É difícil conhecer alguém que nunca tenha ouvido falar em John F. Kennedy, um dos mais populares (talvez o mais popular) presidentes dos Estados Unidos. Até hoje teorias da conspiração questionam se Lee Harvey Oswald realmente agiu sozinho ao assassinar o presidente. Apesar de ter ocorrido há 54 anos, quando o assunto é a morte do presidente é como se ela tivesse acontecido ontem. Toda a trajetória de Kennedy já foi mostrada em diversos filmes e séries de TV, geralmente com sua esposa Jacqueline Kennedy aparecendo como coadjuvante. Em Jackie, dirigido por Pablo Larrain, vemos a perspectiva dela sobre os últimos momentos de vida do marido e os quatro dias após a morte dele.

Utilizando como pano de fundo uma entrevista que Jackie deu para a revista Life uma semana depois da morte do marido, o filme foca principalmente nos esforços da viúva para organizar um funeral que ela considerasse realmente digno. Mostrando-se um tanto obcecada com a história de Abraham Lincoln, Jackie acaba assumindo para si a missão de fazer com que Kennedy seja sempre lembrado como uma figura grandiosa. Para isso, ela planejou um cortejo a pé até o local onde ele seria enterrado, com o objetivo de fazer com que as pessoas tivessem mais tempo de pensar nele. Além disso, apesar da vontade da mãe de Kennedy em enterrar o filho no mesmo cemitério onde estava o resto da família, Jackie faz questão de que ele seja enterrado no Cemitério Nacional de Arlington, local onde estão grandes figuras norte-americanas.

O interessante é que toda essa obsessão de Jackie Kennedy em preservar a memória do marido é a história oficial que ela conta para o repórter (Billy Crudup) da revista. É como se ela enxergasse este ato como sua última obrigação no cargo de primeira-dama dos EUA. Porém, a partir de certo momento do filme passamos a acompanhar também as conversas de Jackie com um padre, interpretado por John Hurt. Durante estes momentos, vão sendo revelados outros motivos pelos quais ela organizou o funeral de Kennedy da maneira que organizou. Com o padre, a ex-primeira-dama se permite ser apenas a viúva do homem John Kennedy, deixando de lado toda a politicagem com a qual ela teve que se habituar ao longo dos anos.


O diretor Pablo Larrain é eficiente ao diferenciar estes dois aspectos da personagem. Na conversa com o repórter, Jackie é apresentada como uma pessoa no comando de tudo, com uma postura de liderança. Além disso, ela e seu entrevistador geralmente são mostrados em quadros separados, reforçando o distanciamento profissional entre os dois. E a câmera do diretor está sempre fixa em um tripé, ressaltando a falta de emoção na conversa. Já nos momentos em que Jackie está com o padre, os dois geralmente dividem o mesmo quadro e o diretor utiliza a câmera na mão, com a imagem fechada no rosto dos dois, mostrando uma cumplicidade entre eles. Afinal, é nestas conversas, longe de toda a política que envolve a morte de um presidente americano, que Jackie consegue ser ela mesma e mostrar o quanto está sofrendo pela morte do marido.

Mas quem realmente carrega o filme nas costas é Natalie Portman. Com uma dicção bem característica e sotaque carregado, ela brilha ao interpretar as várias fases de Jacqueline Kennedy. Enquanto a Jackie que conversa com o repórter está sempre com um olhar confiante e quase sem emoção na voz, a que conversa com o padre é interpretada pela atriz sempre com os sentimentos à flor da pele. Já nas cenas que mostram a personagem apresentando a Casa Branca, Portman interpreta uma primeira-dama ainda bastante tímida com a sua nova situação, sempre olhando para baixo ou desviando o olhar de outras pessoas. O desespero que ela consegue demonstrar quando John Kennedy é acertado pelo disparo que tiraria sua vida é tocante. E é angustiante a cena em que ela tenta limpar do seu rosto todo o sangue do marido, como se nunca fosse conseguir se livrar daquilo. Com uma atriz menos competente, Jackie (o filme) poderia ter se tornado bem chato. Mas graças à Natalie Portman isso não acontece, sendo ela a responsável por deixar o filme muito mais interessante do que realmente é. Não é à toa que ela tenha sido indicada ao Oscar de melhor atriz.

[quote_box_center]Jackie (EUA/2016)

Direção: Pablo Larraín

Roteiro: Noah Oppenheim

Duração: 1h 40min

Elenco: Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Greta Gerwig, Billy Crudup, John Hurt.[/quote_box_center]

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