birdman_xxlgIndiscutivelmente, o diretor Alejandro González Iñárritu desfila com habilidade rara, com uma leveza certamente invejável aos seus companheiros de profissão, pois, pensando na missão maior de um diretor, especificamente da menor parcela que detém qualidade de autoria, o desafio está em fazer-se imaginar ausente, esquecer-se da ficção que motiva qualquer realização de um filme.

Em Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), de roteiro original, seu triunfo por vezes é exagerado, certo que ainda contenha brechas para contestamentos, porém sempre forte para fazer-se valer da existência. Neste filme, embora pareça, não existem assim tantos motivos para saudar-se na eternidade, mas é satisfatório saber que um bom exemplar ergue-se pela sua execução, ao que nos permite arriscar, sua boa execução, pois a obra já seria suficientemente desafiadora a ponto de por si só valer-se de aplausos, sem qualquer necessidade de comparações externas a suas inspirações de trabalhos anteriores.

Isso, porque, se você é destes que já assistiram ao filme – e por isso, imagino, sua única razão para se arriscar nestes parágrafos –, sabe, sem necessidade de abreviar tantos exemplos da qualidade da obra, que há uma coesão cirúrgica, paciente e orquestral que transpõe a história abordada em tela.

Assumindo que concordamos em opinião, fazemo-nos no direito de apontar, sejam seus defeitos ou qualidades, as razões que o filme se faz lembrar.

Através do fator potencialmente menos perceptível, Birdman aponta a si como exemplo em sua própria história interior, isto é, constrói-se como filme em singularidade ao mesmo ponto que exemplifica e contextualiza tudo o que comporta na história de seus personagens. A metalinguagem de fato existe, e é invariavelmente presente durante todo o filme, utilizada em pontos construtivos, e comprovando-se ser uma potencial ferramenta narrativa. Este fator é observado sem dificuldade pela caracterização cênica, como uma peça de teatro – neste caso, a visão externa – em composição ao próprio teatro, que é a abordagem dramática que o filme contextualiza.

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Como uma peça, a história se apresenta com três paredes, além da óbvia coreografia existe no próprio palco, de forma literal, toda a história de bastidor é construída com o mesmo princípio, excluir a representatividade, minimizar o apelo pela caracterização de personagem. O diretor se vale, dessa forma, de uma alternativa mais fiel e fidedigna a proposta do filme, sendo, portanto, coerente e construtivo à problemática que ele aborda.

Fazendo o devido registro sob a característica de “um único plano” em filmagem, a técnica e ideia já havia sido empregada em outro momento, sendo o exemplar mais famoso o filme Festim Diabólico (Rope, 1948), de Alfred Hitchcock. Obviamente impossível de filmá-lo num único take, sem cortes, a ideia é direta ao querer aprofundar a imersão, com uma câmera sempre em movimento, transitiva, apontando para uma direção menos preguiçosa, mais paciente e cuidadosa nesse sentido.

A metalinguagem supracitada, vai além no apelo dramático do filme, o personagem de Riggan, interpretado por Michael Keaton, numa das primeiras cenas, conversa consigo num espelho, refletindo ao fundo um destacado pôster, de cores chamativas, que tão logo descobrimos ser a maior obra deste ator, (outra abordagem de imersão, construindo ator sobre ator), quando este fora reconhecido nos anos 1990 como uma estrela do cinema, e descobrimos portanto que sua atual situação carece de reconhecimento, externo do público e crítica, e também consigo.

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A tragicomédia atuante, forma a personalidade do filme na construção de sua capacidade irônica, sabendo reconhecer que sua abrangência crítica como obra tange os campos de sua própria análise, ou seja, o filme se autocritica, com maior tendência a crítica negativa do que positiva, sob os aspectos que apresenta sobre ator, mídia, público e bastidores.

Nesse sentido, o filme é sábio e bem dosado, sem exagero, caricato, ou característico em demasia sobre qualquer rotulação. É agradável acompanhar como a obra se reapresenta com diversas análises, passando de filme entretenimento, com poder dramático, cômico e de ríspido humor negro e fantasioso.

Com estes elementos, o seu idealismo ainda assim é existente, ainda que não seja sua única intenção, o filme doa material suficiente para ser analisado com poder crítico.

O trabalho final que o longa entrega desponta a uma provável noção distorcida sobre a capacidade de se filmar, como se tornasse crível que executar um filme com tamanho domínio e alternância de técnica, atuação, idealismo e entretenimento não fosse assim tão complexo, fosse somente uma escolha entre fazer ou não fazer um bom filme, tão possível quanto ganhar numa escolha de  cara ou coroa.

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Para isso, mais longe que alcançam nossas análises, desponta conhecimento sobre esta arte, e principalmente capacidade de unir talentos. A escolha de atores, passando por todos que surgem em tela e que possuem altíssima relevância para a ideia maior de Birdman, são um dos pontos altos da realização. É um grande voto de confiança, que é bem correspondido pelos atores Emma Stone, no papel de Sam, a filha de Riggan, Zach Galifianakis, como Jake, Naomi Watts, em Lesley, e principalmente Edward Norton, no papel de Mike, muitas vezes mais complexo e improvável que o próprio personagem central de Michael Keaton, que só não teve o mérito de um bom desfecho, diante daquilo que consegue construir.

A maior contribuição em termos de inovação, surge, no entanto, à trilha sonora em sua percussão. É irreconhecivelmente diferente, ritmada por uma bateria extremamente consciente em termos de proposta, em alguns momentos tão participativa em cena que surge na forma de um personagem, como uma brincadeira ou um apelo a se observar o que ela consegue propor com tanta facilidade. Seu suspense é perfeito, mixado em alto som para sublinhar sua importância. Muitas coisas são bem executadas, algumas são interpretativas ao gosto de cada um, mas a empregabilidade da trilha sonora, ainda que seja somente em música ambiente, é algo que não se repete sem se saber do que faz.

Uma conclusão positiva, obviamente, convencido pela direção atuante que comporta e faz acontecer em sua grande execução.

[quote_box_center]Birdman (2014)

Diretor: Alejandro González Iñárritu

Duração: 119 minutos

Gênero: Comédia, drama.[/quote_box_center]

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