos é interessante como o diretor Tom McCarthy mostra, através de pequenas mudanças de comportamento, como a produção da reportagem vai consumindo cada personagem. Robby (Michael Keaton) começa a aparecer na redação até em horários que normalmente não era pra ele estar ali, sem contar que, apesar dele ser casado, nunca vemos a esposa em tela, o que mostra a falta de tempo de Robby para sua vida pessoal; Mike Rezendes, por sua vez, fica cada vez mais agitado e alguns de seus tiques ficam mais acentuados; já Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) fica cada vez mais distante da igreja que ela costumava frequentar com sua avó. Aliás, é tocante a cena em que a avó de Sacha (católica fervorosa que frequenta a igreja três vezes na semana) lê a reportagem completa. Spotlight – Segredos Revelados é eficiente também em mostrar como funciona (ou como deveria funcionar) um verdadeiro trabalho jornalístico. São várias as cenas dos personagens procurando possíveis testemunhas dos casos, pesquisando diversos livros em bibliotecas, cruzando informações, analisando planilhas etc. Um verdadeiro trabalho de formiguinha, no qual uma informação que parece irrelevante pode levar a algo ainda maior, desde que o repórter esteja atento ao que está procurando. Se alguém pretende cursar jornalismo achando que a profissão é aparecer todo arrumado no Jornal Nacional, pode esquecer. Como o caso apresentado no filme aconteceu no começo dos anos 2000, o espectador também pode testemunhar como grandes eventos acabam mudando os rumos de uma reportagem, por mais importante que esta seja. No caso de Spotlight foi o 11 de setembro de 2001, que fez com que tudo fosse interrompido para cobrir a tragédia. Além disso, quando a matéria finalmente está pronta para ser escrita um dos editores deixa claro que ela não pode ser publicada na época de festas de fim de ano, afinal, as pessoas estão ocupadas com outras coisas e ela poderia passar batida. E palmas para o diretor Tom McCarthy e para o montador Tom McArdle pela belíssima montagem que mostra o texto final da matéria sendo escrito enquanto escutamos justamente um coral de crianças cantando em uma igreja católica. Apesar de focar no árduo trabalho jornalístico que envolve uma grande reportagem, Spotlight – Segredos Revelados pode acabar desagradando os religiosos mais fanáticos. Em nenhum momento do filme existe espaço para a redenção de quem está nos mais altos cargos da igreja católica. Todos são vistos como cúmplices a partir do momento que não tomam providências para punir de verdade os padres pedófilos, já que estes acabam até mesmo conseguindo cargos mais importantes em outros locais. Os créditos do filme apresentam ainda uma lista com os nomes das cidades onde mais ocorrem estes casos de pedofilia ao redor do mundo e algumas cidades brasileiras estão nesta lista. Mesmo assim, um personagem no meio do filme trata de deixar claro que “a briga é contra a instituição e quem a comanda, nunca contra a religião católica”. Mas talvez mais importante que isso seja a mensagem que o filme traz de que o bom jornalismo tem o poder e o dever de mudar (e até salvar) vidas. Spotlight – Segredos Revelados //Spotlight (EUA, 2015) Direção: Tom McCarthy. Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy. Duração: 128 minutos. Elenco: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, Liev Schreiber, John Slattery, Stanley Tucci, Brian d’Arcy James.