Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) Texto publicado originalmente em: 16/07/2009 15h: Acorda 15h05: Chivas Regal, Jornais, cigarros Dunhill com Piteira 15h45: Cocaína 15h50: Mais Chivas e Dunhills 16h05: Café e Dunhills 16h15: Cocaína 16h16: Suco de laranja e Dunhills 16h30: Cocaína 16h54: Cocaína 17h05: Cocaína 17h11: Café e Dunhills 17h30: Mais gelo no Chivas 17h45: Cocaína 18h00: Maconha 19h05: Almoço na Taverna Woody Creek – cerveja, duas margaritas, dois cheeseburgers, duas porções de fritas, um prato de tomates, uma salada com taco, uma porção dupla de cebola frita, torta de cenoura, sorvete, um bolinho de feijão, mais Dunhills, outra cerveja, cocaína, e um cone de sorvete com uísque. 21h: Começa a cheirar cocaína a sério 22h: Ácido 23h: Vinho, cocaína e maconha 23h30: Cocaína 00h: HST está pronto para escrever 00h às 6h: Vinho, cocaína, maconha, Chivas, café, cerveja, suco de grapefruit, Dunhills, suco de laranja, gim, sessão contínua de filmes pornográficos 6h: Banho de banheira, com champanhe e fettuccine Alfredo 8h: Halcyon 8h20: Pega no sono Extraído do texto Um Dia na Vida de Hunter Thompson, do blog Vladivostok Sabe aquelas coisas que você considera perigosas, mas divertidas? Você tá com medo de ir, em frente, mas ao mesmo tempo, sente uma vontade louca também. Tipo saltar de pára-quedas, ou pular daquele trampolim altíssimo na frente dos seus amigos naquela festa à beira da piscina. Aí vem um colega sem noção que você tem, que já pulou diversas vezes e dá aquele empurrãozinho em você… que cai como uma abóbora madura, mas acha tudo o máximo. O jornalismo para mim foi um trampolim, um salto rumo ao semi-desconhecido; sabia mais ou menos o que me esperaria lá embaixo, mas não sabia como seria a queda ou os momentos após a queda. E o maluco que me deu o empurrãozinho, mesmo sem saber, e já estando com a cabeça estourada por uma bala de espingarda atirada por ele mesmo, foi Hunter Thompson. Eu passei a gostar de escrever algum tempo depois de gostar de ler – o que ocorreu ainda na primeira série. Sempre olhei o hábito como hobby e fui fazer faculdade de Sistemas de Informação, visando trabalhar na minha paixão de juventude além de obter informação: sistemas computacionais. Fiquei por três períodos, desisti e fui fazer jornalismo (mesmo ouvindo todas as questões sobre baixo salário e horas extras)… exatamente após ler Hell Angel’s, um dos livros mais conhecidos de Thompson. Olhando os jornais é difícil sentir qualquer apego àquilo… ou ter um incentivo para exercer a profissão de jornalista. Jornais são chatos em sua grande maioria, seguem estruturas rígidas demais, e contém textos insípidos. Parecem escritos por pessoas que prefeririam estar coletando esperma de macacos em algum zoológico da Tailândia. Mesmo que as notícias sejam sobre uma região ao lado da sua casa, é como se esses escritores estivessem distantes de você, mandando as notícias por email. Hunter fazia o inverso: escrevia sobre pessoas longe de você (ao menos de mim), mas fazia parecer que todos estavam ao seu lado, que eram seus amigos. Foi o que ocorreu com a saga dos Anjos Infernais, que contaram com a presença de Thompson por quase um ano entre a sua gangue… Hunter foi um daqueles jornalistas (e escritores) que não se acha fácil por aí. Enquanto no Brasil o “fazer jornalismo” quase sempre se limita a ir atrás de mortes, ou casos de corrupção (não me entendam mal, penso que isso devo ser noticiado, mas não SÓ isso, como é de praxe nos veículos brasileiros), Hunter ia atrás do que ele chamava de “a parte mais podre da América, onde me sinto em casa”. E fazia isso usando uma linguagem e um estilo até então inédito, e quase sempre com os aditivos mais potentes – e proibidos – misturados aos seus fluídos corporais. Muito do estilo de Thompson nasceu nos veículos jornalísticos mais malucos e com menos a perder dos EUA. Foi lá que ele teve a oportunidade de soltar seus primeiros textos sem ser tachado de esquisitóide. Afinal, ele estava entre os seus por lá. Sua primeira experiência com o que viria a ser conhecido como Jornalismo Gonzo – mais ou menos como uma versão 200 Km/h do Novo Jornalismo praticado por Gay Talese, Truman Capote e Norman Mailer – foi justamente Hell’s Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas. Anjos de Tridente Após se envolver com diversos membros da famosa e temida gangue de motociclistas, Hunter recebe o convite do editor da revista The Nation para traçar um panorama dos deles. Na época eles eram temidos, sua fama os precedia. Tudo graças a uma mídia que alimentava o mito de que eles destruíam todos os lugares por onde passavam, e aproveitavam o tempo livre para violar as moças que estavam a sua volta. Esses relatos deixavam a população à flor da pele, assim como as autoridades policiais, que se embebiam de medo, e agrupavam contingentes enormes, só de ouvir dizer que os Angels se aproximavam. Usando seu estilo único, recheado de referências a cultura americana, experiências pessoais e auto-inserção na notícia, aliada a amizade que fez com os fora-da-lei mais famosos do seu tempo, Thompson traçou o mais completo retrato, tanto social, quanto antropológico da gangue, além de ir fundo na psique dos caras e analisar sua influência política e econômica nos EUA. Sua descrição das festas regadas a drogas e orgias, as jornadas em comitivas gigantes de motociclistas e até os confrontos com a polícia é a radiografia mais verdadeira (ou talvez nem tão verdadeira, quanto afirmaram alguns promotores posteriormente) que o jornalismo já produziu sobre a contracultura que socou os EUA em cheio em meados da década de 60, mas explodiu violentamente nos Anos 70 (o livro é de 1965), juntamente com os escritos de Jack Kerouac sobre o surgimento da Geração Beatnik. As constatações de Thompson, como era de se esperar, em muito diferiram do que se aceitava comumente. Os Anjos não eram sociopatas que só pensavam em estuprar ou puxar alguma briga: eram homens sem formação, que só queriam experimentar um pouco como era ser um fora da lei. Eram malucos que muito diferiam dos “normais” da sociedade americana? Sim, e muito. Mas estavam longe do que era retratado pela mídia americana. Não tinham emprego fixo – no máximo faziam algum bico, geralmente de mecânico de motos, ou alguma atividade braçal- e em suma viviam entrando e saindo da cadeia, geralmente por crimes econômicos. Em resumo: eles eram um grupo (geralmente) unido, com uma rígida gama de regras de condutas (nem sempre seguidas) e uma visão de mundo própria. Eles eram como um grupo de cachorros selvagens que só atacam quando são atacados. Além dos Angels, Hunter é uma atração a parte no livro. Ajuda o fato dele SER o livro também. Sua experiência ao lado dos fora-da-lei é o que torna tudo importante, assim como a constatação de que está rodeado de mentiras. Suas descrições dos encontros dos Angels e de tudo que rolava lá, incluindo o assédio das mulheres, são antológicas, assim como os capítulos finais, com a narrativa do cortejo fúnebre de um dos motociclista atropelado. O “silêncio” que Hunter coloca nas palavras muito me fez lembrar as sequências em que os Jedi são massacrados, em A Vingança dos Sith. Triste, mas ao mesmo tempo, poético. Hunter escreve como um maluco desenhando num papel. Vai rabiscando o que vê, ouve e sente, e depois tenta dar uma ajeitada. O resultado é uma viagem literária das mais loucas. Para se ter uma idéia, seu livro basicamente se divide em três partes: a) a apresentação dos Angels como pessoas, b) os Hell’s Angels como organização, focando o grande encontro deles nas montanhas da Califórnia em 67, c) a cultura das drogas e do hedonismo entre eles. Fora isso, não espere muito mais organização nos textos de Thompson. Cada capítulo é um catatau gigantesco, com falas, entrevistas e nenhum senso de organização por assunto… o que torna toda a experiência única. Mesmo sem a organização que gente de calibre como Tony Parsons considera fundamental, ele consegue tecer uma base argumentativa coesa… daquelas de deixar de joelhos jornalistas cheios de si, de publicações bundonas como a Time e a Life, que estavam numa cruzada para colocar os Angels no ostracismo – eles só não entendiam que eles já estavam lá. Ao fim da jornada, você não sabe se odeia mais os Angels, ou se passa a admira-los. Depois de um ano tentando provar que os Angels eram um grupo muito mais complexo que os neandertais que a “elite” julgava que eram, Hunter recebe um estranho pagamento. Os Angels acharam que estavam sendo passados para trás e que estavam super expostos… e descontaram tudo em Thompson, dando-lhe uma verdadeira sova – usando as clássicas correntes que os tornaram famosos brigões. Ele foi salvo por Sonny Barger, o líder incontestável dos motoqueiros, após quase receber uma pedrada mortal na cabeça. Ao final ele se sente preso em uma caverna no Congo (ou em um acampamento no Camboja) e exprime a clássica frase: O horror, o horror… Sim, é tudo loucura, mas daquelas que redimem e ensinam mais que inúmeras edições do Estado de São Paulo! _______________________________________________________________________ Vou dividir meus posts sobre Hunter Thompson em três: esse, com os Angels, outro com sua biografia e com a sua antologia de reportagens, e mais outro com suas obras de ficção e sua mais famosa obra: Medo e Delírio em Las Vegas.