Richard Wagner

Richard Wagner foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ganhou mais notoriedade por conta de suas óperas teatrais. Wagner sempre se preocupou em escrever suas músicas e seus próprios libretos, justamente por não gostar das obras de outros compositores. Um dos maiores culpados de seu sucesso foi seu tio Adolf. Por conta do tio ser o intelectual da família, Wagner consumiu boa parte do acervo dele e isso serve de influência para o seu trabalho como um todo. Um dos exemplos dessa influência está nas quatro óperas que compõem um ciclo chamado O Anel do Nibelungo.

Estas obras foram concebidas de 1848 a 1874, Wagner mescla referências da mitologia nórdica e dos textos da Edda para formar uma narrativa que se divide em 4 atos: Das Rheingold (O Ouro do Reno), Die Walküre (A Valquíria), Siegfried e Götterdämmerung (O Crepúsculo dos Deuses). Essas 4 óperas podem ser vistas independente uma da outra, mas o próprio Wagner sempre quis apresentar elas de uma só vez, acredito que esse desejo dele seja para o melhor aproveitamento da obra como um todo. A apresentação na íntegra só aconteceu pela primeira vez em 13 de agosto de 1876 na cidade de Bayreuth.

Cada ato tem sua história, mas para evitar spoilers vou colocar só o começo. O anão Alberich tinha a ganância de roubar o ouro do Reno, que era guardado pelas sereias. Ele esperou, até que um momento elas se distraíram e ele tomou o ouro para si. Desse ouro, ele forjou um anel que concedia ao portador um grande poder e mais tarde daria uma grande maldição. Voton, o que nós conhecemos como Odin, fez um trato com dois gigantes para construir um castelo e o pagamento final seria a posse de Freia. Ao finalizar o castelo, Voton se recusa a pagar o acordo. Os gigantes ficam revoltados e Logé, o Loki, aparece e sugere que existe um anel feito de ouro que pode servir de pagamento pelo castelo. Os gigantes aceitam essa forma de pagamento, mas enquanto eles não tivessem o pagamento, Freia continuaria com eles. Por ela ser responsável pelo fruto da imortalidade, os deuses estavam morrendo, então, Voton segue com Logé para roubar o anel de Alberich. Dessa introdução já da pra ter uma ideia da obra, mas ela passa por vários momentos e constantemente a narrativa segue para outro rumo.

Por mais que você não seja um amante de ópera, o que é meu caso, é bem difícil que você não tenha esbarrado em algo que foi influência direta ou indireta de Wagner. Um exemplo clássico é mostrado no filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Ele usa parte do começo do terceiro ato Die Walküre (A Valquíria) da ópera do Anel do Nibelungo. Coppola traça um paralelo entre a Cavalgada das Valquírias e os helicópteros indo em direção aos vietcongues.

Além disso, o ciclo de óperas já foi adaptado para vários meios, inclusive para um desenho de 7 minutos do Pernalonga chamado What’s Opera, Doc? (Vai de Ópera, Velhinho?, 1957). Outra influência que é discutida até hoje se houve ou não um pouco de Wagner, é na saga do Anel de J.R.R. Tolkien. Alguns afirmam que sim, outros que não, mas as semelhanças são grandes demais para serem relevadas. Claro que, ambas as obras seguem caminhos diferentes, mas alguns elementos são idênticos. Ambos tem um anel que confere poder absurdo ao portador, um dragão que guarda um tesouro, os dois possuem uma criatura que tem um amor incondicional ao anel e por meio desse amor se corrompem. Eu acredito que, Tolkien buscou como inspiração a obra de Wagner e isso não é, nem de longe, um demérito.

A obra também foi adaptada de forma literal em alguns filmes. Dois deles foram dirigidos pelo Fritz Lang, o mesmo diretor por trás do clássico Metrópolis (1927). Os títulos dos filmes são: Die Nibelungen: Siegfried e Die Nibelungen: Kriemhild’s Revenge, ambos filmes de 1924. Já deu pra entender que essa obra influenciou e influencia muitas coisas, né? E hoje eu vim falar justamente de uma dessas adaptações. Seguindo a vontade de Wagner, essa obra tem que ser consumida de uma forma única, isso lembra bastante o conceito de Graphic Novel, onde é contada uma história com início, meio e fim dentro de um só compilado. Recentemente a Editora Pipoca & Nanquim lançou um quadrinho que adapta os quatro atos de Wagner. Lançado originalmente pela editora Dark Horse em dois volumes, aqui a obra está saindo de forma integral e quem ficou responsável por esse trabalho hercúleo foi o veterano P. Graig Russel.

P. Graig Russel que já passou por várias editoras, incluindo Marvel e DC, descreve sua adaptação de O Anel do Nibelungo como sua magnum opus. E ele não estava exagerando. Mas nada disso seria possível sem seu trabalho cirúrgico e cuidadoso ao adaptar a obra de Wagner. Adaptação, nada mais é que, estabelecer um diálogo do produto base para o produto final, mantendo a fidelidade e a essência da obra. Se tratando da obra de Wagner, temos em pauta um texto antigo, escrito em alemão e que teria que transmitir o mesmo sentimento que uma ópera passa para seus espectadores, através da música e das atuações. Para isso, vou dividir em alguns tópicos o que levou essa adaptação a ser considerada tão perfeita.

Adaptação de texto

O maior erro de qualquer adaptação é tentar mudar a forma como um personagem fala, às vezes tentando até deixar um pouco mais moderno. Russell resolveu respeitar o material original e pediu ao Patrick Mason para traduzir o texto original sem mudar ou tentar modernizar o texto de Wagner. Russel diz que, talvez, o teatro musical seja a forma mais difícil de ser adaptada. Você tem a música que está ali como uma bússola para te guiar, por exemplo, quando aparece o personagem Voton dentro da peça, uma música tema é tocada e toda vez que ele aparecer novamente a música estará lá. Tudo dentro da obra tem uma música própria e no quadrinho você não tem isso. Então, Russel teve que sair da zona de conforto e reimaginar como se adapta uma história.

Um dos artifícios que ele usou, foi justamente as notas musicais de Wagner. Neste exemplo abaixo, vemos quando Voton tem a idéia de fazer Nothung, uma peça importante dentro da história. Então, ele resolve dar um foco no olho do Voton no primeiro quadro e no centro da página ele tem a ideia concebida da espada. Se reparar bem, o quadro abaixo da espada é do olho de Voton e basicamente o autor quer mostrar que ele está vendo na sua frente a espada, mas tudo está materializado em sua mente.

Adaptação de sentimentos

Sentimentos são fáceis de demonstrar em qualquer quadrinho, mas aqui o autor faz algo diferente. Se tratando de uma adaptação onde a obra original é atuada, aqui ele precisava passar a mesma sensação para o leitor e isso não é fácil. Então vou analisar e dissecar aqui alguns quadros que eu separei.

O primeiro quadro está inclinado e com uma sereia nele. O quadro inclinado, significa que a personagem está com um sentimento que não é linear, não é algo bom. O autor mostra pelo quadro e na feição que ela está prestes a brincar com os sentimentos do anão. No outro quadro, ela está em um local mais alto onde o anão não consegue acessar por conta de sua altura. Perceba duas coisas nesse quadro: a movimentação do balão e a cara do Anão. A movimentação do balão segue a personagem e ainda mostra que a palavra “MAAAS…” está sendo falada em um tom diferente que a palavra “Aqui.” Esse artifício é utilizado com frequência no decorrer da obra e vou mostrar mais alguns exemplos. Já a cara do Anão, ela mostra um tom típico de uma atuação circense, onde por diversas vezes um personagem é enganado por outra pessoa. Bem como acontece em números onde um palhaço cassoa de outro palhaço e isso se repete até que o palhaço que foi ludibriado dê uma volta por cima.

Aqui temos algo semelhante ao primeiro exemplo, mas de uma maneira mais sutil. Logé está sugerindo algo errado para Voton, roubar o anel do Nibelungo. No primeiro quadro, nós temos o personagem desdenhando de uma situação complicada e isso se mostra em sua feição, braços cruzados e sua ganância é mostrada na pequena chama no formato do balão. No terceiro quadro, a feição de vitória é perceptível e por conta disso ele está falando em um tom quase gritado. Ficou pré-estabelecido que o balão quando está pegando fogo é um sinal de ganância, então, o sentimento invadiu Logé e ele se sentiu vitorioso.

Tudo isso cria uma combinação única e remete bastante aos movimentos teatrais que a história demanda. Mesmo que o quadrinho tenha bastante páginas, nós temos um ritmo fluido, mesmo que o texto não tenha uma tradução mais moderna.

Arte Épica

A história demanda uma imaginação forte e um domínio perfeito de como se fazer uma história épica. A arte do autor cai como uma luva nesse quadrinho, em nenhum momento você se sente incomodado com nada. A movimentação que ele faz é brilhante e caso o leitor não preste atenção, certamente perderá momentos brilhantes.

Peguei um exemplo bem simples de como ele usa movimentação e simbolismo de uma maneira bem genial. Temos nosso personagem principal em cima de uma pedra e as sereias estão nadando em círculos tentando convencer o personagem que ele deve devolver o anel para elas. Note que os balões e as sereias formam um círculo e isso se repete diversas vezes na obra. O ponto chave da trama é justamente o anel e metaforicamente neste quadro, o personagem está sendo consumido e resistindo a ideia de se livrar do anel. Então ele está no meio de uma encruzilhada, quase uma escolha de Sophia.

Outro exemplo válido para demonstrar a capacidade do autor é bem no comecinho da obra, onde temos o primeiro contato com as sereias. Vemos o começo de tudo e o autor conecta uma gota d’água do passado com o mar do presente. O balão faz o formato de uma onda e segue a cantoria da sereia, simplesmente genial.

Esse quadrinho foi o mais perto que eu consegui chegar de uma ópera e tenho que admitir que adorei. Fui lendo aos poucos e quando foi chegando perto do fim já comecei a sentir saudades de tudo que li. O quadrinho vale cada centavo do seu suado dinheirinho e a Editora Pipoca & Nanquim mandou bem demais no acabamento dessa obra. Aqui eles colocaram algumas artes dos bastidores, notas de adaptação feitas pelo artista e esboços inéditos.

Ela tem o formato 17x26cm, 448 páginas coloridas, papel couché de 115g, capa dura com verniz localizado e pra fechar o pacote, tem um fitilho para marcar as páginas. Acredite, isso quebra uma galho enorme. O quadrinho custa R$ 109,90 e acreditem, está valendo o preço de capa. Lógico que na Amazon deve ter aquele desconto maroto, então fica de olho lá que você consegue um desconto bacana.

O Anel do Nibelungo

Autor: P. Craig Russell

Páginas: 448

Editora: Pipoca & Nanquim (2018)

Especificações: Capa dura, verniz localizado, fitilho.

COMPRE AQUI: https://amzn.to/2Ot53q1

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2 Comments

  1. Alessandro

    19 de novembro de 2018 at 18:18

    Olá, João. Parabéns pelo texto. Muito bem escrito, claro e objetivo. Você conseguiu sintetizar
    muito bem a essência da obra, assim como suas adaptações para outros meios, destacando-se
    entre eles, a hq de Russel e sua importância cultural. Penso que Craig Russel foi bastante ousado
    ao tentar reproduzir em imagens algo tão fora do comum que faz parte de nosso imaginário coletivo e está presente em várias manifestações artísticas, conforme você bem ressaltou em seu comentário.
    Eu gosto muito do estilo muito peculiar desse artista gráfico, que costuma sair de sua zona de conforto, e se arrisca a adaptar para a linguagem dos quadrinhos contos, narrativas e neste caso uma ópera famosa de Richard Wagner.
    Me parece que ele conseguiu fazer um trabalho primoroso nessa adaptação em formato de graphic
    novel. Ansioso para conferir o resultado. Além disso, a editora P N também capricha no projeto gráfico
    e nos extras da edição. Também gostaria de saber sua opinião sobre outras publicações da editora, tais como “Blood uma história de sangue” e os livros de contos de Conan. Um abraço.

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    • João Pedro Mendes Pereira

      20 de novembro de 2018 at 01:56

      Fala Alessandro, tudo bom? Obrigado pelos elogios e assim que eu tiver em mãos os materiais que você citou, eu faço uma resenha aqui para o site. Fica de olho, abração!!

      Reply

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