Me impressiono bastante com HQs que levam anos para ficarem prontas. Como foi o caso de Habibi, aguardada obra do premiado Craig Thompson, que levou 8 anos para ser produzida. Dá pra sentir cada minuto investido na produção, tanto da arte como da história, em cada quadrinho das 700 páginas do atraente, grande e pesado álbum e da linda e mirabolante trama ambientada em um universo tão pouco familiar apresentada por ele.

Além de tocar em pontos sensíveis, como a exploração sexual e o intenso sofrimento de um povo, o romance apresenta um belíssimo panorama cultural do oriente, principalmente do islamismo, tendo sua história intercalada com passagens do Corão e evidentes referências ao aclamado Mil e Uma Noites. Por ser uma cultura pouco conhecida e em constante processo de degradação por parte da mídia ocidental, o autor optou por criar um conto de fadas sobre a cultura e o comportamento das pessoas em um país tipicamente islâmico. O termo “conto de fadas” é inclusive o argumento do autor contra as diversas acusações de orientalismo sofridas após a publicação do quadrinho.

A história, que gira em torno das vidas de dois órfãos, se passa nas proximidades de uma cidade fictícia, mas espelha uma dura realidade. Dodola, de uma família bastante pobre, é vendida em casamento aos nove anos por seu pai analfabeto. Seu marido e comprador é um escriba, que a ensina a ler e escrever. O casamento, entretanto, dura poucos anos. Bandidos assaltam a casa de Dodola e seu marido, matando-o e tomando a menina como escrava. Entre muitos outros acorrentados, ela encontra um menino negro, Zam, de três anos, a quem se afeiçoa de imediato e que leva consigo quando tem a sorte de poder fugir de seus captores. A história é contada de modo bastante não-linear, intercalando vários momentos das vidas de Dodola e Zam, que fazem o possível tanto para sobreviver quanto para ficar juntos.

Thompson mescla passagens do Corão, que Dodola ensina a Zam, em uma bela mistura de uma ficção bastante real e dos ensinamentos religiosos, que mostram a essência do islamismo. A intenção da obra não é estimular uma admiração inquestionável pelo povo islâmico, mas estimular a curiosidade em detrimento do preconceito, mostrando que, apesar de todas as circunstâncias que nos separam, somos todos muito parecidos – seja na crença como na luta pela sobrevivência. É impossível não se emocionar com os carismáticos personagens, seja pela realidade em que vivem e por suas intempestivas reações aos diversos eventos desafortunados que os acometem, como pelo intenso amor vivido por eles.

Apesar de longa, a saga é apresentada de modo tão dinâmico, e que flui com tanta beleza e facilidade, que é possível ler suas 672 páginas em poucas horas. Com um conteúdo político e emocional muito grande, Habibi é feito de belíssimas ilustrações, detalhadas, mas simples nas mensagens que passam. Não há excessos, apesar do refinamento da produção. A combinação de roteiro, letras e desenhos é um significativo recado para um mundo onde o preconceito reina de modo crítico e prejudicial.

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