Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) Em seu livro A experiência psicodélica[1], Timothy Leary, o papa do LSD – e por isso um dos principais nomes da contracultura-, nos explica logo na introdução o que é uma experiência psicodélica: “Uma experiência psicodélica é uma jornada aos novos reinos da consciência. A abrangência e conteúdo da experiência são ilimitados, mas suas características são a transcendência de conceitos verbais, das dimensões de espaço-tempo, e do ego ou identidade. Tais experiências de consciência expandida podem ocorrer de diversas formas: privação sensorial, exercícios de ioga, meditação disciplinada, êxtases religiosos ou estéticos, ou espontaneamente.” Nascido em toda a verve do movimento contracultural, o rock progressivo brasileiro vai estar diretamente ligado ao psicodelismo. A complexidade dos arranjos, os solos extensos e o experimentalismo das composições vão estar atrelados a uma idéia de superação da consciência padrão. Os longos dias experimentando notas podem ser comparados a exercícios de meditação e certamente são êxtases estéticos. Em suma, psicodelismo é o “ligar, sintonizar e cair fora”, preconizado por Timothy Leary, que significava abandonar o teatro social ocidental com seus joguetes maniqueístas políticos e focar os esforços numa liberação dos potenciais mentais proibidos pela moral e bons costumes por séculos. Na busca por esse outro padrão de atividade mental, o psicodelismo vai estar relacionado com o uso de drogas e atitudes religiosas atípicas da contracultura. Para se opor aos padrões monoteístas da repressiva atitude religiosa da cristandade ocidental, os participantes da contracultura precisavam de outro modelo de atitude em relação ao sagrado. A ciência havia se tornado um pavor após a Segunda Guerra Mundial e estava diretamente ligada ao reino de consumo desenfreado que se via por todo o ocidente. A razão havia se tornado irracionalmente um instrumento de hierarquização e legitimação das tiranias tecnocráticas. A solução do outro que não era ocidental e racional-científico, foi a invenção de um oriente mítico para os propósitos da emancipação total. “Uma das vertentes mais visíveis da contracultura foi o orientalismo, a busca de uma espiritualidade exótica, originária de um mítico Oriente primordial. Nele estava presente uma maneira diferente de encarar a espiritualidade. Contrária à visão até então dominante de uma religiosidade institucional, buscou-se a vivência de uma espiritualidade interior, experimentada como algo profundo. Na quebra da hegemonia das instituições de poder, entre elas as igrejas, a religião poderia ser vivenciada de maneira autônoma e subjetiva.”[2] As religiões orientais em geral estão voltadas para o contato direto do indivíduo com o divino sem a necessidade da mediação por um sacerdote, a contemplação da natureza e por isso a autorização da experimentação sexual intensa, a vivência em comunas longe das cidades para propósitos de meditação e com o homem produzindo mais ou menos aquilo que irá consumir. Há portanto uma oposição ao sistema industrial de produção e consumo, que visa criar necessidades supérfluas para movimentar a economia, ocasionando mais produção, destruição do ambiente natural, mais trabalho e portanto menos prazer genuíno, já que os prazeres sempre serão intercedidos pela indústria. Por isso uma busca de “cair fora” dessa sociedade, de criar alternativas de modos de vida paralelos à cidade industrial. Na música “Luzes da cidade” cantada pelo grupo A Bolha no álbum “É proibido fumar” de 1977, se cantaria que “ninguém mais se importa com ninguém na cidade/ corra para o campo, lá encontre alguém/ e voe em liberdade”. Nos EUA essa busca pelo oriente acabou desembocando em duas atitudes: 1- Movimentos religiosos budistas e hinduístas; e 2- Rememoração dos indígenas locais que foram dizimados pelos colonizadores opressores, precursores das opressões do sistema atual. A visão dos beatniks sobre os indígenas americanos nos deixa claro esse segundo ponto, Jack Kerouac em quase todos os seus livros louvou em alguns trechos a beleza, sabedoria e rusticidade do índio americano e mexicano. Tanto que na indumentária clássica dos hippies se usa um colete de índio norte-americano! No Brasil, os tropicalistas, que eram em sua grande maioria baianos, inauguraram uma louvação dos costumes africanos, sempre presente em suas composições. Porém, os insights budistas, hindus e até mesmo de folclore indígena brasileiro, estarão presentes nas manifestações da década de 70 – e mesmo levemente entre os tropicalistas baianos. Um outro oriente mítico importante foi inaugurado com a Guerra do Vietnã ainda nos anos 60, que inclusive foi um ponto de convergência das manifestações dos movimentos da nova-esquerda e da esquerda tradicional no mundo todo. Gilberto Gil em uma canção chamada Oriente, diz: “se oriente rapaz”; brincando com o duplo sentido da frase que quer dizer ao mesmo tempo para o rapaz se ajustar aos rumos da vida e para ele se orientalizar. Mas voltando ao rock progressivo brasileiro, a banda Som Imaginário em seu álbum homônimo de 1970 tem uma música chamada “Nepal” com um clima geral de prosperidade que nos mostra esse oriente utópico criado pela contracultura: […]No Nepal existe uma praça onde fica um monte de dinheiro e quem precisa tira o que precisa e quem ganha bota lá de novo e lá não tem problema financeiro e o povo é sempre muito ordeiro No Nepal tudo é barato No Nepal tudo é muito barato […]No Nepal o ar é cristalino e a verdade vem dentro dos ventos e o carinho rende juros fortes e o povo vive só de renda Te convido companheira amada a fugir para o Nepal comigo […] A Nova Era[3] foi a manifestação mais popular dessa religiosidade contracultural. Termo facilmente relacionável com o Novo Aeon e com a Era de Aquário. O cantor Raul Seixas inclusive seguindo preceitos thelemistas[4] que estavam expostos na música “Sociedade Alternativa” do álbum Gita, teve o seu terceiro álbum solo chamado “Novo Aeon”. Para o místico o Aleister Crowley os três últimos Aeons (que significa “Era” em uma temporalidade mística) são o da mãe (Ísis), pai (Osíris) e filho (Hórus), a mãe foi superada e a segunda guerra mundial desestabilizou o Aeon do pai, inaugurando a era do filho. Porém, “os Aeons não são períodos estanques. Ou seja, o iniciar de uma era não significa o fim das anteriores e sim sua perda de influência. Dessa forma ainda se encontra o pensamento das eras anteriores no decorrer do tempo. Nesse sentido, desde o século XX vem acontecendo um combate entre as forças dos Aeons de Osíris e de Hórus, o pai autoritário contra o filho rebelde.”[5] Existem 12 Aeons, normalmente nomeados com os signos do Zodíaco e o Novo Aeon seria justamente a mudança da era de Peixes para a de Aquário, a Nova Era! Em 3 de setembro de 1971 na sua coluna Geléia Geral, o poeta Torquato Neto publica um texto de Rubinho Gomes sobre a mudança de Era, chamado “notícia: é o início de outro tempo”. No dia 17 de setembro o próprio Torquato escreve um texto no qual deixa constatado ter tido uma festa no Parque Lages (Rio de Janeiro) para comemorar a chegada da nova era, revelando que por essa época essas idéias tinham muitos adeptos brasileiros. Essa concepção religiosa da contracultura era anárquica e buscava principalmente uma emancipação individual completa. Era também o descrédito das instituições políticas tradicionais consideradas demasiado complicadas para serem transformadas, o ímpeto jovem não sabe esperar, então as pessoas focavam as mudanças em suas personalidades, na dissolução do ego, numa revolução comportamental. Os participantes da contracultura buscavam por esses caminhos místicos a dissolução de toda e qualquer autoridade nas suas vidas. A busca por essa espiritualidade atravessada pela religião oriental ou por perspectivas exotéricas acabava por se relacionar também por parte dos praticantes com o uso consciente de seu próprio corpo, o que abrange além da sexualidade, o uso de substâncias naturais e/ou artificiais que modificam a percepção do cérebro. “Viver sob efeito de drogas nos anos 1970 era, a princípio, estar envolvido numa aura visionário do tempo ou do espaço e um desejo, enquanto vontade de inventar novas percepções de mundo.” [6] O cristianismo que se desenvolveu no ocidente combatia o uso de alteradores de consciência desde que se forjou enquanto religião predominante. Talvez por que as religiões politeístas que eram anteriores ao cristianismo usassem de substâncias naturais como modo de atingir um nível superior de consciência, e conseqüentemente se ter um contato direto com os deuses. O uso dessas substâncias era feito durante orgias, como na Bacanália Grega em que o vinho era usado para se atingir a divindade com auxilio de atividades físicas, desde o sexo à dança. Desta forma ficou condenado por todo o ocidente o uso de plantas que causassem deslumbramento, já que estas tiveram suas imagens ligadas aos xamãs e a liberdade sexual dos pagãos, que por sua vez estavam conectadas aos antigos deuses que dentro da teologia cristã eram falsas religiões lideradas por demônios. Porém o cristianismo durante a secularização de suas doutrinas perde para a ciência o status de perspectiva fundante da realidade. A sociedade desenvolve outros métodos de controle mais eficientes que a manipulação religiosa, tirando o poder repressivo das autoridades sacerdotais e possibilitando a busca do individuo por outras perspectivas metafísicas sem o risco eminente de repressão física. Desta maneira o cristianismo que embora permaneça forte como base cultural, deixa surgir brechas nas possibilidades de experimentação do sagrado, uma delas é a retomada das substancias alteradoras da percepção. Em uma de suas palestras, Alan Watts, o principal líder budista da contracultura nos fala: “Em última análise, todo despertar espiritual envolve algo além da vontade e do ego. Você não consegue fazer isso sozinho, então pouca diferença faz o que você usa pra chegar lá. Alguns caminhos são mais fáceis do que outros. É mais fácil usar teo-botânica, uma planta divina, do que bater contra uma parede de tijolos.”[7] A criação do LSD que se deu de forma não intencional em 1938 pelo químico Albert Hofmann foi tão importante para a emancipação mental, conhecida como revolução psicodélica, quanto a popularização da pílula anticoncepcional foi importante para a libertação da sexualidade nos anos 60. Se o corpo com a pílula se tornou algo manejável para o prazer, o LSD em doses mínimas transformava todo o universo em um parque de diversões irrestrito e tudo isso apenas na sua cabeça! Além de transformar o êxtase divino em algo alcançável sem toda aquela rigidez hierárquica do passado. No álbum “Jardim Elétrico” de 1971 Os Mutantes na capa do disco já deixaram claro a mudança em sua proposta estética, provavelmente por essa época começaram a usar intensamente ácido e foram se afastando de uma música meramente tropicalista, experimentando as estéticas internacionais mais a fundo, já que entendiam o rock como a linguagem universal, em geral revelada pelo ácido (LSD). Essa mutação do grupo vai ser o motivo da saída de Rita Lee, que não estava mais se sentindo bem com o afastamento de uma proposta mais zombeteira de verve tropicalista. O clima dos discos ficava cada vez mais sério, naquele clima “nós contra o sistema”. Já em 1971, no “Os Mutantes E Seus Cometas No País Do Baurets”, o estreitamento com o progressivo se tornou irremediável. O nome do álbum já é esquisito, mesmo para uma banda com o nome Os Mutantes. Baurets é uma gíria para maconha criada por Tim Maia, então a viagem d’Os Mutantes e seus cometas no país do baurets era uma viagem psicodélica. Segundo Daniela Viera dos Santos: “A canção que dá título ao LP de 1972, Mutantes e seus cometas no país do baurets é expressiva para realmente identificarmos a relação do grupo com o rock progressivo e especialmente com as canções de Emerson, Lake and Palmer. A música, bastante longa, tem a duração de 9 minutos e 53 segundos e o psicodelismo presente nas construções harmônicas também são evidentes. Entretanto, esse psicodelismo se distingue daquele observado nos discos anteriores. Nessa música, a presença dos sintetizadores é notória, já o texto verbal é o mesmo da canção Tempo no Tempo, encontrada no primeiro LP do grupo.” [8] A autora citada vê a reutilização da antiga letra como falta de criatividade do grupo, que preocupado em acompanhar o cenário internacional aumenta a textura sonora mas perde o bom humor tropicalista. É evidente que o grupo realmente parte para uma abordagem estética progressiva, mas ao invés disso ser uma perca de criatividade, basta ouvirmos a referida música para identificarmos explosões de significados sonoros, de certa forma emulando o estado alterado de consciência e tendo a letra como flashback do passado. Essa música não seria justamente o enterro do antigo grupo? Logo em seguida Rita Lee abandonaria a caravana e Os Mutantes se aprofundariam na psicodelícia – como Arnaldo Baptista se refere ao psicodelismo – musical e radicalizariam seu desbundamento. Para Eduardo Kolody Bay, a partir daí “sua viabilidade comercial era quase nula, além de se tratar de uma sonoridade difícil aos ouvidos brasileiros, o que não desanimou o grupo de prosseguir nos próximos anos”.[9] Como podemos ver nas capas dos álbuns da época, o psicodelismo não ficava restrito apenas a música. O principal espaço de exposição da pintura psicodélica eram as capas dos discos. Nas imagens abaixo fica evidente a busca por uma nova expressão visual fora do padrão de percepção, uma necessidade de mistura entre os objetos desenhados e não a busca por um limite preciso dos traços do desenho clássico. Em ordem temos: 1 – Som Imaginário, disco homônimo (1970). 2- Os Mutantes, disco “Jardim Elétrico” (1971). 3 – Novos Bahianos, compacto duplo de 1971. 4 – Ave Sangria, disco homônimo (1974). No próximo texto vamos falar sobre a temática da loucura nas músicas e finalmente chegar a conclusão desta série de posts sobre o rock progressivo! [1] Há uma versão disponível aqui: http://www.experienciapsicodelica.kit.net/ [2] GUERRIERO, Silas. Caminhos e descaminhos da contracultura no Brasil: o caso do Movimento Hare Krishna. Revista Nures [online]. 2009, nº 12. [3] “A Nova Era é apenas mais uma possibilidade de vivência desse mundo encantado, carregado de forças invisíveis (chamadas de energias) e de manipulações mágicas.” Ver: GUERRIERO, Silas. A Diversidade Religiosa no Brasil: A Nebulosa do Esoterismo e da Nova Era. Revista Eletrônica Correlatio. 2003, nº 3, p. 136. [4] “A doutrina individualista de Crowley pode ser resumida na máxima: Fazes que tu queres, deverá ser o todo da lei!”, é uma afirmação que só é verdadeira ao se falar da recepção dos pensamentos de Crowley e não das próprias idéias do mago em si. SANTOS, Vitor Cei. Aleister Crowley e a contracultura. Revista Nures [online]. 2009, nº 12. [5] SANTOS, Vitor Cei. Aleister Crowley e a contracultura. Revista Nures [online]. 2009, nº 12. [6] NERY, Emília Saraiva. Doidões: psicodelismo e drogas na arte de Raul Seixas dos anos 1970. In: Congresso internacional de História e Patrimônio Cultural, 2008, Teresina. Congresso internacional de História e Patrimônio Cultural, 2008. [7] WATTS, Alan. A Cultura da Contracultura: os transcritos editados. Rio de Janeiro: Fissus, 2002, p. 108. [8] SANTOS, Daniela Viera dos. Não vá se perder por aí: a trajetória dos Mutantes. (Dissertação de Mestrado em Sociologia) – UNESP – Araquara, São Paulo, 2008. [9] BAY, Eduardo Kolody. Qualquer Bobagem: Uma História dos Mutantes. (Dissertação de Mestrado em História) – UNB, Brasília, 2009.