Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) A MOB GROUND NÃO incentiva o uso de tais substâncias e nem assume as consequências caso algum leitor o faça. A nota dada ao fim da resenha trata apenas da potencialidade da substância e não ao seu grau de diversão ou de “barato”. Sejam conscientes e não usem drogas! Arrumei umas sementes de Argyreia Nervosa, uma planta que venho estudando faz algum tempo. Pensei: “WOW, por que não resenhar a semente pra MOB?”. Tirei um dia pra isso, com a desculpa de que era apenas uma experiência sobre a qual eu escreveria. Existem vários métodos corretos e menos tóxicos de tomar Argyreia Nervosa, que consiste em triturar, misturar com suco e moer, essa viadagem toda. Como eu não tava com saco, só fiz um suco de limão, gelei por 30 minutos na geladeira e trouxe pro meu quarto. Com as sementes já lavadas (vai saber onde enfiaram essa porra antes de chegar a mim) sentei de pernas cruzadas e posicionei as sementes no chão. Fiz um desenho usando 7 delas (um X com 2 sementes em cada “perna” e uma solitária no meio, simbolizando a Axis Mundis, o centro do cosmos). Iria tomar 7 por que é o número de noites que Odin ficou enforcado como sacrifício na árvore Yggdrasil em busca do conhecimento das Runas (e eu tenho certa ligação mística com o velho caolho), o dia do meu aniversário é 7 de Agosto (lembrem, quero presentes) e o número 7 tem certa característica de perfeição na numerologia romana (era o número dos “Augustus”, tipo, imperadores, e por ironia do destino “Augustus” é algo próximo do meu nome), inclusive os Persas consideravam 7 um número sagrado, por que era o número das principais famílias que derrotaram os medos (tribo ariana que disputava território com os persas). Enfim, resolvi usar o “método indígena” mesmo, o mais trash e que provavelmente me foderia. Esse método consiste em colocar as sementes na boca, beber um pouco do suco, mastigar as sementes, e deixar o liquido na boca o máximo que desse e então engolir o líquido. Depois bebi o resto do suco e fui pra cama. Me deitei de lado na cama, durante 30 minutos senti um enjôo bem forte, que sei lá como consegui segurar sem vomitar (se vomitasse a experiência estaria terminada ali mesmo). Senti meu corpo febril, era uma sensação muito ruim, que no entanto com o tempo foi se revertendo. A febre meio que revestiu meu corpo com uma camada de defesa que me protegia do contato direto com o mundo externo, então TODA sensação ruim era filtrada por essa camada e eu só sentia as coisas boas ou indiferentes, as negativas eram neutralizadas. Estava escuro e tocando Syd Barrett no notebook. As frases das músicas pareciam incompreensíveis, como se ele estivesse falando uma língua antiga, em compensação o som… o som estava inexplicavelmente intenso e claro. A batida de dedos na madeira do corpo do violão, o som das cordas e da voz, eu não conseguia entender, mas compreendia, o som era doce e universal. Ele ecoava por todo o quarto. Sim, compreendia embora não entendesse. São duas coisas diferentes. Durante aquele momento compreendi a totalidade da música, mesmo que minha cabeça não conseguisse entender nada. A música não era apenas som, ela atingia todo o meu corpo com uma espécie de fluxo verde e se espalhava por todas as minhas células, produzindo uma sensação de prazer intenso. Meu corpo inteiro estava sendo bombardeado de prazer pelas músicas do Syd. Prazer é modo de dizer, prazer parece algo sexual, algo físico, e na verdade não se tratava disso, era uma sensação de plenitude, de totalidade, de satisfação sem fim. Foi então que do nada a música parou de tocar. Eu olhava para a tela do player e ele ainda estava tocando, mas não chegava mais aos meus ouvidos. Em compensação o ar ficou eletrizado de prazer. A respiração me dava prazer, movimentar a mão no ar me dava prazer, fechar os olhos, ser atingido pelo vento, TUDO me dava prazer. Minha cabeça começou a tentar dar um sentido a tudo aquilo, a solução foi corporificar as idéias: era uma deidade do ar brincando comigo, me satisfazendo, por isso o ar tava eletrificado de prazer. Fiquei deitado na cama, olhando pro teto e brincando com essa deidade do ar, eu não a via, mas sabia que ela estava comigo, sempre esteve, afinal, o ar está em todo lugar. Cai no sono, quando acordei novamente a deidade do ar já não estava mais presente. Encontrei uma fresta de luz no teto, não havia buraco ali, eu sabia, mas mesmo assim um feixe de luz atravessava o teto em minha direção. Fechei os olhos e ainda assim conseguia ver o feixe de luz. Não importava se de olhos abertos ou fechados eu via todo o meu quarto e principalmente o feixe de luz do mesmo jeito. “Essa luz é Odin?”, pensei. “Faz sentido, Odin é caolho, uma luz atravessando o teto pode ser Odin me observando. Uma luz atravessando o teto é uma espécie de panóptico, sim, é Odin.” A luz se voltou em minha direção, e ela tinha uma presença física que me enchia de felicidade, felicidade não, era novamente a sensação de plenitude similar a que a deidade do ar e a música do Syd tinham me proporcionado. “Odin sempre está de olho em mim, é meu protetor”, pensei, e apaguei novamente. Quando tomei a semente, chamei uma amiga pra ir me acompanhando no MSN. Ela não tem experiência nessas coisas, mas eu precisava de uma conexão com a realidade pra não me perder completamente do lado de lá quando o efeito batesse com força. Uma espécie de guia, ou melhor, um localizador. Apesar de sua completa inabilidade, ela acabou me ajudando a voltar aos poucos, mais por minhas habilidades mentais do que por quaisquer habilidades dela, é verdade, mas voltei. Quando acordei novamente eu não me sentia completamente no comando do meu corpo. Desliguei o player, que ainda tava tocando Syd Barrett, e olhei pra tela. A minha amiga estava falando algo no MSN, ela não acreditava muito que eu realmente tivesse tomado algo, então passei algum tempo explicando. Só que havia algo de estranho, eu não queria ligar a luz do quarto, mas estava densamente escuro, uma escuridão que me sufocava fisicamente. De repente, quando fui notar, eu estava sozinho, no meio do nada, com apenas a tela do notebook ligada, e só com a janela dessa amiga do MSN a disposição. Eu não conseguia abrir o MSN pra chamar outra pessoa nem nada, só dava pra falar com ela. Era de fato, meu único elo com a realidade. Fui até a janela no meio do nada (eu sei que não há janela quando se está no meio do nada, mas havia uma janela, mesmo que não houvesse uma janela…) e olhei pro céu. Consegui enxergar as grades no fim do universo e espécies de entidades metálicas, de cor escura, debaixo das nuvens. Então me veio uma dúvida mortal, eu precisava muito mijar, como se faz pra mijar? Fui até o MSN e perguntei pra minha amiga como se faz pra mijar. Naquele instante me dei conta de que as necessidades básicas, tais quais mijar, são as únicas necessidades verdadeiras. Lembrei de Kerouac na Montanha da Desolação, aprendendo a comer quando se tem fome, beber quando se tem sede e mijar e cagar quando o corpo realmente quer lançar fora excrementos. Isso pode parecer óbvio para os espertalhões, no entanto a verdade é que muito raramente alguém supre as necessidades básicas, as únicas reais, quando se deve. Mijamos toda hora ou prendemos demais, comemos toda hora ou ficamos muito tempo sem comer, e etc. etc. etc. Se eu conseguisse mijar eu seria a pessoa mais feliz do universo. Poderia ir até o banheiro, mas eu não queria, no caminho ia encontrar pessoas e eu me recusava totalmente a encontrar pessoas. Só fui mijar por que eu queria de verdade, em nível vital, meu corpo precisava, e não por simples capricho da minha consciência, era uma questão que superava o simples ego idiota que criamos cotidianamente. O tempo começou a pular, num momento eu estava conversando com minha amiga no MSN, dava um flash e eu estava mijando num copo que encontrei no meio do quarto, dava outro flash e eu estava jogando o mijo pela janela, outro flash e eu estava jogando roupas pela janela, outro flash e eu voltava pro começo da tarde, quando estava deitado na cama e olhei pela primeira vez a tela do MSN com a conversa da minha amiga. “Eu tô viajando no tempo!”, disse pra ela. Ela não entendeu, riu e disse que eu estava louco. “Sério, o tempo ta confuso, peraí, vou tentar organizar ele.” Algo em mim dizia que eu seria capaz de organizar o tempo me concentrando. Foi aí que percebi que todas as sensações de prazer na verdade estão concentradas no olho humano. O controle da realidade e das sensações de satisfação tem a ver com a pressão que a pálpebra pode fazer no globo ocular. Acredito piamente que muito da meditação está conectado com o controle do globo ocular, ele que é a porta das percepções! Há mais ou menos 2 anos atrás eu havia tentado a “ego-morte” do livro dos Mortos dos Tibetanos do Timothy Leary, nessa situação eu notei que a sua campanha posterior “controle sua retina” era a chave pra psicodelia sem uso de substâncias químicas. A pessoa que tem controle da pressão do olho e sabe explorar esse ponto, pode visitar o outro lado sempre que tiver afim! De alguma forma eu conseguia ter pleno domínio do globo ocular naquele momento e compreendi que o prazer erógeno (dos órgãos genitais) passam longe de ser o prazer mais forte. A diferença essencial é que o órgão genital pode ser estimulado externamente, enquanto o olho exige uma concentração, auto-conhecimento e pesquisa que são raríssimos de encontrar em alguma pessoa. É muito mais fácil encontrar alguém pra chupar o seu pau do que encontrar um Buda (calma galera, uma coisa não deve excluir a outra, haha). Não consegui organizar o tempo, pois deu um flash novamente estava lá, eu mijando no copo. Tudo estava em completo silêncio, era como se eu estivesse no interior do nada. Olhei pro copo e senti uma conexão com o meu mijo. “Tudo é feito de água, eu sou feito de água, o mijo é feito de água, eu sou o mijo e o mijo sou eu, é tudo a mesma coisa.” O mijo estava com um brilho estranho, eu conseguia enxergar ele saindo de dentro de mim, sentia cada gota de mijo se juntando com as outras centenas de gotas no copo. Tudo era eu, e do nada consegui enxergar a mim mesmo da perspectiva do mijo. Eu estava no copo, me vendo mijar, me vendo depositar a mim mesmo dentro do copo. Sentia o liquido todo percorrendo meu corpo. O quarto estava derretendo, ele também era líquido! Deve ter sido depois de usar uma parada assim que o Zygmunt Baumanpostulou que a realidade era líquida, haha! O tempo novamente pulou e eu já tinha jogado roupas pela janela do quarto, não lembro por qual motivo. Só que eu estava banhado! Eu tinha ido até o banheiro e voltado, passei pelo pessoal da sala, comi um pão com queijo e voltei pro quarto. Isso sem nem fazer idéia de como! Meu corpo simplesmente tinha feito sozinho. O pão e o queijo tinham gosto de metal, a água não tinha gosto de nada. Quase que o pão não desce pela minha garganta, então o peguei e trouxe pro quarto. Quando eu falava com alguém era como se a voz viesse de trás da minha cabeça e não da minha garganta. A realidade parecia uma colagem em cima do outro lugar que eu estava. “Preciso fazer a colagem se sobrepor a esse outro mundo, talvez assim eu volte pra realidade. Preciso me colar ao cotidiano!” As vozes das pessoas eram estranhas. Foi então que percebi que estava novamente na frente do computador e minha amiga tinha me dito para tomar banho. Eu não lembrava daquilo, mas tinha conversado muito com ela, um monte de coisas aleatórias. Notei que eu estava na minha cabeça e não no resto do meu corpo, eu via através dos meus olhos de uma maneira diferente do normal, eu via como se eu estivesse vendo uma janela. Lembro de ter me olhado no espelho e pensado “isso não sou eu, não sou uma imagem”. Meu corpo agia sozinho, eu não sentia meus dedos digitando no computador, era como se eu tivesse em outra dimensão ditando as coisas e o corpo sozinho escrevesse. O tempo pulou novamente, dessa vez eu havia mijado no meio do quarto, mijei no notebook e ele não ligava mais. A escuridão densa passou a ser mais sufocante e ameaçadora. Tentei ligar o notebook de todo jeito, mas ele não ligava! Era meu único elo com o mundo real e eu havia perdido, estava fodido! As vozes das pessoas na sala passaram a ficar insuportavelmente altas, como se eu estivesse sentados lá do lado e elas estivessem gritando. Pareciam estar conversando sobre mim, eles pareciam ameaçadores, terríveis, por que estavam falando de mim? Eu só estava no meu quarto, não fiz mal a ninguém, não fiz nada de ruim. Todas as palavras das conversas pareciam estar direcionadas a mim, por que eles me odiavam? Por que o mundo me odeia? Comecei a surtar numa megalomania paranóica a la NHK. “Será se é verdade como no anime? Será se existe realmente um plano em que todos estão fazendo parte, uma grande conspiração que quer me foder?”. Somando isso ao fato da minha amiga ter dito antes do notebook parar de funcionar que eu estava era esquizofrênico e pronto, comecei a pirar. Lembrei de um professor da universidade que gosto muito e que teve alguns problemas com esquizofrenia, como gosto muito dele comecei a bolar teorias sobre eu estar imitando a vida dele, imitando inclusive a esquizofrenia dele. E se eu realmente estivesse esquizofrênico? Ia ficar nessa outra dimensão pra sempre? Eu precisava voltar, sabia disso, mas meu ânimo era insuficiente, todo mundo parecia me odiar, eu devia realmente ter esquizofrenia, devia ser a merda dum esquizofrênico que precisa dos outros pra tudo. Passei então a ouvir a voz do meu pai colocando minha sobrinha pra dormir na outra sala. Todas as outras vozes sumiram, só ouvia ele e ela deitados na rede. A voz dele me dava uma sensação muito boa de segurança. Me deu forças o suficiente pra enfrentar a paranóia da esquizofrenia e tomar consciência de que eu estava naquele estado por causa das sementes e não por patologia. Ele cantava canções de ninar para minha sobrinha, canções que ecoavam por todo o universo. Acho que foi graças a ele que o notebook voltou a ligar. Na verdade era como se a tela tivesse sido apagada e só voltasse a funcionar de novo a partir dali. Já estava cansado de viajar no tempo, de conhecer a verdade absoluta do liquido, os confins do universo, queria voltar pro terreno estável da maldita porca realidade cotidiana. Porém um empecilho surgiu: o cursor do meu mouse sumiu. A sensação que tive era de que o universo todo já estava quase normal, com exceção do cursor. Seria esse o ultimo desafio da semente? A semente conversou comigo em alguns momentos, mas não lembro nada do que ela disse. Só sabia que ela estava me testando, exatamente como Castañeda comentou no “Don Juan – Erva do Diabo”, se ela me aceitasse eu teria seus poderes, se não, ela me torturaria toda vez que a usasse. Eu teria que arrumar um jeito de fazer o cursor voltar, esse era o teste final da semente. Como? O problema do cursor é porque o computador ainda era minha única janela com o real, e sem cursor eu não podia controlá-la, apenas poderia dar alt+tab no tweetdeck e MSN. Tentei me concentrar pra ver se o cursor voltava, e só nada. Então fiquei conversando com minha amiga no MSN, no intuito de ir me recolando mais ainda à realidade. Ela sugeriu que eu reiniciasse o sistema pra ver se o cursor voltava. Compreendi isso ao pé da letra, até porque não dava pra reiniciar o notebook, já que estava sem cursor… tentei reiniciar pelas setas do teclado e tal, mas não aparecia o botão de reiniciar ou desligar. Meu corpo foi ficando pesado, pesado, pesado, enquanto eu tentava reiniciar o computador, então me encostei na cama e apaguei. Quando abri de novo os olhos estava tudo do mesmo jeito! Eu reiniciei a realidade, meu sistema nervoso, tudo, e ainda estava sem cursor. Foi um longo percurso até recuperar o cursor, percurso esse no qual contei com a ajuda de outro amigo e o irmão dele que apareceram no MSN para me auxiliar. O Filipe tem certas experiências com o mundo místico, então ele me ajudou não só a recuperar quase completamente a sanidade, quanto me acalmou o bastante para que eu me sentisse seguro “do outro lado”, brincando de redesenhar a realidade. Esse itinerário todo chamamos (eu, Davi, Filipe e minha amiga) de “A Saga do Cursor”, no qual eu consegui vencer o teste da semente com a ajuda deles, mas ainda não compreendi os poderes que ela pode dar aos seus iniciados. Ainda estou tentando assimilar as primeiras experiências para tirar o seu quilhão de sabedoria mística. Passei uma semana estranhando o lado de cá da realidade e até hoje tenho lapsos de memórias perdidas desse dia. Foi uma experiência muito interessante e completamente natural. Nunca me senti tão satisfeito comigo mesmo quanto depois do uso dessa semente, melhor que muita parada química que já usei por aí e promete te transformar em um deus da psique. E o melhor de tudo, meu corpo não teve nenhum efeito colateral como cansaço ou fraqueza ou intoxicação, que alguns relatam terem tido. Substância: Argyreia Nervosa (trepadeira elefante) Duração: entre 6-8 horas Nota: 9 Errata: Conforme observado pela leitora Rose, havia uma incoerência quanto ao comentário sobre a nota da potencialidade da substância. E por isso, o retiramos.