Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Parece meio simplório vermos uma série focada no interminável conflito entre o Hamas e uma unidade de forças especiais do exército israelense. Nós já vemos coisas assim nos noticiários, documentários, jornais e filmes e a essa altura os dois lados já se embrenharam em coisas tão obscuras e condenáveis que fica complicado até mesmo emitir uma opinião sem tropeçar e cair de cara no chão embaralhado nos próprios argumentos. Fauda é uma série israelense que ficou famosa por ganhar admiradores até do lado de lá do conflito, quando integrantes do Hamas admitiram gostar da narrativa. Os motivos vão ficando claro com alguns episódios, especialmente lá pelo quarto, quando a coisa explode de vez. A narrativa é básica e isso é importante aqui: um combatente de elite de uma unidade de elite (elite²) é chamado da aposentadoria quando seu antigo comandante descobre que um chefão do Hamas, desses sanguinários e inteligentes capazes de colocar bombas no café da manhã de políticos israelenses, não morreu 18 meses antes como se achava. Esse tal combatente (Doron) foi o cara que tinha atirado nele por último e, bem, conhece o rosto do procurado. Ele é então convocado para uma última missão como consultor só para olhar o sujeito enquanto invadem o casamento do irmão dele e acreditam que aquele é um excelente lugar para encontrá-lo. Como esse é o fio do primeiro capítulo, obviamente as coisas não se saem como esperadas e tudo desanda para o caos (Fauda é uma palavra para caos, em árabe). O lance de Fauda é entendermos perfeitamente a proposta dela. A série se propõe a esquecer um pouco os malabarismos narrativos e nos coloca no olho do furacão. Então espere algo linear que esmiúça seus personagens sem qualquer pudor e as relações entre eles, a ética, a morte, família. O lance para gostar de Fauda é justamente imergir dentro da rotina de pessoas que não devem temer a morte enquanto trabalham e ainda por cima conter o próprio ódio o bastante para se manter vivos. A série não te deixa muito momentos para pensar. Logo após a missão do casamento não terminar bem, desfilam a nossa frente cenas que misturam paranoia, terror, traição e medo. Sem necessitar de muita ênfase nisso, Fauda discute um amontoado de questões que em séries do gênero, principalmente as com muita ação, passariam batidas. Pense em quantas vezes você sentiu dor genuína durante uma cena de tortura de um terrorista. E um terrorista idoso. Isso aqui ocorre mesmo que não nos identifiquemos nenhum pouco com ele, mas apenas com alguma dose de humanização e capacidade cinematográfica. A cena por si só é brutal e ainda conseguimos enxergar no rosto de seus protagonistas o reconhecimento do mal envolvido naquela relação doentia. O grande trunfo da série é não pisar no freio em retratar terroristas ou soldados de forças especiais como pessoas, em toda a sua complicação. Por mais que seja possível traçar linhas éticas no trabalho de um ou de outro, o importante é não demonizar um dos lados do conflito e apresentá-los com algumas nuances e voz suficiente para dar tridimensionalidade ao conflito. A série então vai além de preencher seus episódios com ação desenfreada e conteúdo humanista e estabelece linhas borradas entre os dois lados do conflito, ainda que tenhamos um vilão sanguinário e odiado até pelos próprios aliados. Enquanto esconde a própria existência de todos, Abu Ahmad experimenta a loucura, de achar que é a única pessoa que pode destruir o Estado de Israel e cada vez mais abdica do fiapo que lhe restou de vida. Os episódios são curtos (12 de meia hora, em média), mas intensos. Correria, planejamento, morte. Políticos que tentam puxar o tapete quando a corda estoura, comandantes que dão a vida pelo próprio batalhão e terroristas com medo do dia de amanhã. Há ainda questões de imigração, enganação feita pelo Estado e como o conflito é capaz de atrair pessoas próximas para dentro de seu próprio vórtice. Há algumas cenas monumentais também. PEQUENO SPOILER À FRENTE: O momento em que Doron se candidata a homem-bomba e é entrevistado por Ahmad nos dá um raro panorama de como o abandono faz parte da luta do terror e contra ele. Os dois traçam uma linha mental entre ambos, os dois praticamente esqueceram da família em nome de uma causa que, todos sabem, não terminará pela ação deles. A pegada é quase documental. Não há muito tempo para arroubos artísticos, mesmo nos momentos em que a ação não está em primeiro plano. A série nos dá um raro panorama de imersão em um conflito que parece fadado a se estender por muitas décadas ainda. Por isso é triste e ao mesmo tempo um sopro de vitalidade em um ambiente tão brutal e brutalizador. Obrigatória e um acerto imenso do Netflix ao distribuir a série. Fauda