Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “O mundo exterior, ao que parece, é constituído por milhões de pessoas envolvidas, enredadas em jogos de que não têm a menor consciência”. Se você quer conhecer em detalhe e vivacidade os frenéticos anos 60 dos Estados Unidos, há um livro que não pode faltar na sua estante: O Teste do Ácido do Refresco Elétrico. Publicado em 1968, o livro é um relato jornalístico de Tom Wolfe sobre o tempo em que acompanhou Ken Kesey e sua trupe, os Merry Pranksters (Festivos Gozadores, numa tradução porca). O resultado foi um livro em que entre viagens, drogas e experimentos artísticos surreais, aparecem personagens como os Hells Angels, Hunter S. Thompson, Neal Cassady (o grande famoso companheiro de viagem de Jack Kerouac), os Beatles, Grateful Dead, o grupo de cientistas liderado por Timothy Leary, entre dezenas de outras personalidades da época. Claro que Tom Wolfe não é um jornalista qualquer, é um maluco que desde 1964 escrevia artigos ignorando quaisquer convenções possíveis dos meios de comunicação impresso, o que acabou fazendo muito sucesso. Não demorou muito pra ser enquadrado no New Journalism americano ao lado de Norman Mailer e Truman Capote, os caras que deram uma chacoalhada no estilo formal de escrita jornalística da época. Ken Kesey não seria o alvo de um trabalho de Wolfe à toa, escritor renomado com “O Estranho no Ninho” (que em pouco mais de um ano após o lançamento foi adaptado para filme), era uma figura polêmica. Tanto que quando Wolfe começou a escrever o livro-reportagem ele estava prestes a ser solto de uma prisão por ter sido pego duas vezes pela polícia com maconha. Mais do que um escritor de 30 anos em ascensão, Ken Kesey naquele momento estava reunindo um grupo de malucos e intelectuais para viajar o país dentro de um ônibus (quem iria dirigir esse ônibus era ninguém menos que o lendário Neal Cassady) despertando a “consciência” das pessoas através da distribuição de LSD e fazendo um filme de horas e horas a fio sobre a mente em estado puro. Essa era a “viagem” de Kesey, experimentar e fazer com que os outros experimentassem as coisas por si mesmos. Ainda na prisão, durante seu primeiro contato com Wolfe ele diz: “- Eu acredito que já é hora de passar do que vem acontecendo para outro tipo de coisa. A onda psicodélica aconteceu há seis ou oito meses, quando fui para o México. Desde então, vem crescendo, mas sem sair do lugar. De volta, eu encontrei as coisas iguais à época em que parti. A única diferença é que está maior… não existe criatividade alguma e acho que minha função pode ser ajudar a criar o próximo passo.” E os Merry Prankster, bem… eram parte desse plano de Kesey de criar o próximo passo. Se Timothy Leary e seus amigos cientistas se reuniam em uma casa de luxo em Millbrook (a chamada Liga da Descoberta Espiritual) para estudar e escrever tratados sobre os efeitos positivos das drogas psicodélicas, Kesey reuniu um grupo de amigos hippies/intelectuais e resolveu cair na estrada com droga estocada para ir ligando a mente das pessoas no caminho. Era uma versão louca e descontrolada do desbravamento da mente que o Leary tanto pregava. Uma versão menos elitizada, precavida e hierárquica. Era disso que se tratava o “Teste do Ácido” que dá título ao livro, o nome era uma paródia com a instituição escolar, era uma festa maluca em que os ponches (por isso “Refresco Elétrico”) estavam adulterados com LSD e todo mundo podia curtir junto sem ressalvas. Em certo momento do livro os Merry Pranksters vão até a mansão em que o grupo de Leary está, pois imaginavam que ali haveria no mínimo um apoio. Para a tristeza deles após uma entrada triunfal no terreno com muitas explosões e rock’n roll : “Os festivos esperavam que os Learystas saíssem correndo da casa como os sobreviventes do certo de Cartum. Em vez disso – duas figuras que estavam no gramado voltaram correndo para dentro da casa. Os Festivos pararam em frente e tudo o que viam era a casa ali plantada, enorme, sepulcral e gótica – e depois desceram do ônibus ainda aos gritos e fazendo uma barulheira infernal. Por fim, algumas almas se materializaram. Peggy Hitchcok, Richard Alpert e Susan Metzner, esposa do doutor Ralph Metzner, outra figura de destaque do grupo de Leary. Alpert examinou o ônibus de alto a baixo, balançou a cabeça e disse: – Ke-n-n-n Ke-e-e-e-e-sey… Como se dissesse é, eu devia saber que você era o autor dessa brincadeira de estudantes. Eles se mostram amistosos, mas é tudo um bocadinho…. frio, meus amigos. Maynard Ferguson, o trompetista de jazz, e sua esposa, Flor, estão aqui, e eles se encantam com o ônibus, mas os outros… há uma generalizada… vibração de: Nós aqui estamos metidos em algo muito mais profundo e meditativo, e vocês doidões da Califórnia afinal são uma nota dissonante.” O encontro entra Leary e Ken Kesey não acontece, Leary estava dentro de uma experiência de viagem que ia durar três dias e os Festivos não podiam esperar, havia ainda muita mente para ser ligada mundo afora. Em certos momentos Tom Wolfe tenta dar voz a tudo que sua mente (provavelmente chapada na hora de fazer as anotações) consegue enxergar e somos bombardeados por linhas diferentes do universo se entrecortando na escrita. Há também momentos de esquizofrênia pura. Por isso em alguns momentos a leitura vai ser muito difícil, mas era isso que Wolfe almejava, a confusão do estado mais natural possível da mente. O Teste do Ácido do Refresco Elétrico é um livro sobre um grupo de malucos que queriam mudar sua realidade e dos outros através da experiência do uso de drogas: “A questão toda é… a experiência… um certo sentimento indescritível… Indescritível porque as palavras podem apenas estimular a memória, e se não há memória alguma de… A experiência da barreira entre o subjetivo e o objetivo, o pessoal e o impessoal, o eu e o não-eu, desaparecendo… aquele sentimento! … Ou a gente pode se lembrar de quando era criança e viu alguém tocar um lápis no papel pela primeira vez para fazer um desenho…. E a linha começa a crescer – até formar um nariz! E não se trata somente de uma figura riscada com grafite numa folha de papel, mas sim o próprio milagre da criação e os sonho da gente convergem e fluem juntos com essa mágica… crescendo … a linha, e não era um desenho, mas um milagre…. uma experiência e agora que a gente está viajando com LSD aquele sentimento está voltando mais uma vez – só que a criação agora é do universo inteiro…” The Electric Kool-Aid Acid Test Autor: Tom Wolfe Páginas: 437 Nota: 8,0