Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr ARTE DA VITRINE: Thiago Chaves (@chavespapel) Não, eu não vou falar do seriado The Walking Dead, o Storino já fez isso aqui. A bem da verdade nem falarei do gibi, não é um review, não é uma crítica, é uma análise desse interessante estudo do ser humano que Robert Kirkman faz travestido de história de zumbi, uma comparação entre mortos-vivos e as tragédias cariocas de Nelson Rodrigues. Ler The Walking Dead (se tu não leu, ou leu menos que até a edição #48 talvez haja um spoiler ou outro. Avisado está!) sempre me traz a mesma sensação de ler o Nelson, guardadas as devidas proporções. As inesquecíveis e indefectíveis frases que ele escreveu em Bonitinha, Mas Ordinária poderiam muito bem estar na obra do Kirkman; como: “No Brasil quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte” – podia-se muito bem ser aplicada ao ~~~herói~~~da trama, Rick Grimes. Nas primeiras edições mocinho clássico, no decorrer da trama perde todo e qualquer escrúpulo para defender o que é seu. “Cedo ou tarde toda família apodrece: aparece um tio pedófilo, uma filha lésbica, um irmão ladrão” – a tchurminha toda linda e reunidada tentando sobreviver juntas. Mas sempre aparecem as maçãs podres. “O mineiro só é solidário no câncer” – podemos trocar por o vivo só é solidário no câncer que daria na mesma. Uma solidariedade deturpada, visando mais o interesse próprio que qualquer outra coisa, mas ainda sim, solidariedade. Ou algo que gostamos de acreditar que seja isso. Em Walking Dead, todo mundo é Peixoto. Nelson nunca precisou criar um cenário apocalíptico para mostrar que o ser humano é capaz de tudo, passa por cima de qualquer um, cospe no prato que comeu, morde a mão que afaga e tá pouco se fodendo. Com exeção talvez da Michonne, qualquer personagem feminino criado por Kirkman poderia habitar uma peça de Nelson. Temos Lauren, uma santinha do pau oco com sérios problemas de histeria, Andrea a menina atraente com um homem bem mais velho, Carol a suicida que não agüenta ficar sem rôla, Julie com seu pacto de amor e morte adolescente, Maggie que se apaixona por uma simples falta de opção, Patricia que trai seus companheiros por um psicopata e Donna uma mulher amarga de meia idade que tem invejinha das mais jovens. A obra de Nelson Rodrigues é um espelho cruel e real do ser humano, só os muito condescendentes com a canalhice humana são capazes de encarar somente como uma mera obra de ficção. Kirkman achou mais apelativo esmiuçar esses comportamentos dúbios num ambiente com apelo à massa consumidora de gibis, e enfiou esses personagens do dia a dia numa luta com zumbis. Mas os zumbis são o de menos nessa história. Essa sinceridade sobre o que somos, o que fazemos e escondemos, o que criamos de mal e depois vamos dormir como se nada tivesse acontecido poderia se passar numa repartição pública, ambientação tão querida à Nelson Rodrigues. Não é possível nutrir real simpatia e torcer por qualquer personagem de Walking Dead, num momento estão fazendo algo de bom e no outro estão cagando na cabeça de quem preciso for. Ninguém é de todo bom, ou de todo ruim. São humanos tentando sobreviver a cada dia, como todos nós fazemos. A diferença é que não temos zumbis, mas temos contas a pagar, empregos, família, relacionamentos amorosos, e tomamos decisões tão canalhas quanto qualquer personagem do gibi. A diferença entre dar um tiro na cabeça de alguém para proteger sua recém achada prisão-santuário e sacanear um colega de trabalho para conseguir uma promoção é apenas um cadáver. O questionamento moral é o mesmo. A gente bem sabe que não é preciso esperar um apocalipse zumbi para comer a mulher do teu melhor amigo. Quem nunca viu, ouviu ou até mesmo fez isso sem precisar do fim do mundo próximo? A dúvida da Lauren ou o medo do Hershel que a Maggie traga uma criança aquele mundo não é muito diferente dos questionamentos que muitos fazem ao pensar em ter filhos. Vale a pena jogar mais um pra se sujar aqui? Vivemos num mundo habitados por zumbis e queremos sobreviver, Nelson Rodrigues já sabia disso desde os anos 40. Walking Dead é a vida como ela é.