Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “Se em A Origem Christopher Nolan surpreendeu ao nos entregar um clímax que se estendia por mais de uma hora, em Dunkirk o diretor resolveu criar todo um filme ao redor desse conceito. Não deu muito certo.” A estrutura é a mesma: três linhas temporais (praia, mar e ar) com três extensões temporais diferentes (uma semana, um dia e uma hora). Se em A Origem a ideia foi um tanto orgânica e bem executada, em Dunkirk há problemas. Há problemas pelo filme ser seu clímax por inteiro, o que significa que não temos personagens bem desenvolvidos — para piorar, um dos com mais tempo dramático em tela, aquele interpretado por Cillian Murphy, são detestáveis — e nem um tempo fílmico adequado. Quase nunca nos parece que uma semana transcorreu naquela praia ou uma hora com os aviadores: parece uma mistura de talvez dois dias ou algo assim. Poucos filmes conseguiram dispensar adequadamente personagens e diálogos e sair impunes e esse não é o caso de Nolan. O filme tem duas estrelas claras: as cenas de batalhas e Hans Zimmer. As batalhas são belas, bem como a opção de não mostrar um alemão sequer, dando até um toque fantástico ao filme, um inimigo que existe como um fantasma, que beira o indestrutível e pode estar em qualquer lugar. Apesar de problemas com espaço que já são patentes de Nolan (a trilogia Batman sofreu um pouco com isso), as cenas evocam grandiosidade na medida certa — entre batalhas de aviões e navios lotados de marinheiros bombardeados vemos cenas de horror onde os gritos são as únicas expressões que os soldados conseguem exclamar. O problema aqui é que os personagens precisam nos dizer e repetir que 300 mil homens estão naquela praia, pois Nolan e seu orçamento milionário não conseguem nos mostrar isso, seja nas cenas iniciais na praia ou no resgate, que deságua num final bonito, mas tecnicamente manco ao não alcançar o número tão repetido. Essa necessidade de repetir em palavras o que visualmente deveria estar muito claro (cinema, meus caros) chega num ponto incômodo. Mas Zimmer toma o filme para si: sua trilha é feita para deixar nossa respiração suspensa. É um artifício barato e feito por qualquer computador (pesquise sobre a Escala Shepard), mas o compositor faz o que pode para camuflar as coisas e manter a beleza de sua trilha onipresente. O trabalho dele poderia ser ainda melhor, como já mostrou em outros filmes do diretor, mas aqui a necessidade primária de criar cenas sobrecarrega o compositor, que ainda consegue mostrar sua genialidade e camuflar seus truques. Essa união entre beleza visual e sonora é o que segura o filme de verdade, pois Dunkirk é um longa desprovido de qualquer arte. Talvez o filme mais sem alma do diretor, em que suas situações emocionais bregas — pense nos piores diálogos de Interestelar — cheguem ao limite. Pense no final e o soldado que diz que os britânicos não olharão na cara deles, derrotados (ele precisa dizer isso duas vezes, como que para confirmar que o filme pensa que isso é o que se passa na cabeça de um soldado que acabou de escapar da morte certa com a ajuda de civis). Mesmo que você chore com os civis colocando cerveja gelada dentro do trem, ao mesmo tempo reconhece que aquilo tudo é forçado e a emoção surge mais do contraste barato criado pelo diretor e pela boa atuação dos figurantes. Dunkirk é um filme praticamente sem roteiro, o que mostra que Nolan perdeu a mão nos roteiros e não manja muito de filme de guerra, ao usar o episódio do resgate de Dunquerque apenas para demonstrar algum virtuosismo técnico. Visualmente técnico, que fique claro, pois nem um clímax real e demarcado o diretor conseguiu nos mostrar, e quando ele finalmente chega parece mais obra do acaso que o esforço de milhares de homens. Chega a ser evocativo que a única cena bela de verdade, sem breguice, envolva Tom Hardy, quando finalmente mostra o rosto após ficar o filme inteiro de máscara de aviador, como que tendo uns segundos de liberdade ante a mão pesada do diretor. É bem provável que qualquer um fique sensorialmente sobrecarregado com o filme. Mais ou menos o que fez Iñarritu com seu O Regresso, que buscava a todo momento guiar a nossa percepção da forma mais artificial possível na mostra de sofrimento contínuo de seu protagonista. Nolan tenta nos dizer que a guerra é cruel e sangrenta, mas cala os próprios sofredores, ao mesmo tempo em que nos exclui da experiência cinematográfica escancarando em palavras vazias cada detalhe do que deveríamos sentir durante a projeção. Dunkirk é um passo atrás na carreira do diretor e suspeito que o próprio Nolan pense que essa seja sua obra-prima. [quote_box_center]Dunkirk (EUA,2017) Direção: Christopher Nolan Duração: 1h 46min Elenco: Tom Hardy, Cillian Murphy, Mark Rylance, Harry Styles, Fionn Whitehead.[/quote_box_center]