Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Quem conhece videogames minimamente sabe o que é E3 – ou Electronic Entertainment Expo, em sua nomenclatura mais formal. É onde os principais fabricantes de games e jogos se encontram para soltar as novidades, impressionar o público e os varejistas, além de mostrarem um pouco do poder – principalmente financeiro – da indústria de games. Bom, era assim até alguns anos atrás. Esse foi meu segundo ano cobrindo o evento profissionalmente. E posso dizer que a edição 2012 da E3 foi facilmente uma das piores, entre as seis que já havia visto anteriormente. Foram horas e horas de apresentações sonolentas, com produtos absurdamente chatos e um ar de enganação sem precedentes. A Microsoft até apresentou um conceito legal, chamado Smart Glass, que conecta o Xbox 360 com tablets e smartphones – Android e iPhone/iPad também estão na jogada. Mas aquilo não são games, é mera perfumaria. E videogames, bem… servem para jogar, o resto é complemento, e o Smart Glass se encaixa nessa categoria. As outras duas grandes fabricantes de consoles não se saíram muito melhor. A Sony gastou um quarto da apresentação para mostrar o Wonderbook, um aplicativo que utiliza o sensor de movimentos do PS Move para ler livros em realidade aumentada. Para chamar a atenção do sistema, um livro do Harry Potter em que é necessário balançar os braços para realizar feitiços. Beirou o patético, embora deva chamar a atenção das crianças que não possuam algum grau de hiperatividade. Ao menos a empresa conseguiu alguma dose de respeito com os potencialmente excelentes The Last of Us e Beyond: Two Souls. A Nintendo não se saiu melhor. Teve três conferências onde tinha todas as possibilidades e funções secretas do Wii U para mostrar e patinou feio em um pântano de marasmo, com a arrogância típica de Reggie Fils-Aime, presidente da Nintendo of America, conseguindo mandar tudo pro buraco em minutos. Em certo momento, um engenheiro de software da empresa subiu ao palco por 15 minutos para mostrar as funções de um jogo que deveria servir para mostrar as funções do Wii U. Para completar a festa, quem brilhou de verdade foram os franceses da Ubisoft, que além de serem presença obrigatória nas conferências de todas as outras empresas, ainda tiraram da cartola um jogo do nível de Watch Dogs, uma mistura da liberdade de GTA com o mundo distópico e futurístico de Deus Ex: Human Revolution. Ninguém nunca tinha nem ouvido falar do jogo, uma proeza das mais complicadas em um mundo recheado com boataria barata. Entender como franceses botaram banca em um evento dominado por japoneses e americanos é uma missão meio complexa, mas foi o que aconteceu. Mas por que tudo deu tão errado nessa edição do evento? Os mais apressados vão dizer que é uma aguda crise criativa que espalha sua capa negra sobre as mentes insanas dos desenvolvedores de games. Em um mundo onde os jogos de tiro em primeira pessoa (sempre eles), ano após ano, vendem cada vez mais (Halo, Call of Duty, Battlefield… e assim por diante) e praticamente sufocam orçamentos em suas próprias produtoras, não é lá muito difícil concordar isso. E vão além e se tornam os maiores lançamentos do ramo de entretenimento, troféu segurado por Call of Duty: Modern Warfare 3 após detonar Avatar e derramar US$ 400 milhões nos bolsos da Activision Blizzard – somente nas primeiras 24 horas de comercialização. Outros vão dizer que o problema é de ordem financeira. A Sony amarga prejuízo faz uns bons cinco anos. Sua divisão de games, uma das únicas realmente lucrativas, também está patinando. A empresa é como um gigante tropeçando em seu próprio tamanho, pronta para cair e se despedaçar. Até a toda-poderosa Nintendo, até pouco tempo a segunda maior empresa japonesa – só perdia para a Toyota – está em um momento delicado, e tomou na cara seu primeiro prejuízo desde que a empresa começou a negociar as próprias ações. Satoru Iwata, o presidente da empresa, até cometeu um harakiri corporativo ao tomar para si a culpa do problema, reduzir o próprio salário pela metade e cortar os benefícios financeiros – na Nintendo, funcionários subalternos recebem cerca de oito salários anuais a mais só em benefícios. Financeiramente, só a Microsoft corre por fora. A empresa é gigantesca, tem uma farta receita graças ao mega sucesso do Windows 7 e suas mais de 600 milhões de licenças vendidas e ainda fatura bilhões com o Office. Ou seja: pode bancar sem problemas aventuras com o Xbox e Windows Phone 7 e só pensar em lucros a médio e longo prazo. Mesmo assim, grana não é o problema. A indústria de games faturou mais de US$ 70 bilhões em 2011, e se continuar com esse ritmo de crescimento, deve chegar aos US$ 112 bilhões em 2015. Como vocês sabem, é mais que o restante das indústrias de entretenimento somadas e isso não mudará tão cedo. Então qual é o problema da falta de brilho da E3? O problema que poucos querem admitir é que a crise existencial que formas de arte como a música e o cinema enfrentaram – e enfrentam – está atingindo prematuramente a nomeadamente vanguardista arte dos videogames. O problema é sempre o mesmo: um grupo de empresas poderosíssimas controla a mídia em que essa forma de arte é comercializada, e com a chegada dos meios digitais, todo o processo se revela um gigantesco e intrínseco castelo de cartas. No auge do sucesso do Nintendinho, a Nintendo tinha um processo extremamente draconiano em suas relações com as produtoras terceirizadas que desenvolviam jogos. Somente a Nintendo tinha licença para produzir cartuchos de Nintendinho, e tinha uma encomenda mínima de cópias com pagamento adiantado. E tudo era feito no Japão, o que ampliava ainda mais os custos. Era o rei gordo mandando em seu castelo. Tudo graças à célebre frase do dinossauro assustador Hiroshi Yamauchi: “Não é o hardware que sustentará os videogames, mas sim os jogos”. Essa frase sintetizou os próximos passos das fabricantes de console, que subsidiam tecnologias caríssimas em seus consoles para ganhar lucro depois, com vendas milionárias de jogos. Uma das únicas exceções é a própria Nintendo, que vende seu console geralmente US$ 50 mais caro que seu custo de produção, e não precisa entrar nesse tipo de jogada de risco. Com esse palco armado, é mais simples entender porque a Sony e a Microsoft travaram uma luta tão selvagem para estabelecer o domínio de uma mídia padrão. De um lado o derrotado HD DVD e do outro Blu-Ray. No fim, a vitória da Sony com o disco azul teve um amargo sabor de derrota logo após a empresa tardiamente entender que as próprias mídias físicas já encaravam um abismo gigantesco a sua frente. O Blu-Ray vende pra cacete e é um puta avanço tecnológico, mas nunca alcançará os dias de glória vivido pelo já praticamente falecido DVD. Essa obsessão pela mídia física é uma das miopias dos fabricantes de videogames. A realidade hoje é muito mais multifacetada e complicada, pronta para engolir os dinossauros que não conseguirem se adaptar. A época em que bastava fazer um jogo, embalá-lo em alguns DVDs, gastar alguns milhões com propagandas e esperar o dinheiro chegar está perto do fim. Hoje os modelos de negócio estão se diversificando bastante. O que Eu mesmo achava impossível de rolar já está na área: jogos free-to-play (grátis, mas com possibilidade de micropagamentos, no melhor estilo Zynga) já começam a ser uma opção aceitável pela indústria, após mostrar uma ganância sem precedentes com muitos DLC meia boca. Para ter uma ideia da dimensão do processo, a Crytek – dona daquela engine que arranca lágrimas de sofrimento mesmo dos computadores mais poderosos – decidiu que após Crysis 3 só vai lançar jogos gratuitos com micropagamentos. Tudo com uma rede social própria e supostamente com jogos que terão a mesma qualidade dos jogos AAA da produtora! Se a iniciativa vira padrão, as implicações são gigantescas. Redes varejistas grandes como a GameStop podem simplesmente desaparecer da noite pro dia, da mesma forma que aquelas enormes lojas de CDs simplesmente foram varridas da história e substituídas pelo iTunes. É a vida, pura evolução darwiniana corporativa que não perdoa ninguém. Venda de jogos via Internet não é nenhuma novidade. A Sony tem a sua PlayStation Network enquanto a Microsoft possui a Xbox LIVE, que em breve se tornará um ecossistema de entretenimento ainda mais completo, se conectando a celulares, computadores, tablets e todos os produtos da concorrência – além de se tornar uma máquina coletora de dados pessoais ainda mais faminta e tentacular, mas deixemos a paranóia para textos futuros. Porém, não se esperava que as versões físicas morressem tão cedo – ou na verdade estão todos sugando o formato até a última gota. Tirando a colateral morte de redes de lojas de venda de games – tipo a inglesa GAME Group, que era a maior do país e foi à bancarrota da noite pro dia – as mudanças só trarão benefícios para as empresas e provavelmente para os consumidores. A tendência são os preços caírem, somados a agilidade em entrega, fim da venda de jogos usados, entre outros. A Nintendo já se preparou e anunciou que todos os jogos para Wii U e 3DS serão vendidos em formato físico e digital ao mesmo tempo – medida similar a tomada recentemente pelas editoras Marvel e DC Comics. O problema foi o preço, que segundo a empresa será igual para os dois. A Microsoft e até a lenta Sony devem tomar medidas bastante similares, ou ainda mais agressivas. Rumores até disseram que a o próximo Xbox não deve nem ter drive de disco, se concentrando exclusivamente para vendas digitais. As produtoras com certeza gostariam, já que a grana que iria pro empacotador, o embalador de jogos, as transportadoras e uma série de engrenagens nas linhas de montagem, vão, em boa parte pro bolso delas. Seria como um Steam das donas de consoles. Esse ambiente existe sem a necessidade de E3, que tem a tendência de virar um elefante branco nos próximos dois anos. Antes a festa era usada para impressionar varejistas e para bombardear jornalistas de todo o mundo com novidades. Isso acabou. Os varejistas em breve serão dispensáveis, e o comércio pode se concentrar facilmente em umas poucas lojas online do porte da Amazon. Os jornalistas e consumidores são alimentados diariamente com trailers, imagens, entrevistas, rumores plantados pelas próprias empresas, anúncios oficiais entre diversos outros artifícios. Um jogo que passaria batido em uma enxurrada de anúncios de uma E3 da vida, pode ganhar repercussões mamutescas com o poder da Internet e a escolha do dia certo para divulgação. Empresas podem ter eventos próprios de divulgação, e até se associarem com veículos especializados para uma campanha, como acontece mensalmente com a Game Informer, a mais poderosa revista de games dos Estados Unidos, que quase sempre traz artes exclusivas (e mega bonitas) em suas capas. Por isso a E3 teve sua morte decretada em 2012, o ano da mudança, embora ainda se encontre em um momento de agonia dolorosa. Hoje as empresas não sabem se agradam aos jogadores, mostrando dúzias e dúzias de games inéditos, ou transformam tudo em uma espécie de Consumer Electronic Show e concentram as apresentações em avanços tecnológicos. Esse ano eles não fizeram nem uma coisa nem outra e decepcionaram jogadores, jornalistas e os próprios investidores. Uma situação embaraçosa, cheia de repetições vergonhosas e anúncios de coisas que todos sabiam. Isso em um momento em que a Sony vê o portátil PS Vita vendendo menos que o antecessor PSP e a Nintendo praticamente ter matado o Wii, que não recebe lançamentos decentes há meses, mesmo tendo a maior base instalada dessa geração. Se esses mamutes da indústria não entenderem o momento, é possível que levem um chapéu da Valve por exemplo, que além de ser dona do Steam – o iTunes dos games – pode lançar um console próprio, o SteamBox, um computador modificado com joystick que roda o sistema Steam macio. Se ela conseguisse uma parceria pesada com a Ubisoft é possível que estrangulasse lentamente os outros consoles. Mas do jeito que o andamento das coisas está, não é possível prever nada. Em algum laboratório secreto da Nintendo, Sony ou Microsoft é possível que algum engenheiro que não dorme há uns três dias esteja rascunhando o sistema ou dispositivo que será o futuro da tecnologia dos games, e mude o jogo completamente. O fato é que tudo caminha a passos largos para um cenário descentralizado steampunk, com cada empresa lançando seus jogos em suas comunidades próprias e com sistemas semi-fechados. Quem sabe o impossível aconteça e Sony, Nintendo e Microsoft se unam em um console único para competir com a ascendente Valve? A E3 como conhecemos pode estar a beira da morte, mas um futuro bem acelerado e complexo está a frente não só da indústria de games, mas de todo o ramo do entretenimento. Estejam preparados para ele.