Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr “Quanto menos o povinho souber como são feitas as salsichas e as leis, mais dormirá tranquilo”. Otto Von Bismarck [Nota: esse texto foi originalmente escrito para o zine Distopia, do dono dos nossos comentários mais malas, o Tavares. Por esse motivo, ele não possui links ou referências, sendo puramente um sem pretensões acadêmicas] Geneticamente, e num contexto de bioexistência, um homem é um ser bem fraco. Ao menos do ponto de vista puramente físico, e comparado com outras espécies chamadas de selvagens. Se não tivéssemos nossos polegares opositores e nosso cérebro neurologicamente desenvolvido, teríamos uma existência menos longeva. Se colocarmos um humano sozinho na selva, as chances dele morrer são muitíssimo mais altas do que de sobreviver – isso analisando de forma puramente matemática, sabemos que a realidade é pouco diferente da teoria. A quantidade de animais que podem matar humanos é bem alta, e inclui desde insetos, até elefantes, passando por felinos selvagens e cobras peçonhentas. Porém, a racionalidade humana torna possível um aprendizado que, com o tempo, vai diminuir cada vez mais as chances dele morrer em qualquer ambiente adaptável. Homens dependem de viver coletivamente para conservar – e melhorar – sua existência. Precisam compartilhar tecnologias, atacar em bando, ajudar os feridos e idosos, e todas essas coisas que conduziram nossos antepassados a chamada Evolução Social. Isolado um homem é um ser fraco, nem sua racionalidade serve pra grande coisa – salvas as sempre presentes exceções – se não estiver inserida num contexto coletivo. Isso serve inclusive para o campo emocional: nossas experiências precisam ser compartilhadas, e a atenção é o nosso maior estímulo comportamental. Historiadores como Frank Hole afirmam que o início do que chamamos de Civilização – transformação de um espaço selvagem em um lugar transformado, adaptado, apropriado e confortável para a vida humana – se deu num período posterior ao estabelecimento do Xamanismo, e do desenvolvimento dos cultos religiosos. É praticamente um consenso entre antropólogos e arqueólogos que os homens Paleolíticos – período pré-histórico que vai de 2,5 milhões a.C até 10 mil a.C, quando os homens começaram a desenvolver métodos para a construção de ferramentas e agrárias – viviam na maior liberdade possível. Se agrupavam em Clãs unidos, nômades e sem necessidade de laços familiares rígidos. Homens e mulheres tinham várias(os) parceiras(os) sexuais e todos eram filhos de todos dentro de um Clã. Clãs eram grupos de tamanho variável, mas tinham uma média de 50 integrantes e não passavam de 150. Se observados de fora (ou baseado em alguns livros atuais, de essência basicamente tecnófila), pareciam grupos de hienas aterrorizantes e sedentas de sangue, só preocupadas com a ingestão de um pouco de carne, embora estudos arqueológicos recentes apontem na direção contrária. Seu núcleo era poderoso, pois a sua força era baseada na unidade de seus integrantes. Era uma forma bem interessante de se viver, se olharmos principalmente pelo ângulo das relações sociais. Era basicamente nomadismo, festas, produção artística, sexo – com membros de outros clãs também, para manter a diversidade genética – e caçadas. Um homem podia não vencer um leão ou alguns elefantes africanos, mas seu Clã unido podia. A base da existência humana eram as suas relações sociais, pois todos dependiam delas, e sempre visavam a sobrevivência do Clã. As religiões neolíticas eram basicamente feministas, segundo diversos estudo – longe de serem consenso. O culto a mulher e a integração com a Natureza eram as principais expressões espirituais dos nossos ancestrais desse período. De uma forma gradual e lenta, surgiram os mais primitivos sacerdotes religiosos, que passaram a ser naturalmente superiores aos outros integrantes do Clã, graças ao conhecimento e os poderes que eles possuíam. A aceitação da existência de uma classe de sacerdotes foi provavelmente a primeira experiência hierárquica da humanidade. Para aprimorar as práticas religiosas do período, os xamãs sugeriram o sedentarismo humano, que viria junto com o desenvolvimento de técnicas agrícolas e de domesticação de animais para o auxílio em serviços mais puxados fisicamente – creio que o desenvolvimento dessas inovações veio antes, obviamente, para tornar a escolha dos sacerdotes viável. Gordon Childe, o arqueólogo que foi o principal cientista a discorrer sobre essa Revolução Neolítica, descreveu a mudança de status do homem como “de parasita a sócio ativo da natureza” – profundamente incorreta essa afirmação, já que podemos ver como essa inovação no tocante a administração dos recursos naturais pode ser interpretada de forma completamente inversa, mas prossigamos. Agricultura e Domesticação fazem parte do conjunto da transformação social mais radical da história da humanidade. De caçador-coletor ele se tornou produtor, transformador. Ao invés de se preocupar exclusivamente em sobreviver num mundo cão, agora o homem tinha na cabeça o ideal de crescer e possuir. E, continuando a linha de pensamento de controlar o mundo; a selva e outros ambientes naturais pareceram lugares extremamente perigosos para os homens, que agora tinham preocupações um pouco diferentes. Nesse misto de paranóia e soberba que eles provavelmente nunca tinham alimentado, humanos construíram para si suas próprias selvas artificiais: as Cidades. Bem, as cidades foram evoluções ainda mais artificiais dos descampados com algumas casas rústicas, formas rudimentares de moradia – algo como as conhecidas ocas indígenas. O homem parece ser uma criatura claustrofóbica, não gosta de uma floresta sufocante e úmida – ou de seu ambiente analogamente inverso: um deserto vasto e fervente; ou ainda de seu meio termo, os campos férteis – e por isso construíram ambientes mais compatíveis com a nova condição progressista que eles assumiram. É a evolução, e esse é o preço que se paga por ela. Cidades são, em sua maioria, nocivas e propensas e proliferação de pragas, pois boa parte do contato com a natureza desaparece. Animais não vivem em ambientes urbanos, ali não existe harmonia ou algo próximo do equilíbrio alimentar. Ratos, pombas, pardais, mosquitos… todos são pragas urbanas, e são algumas das poucas espécies de animais que conseguem se desenvolver no ambiente das cidades. E, se olharmos como o comportamento desses animais fora dos seus habitat naturais se tornou patológico, potencialmente destrutivo e inútil, pode-se sugerir que o comportamento humano tenha assumido – talvez de modo Inconsciente – contornos parecidos. Essa linha de fatos e conceitos com relação a nossos antepassados não é necessariamente uma unanimidade. O historiador Kent Flannery é um dos principais opositores e baseia seus estudos na observação de sociedades primitivas Mesoamericanas, principalmente os zapotecas. Para ele, a organização dos Clãs é que foi o principal impulso na direção do sedentarismo, já que esses grupos organizavam vinganças – os chamados raids – coletivas violentas, o que acabou por conduzir vários homens a construírem locais onde pudessem ficar protegidos desses ataques – algo mais ou menos na linha do filme Apocalypto, de Mel Gibson, porém ainda mais primitivo. Mesmo descrevendo o senso de justiça dessas sociedades como violento, Flannery pontua de forma interessante a forma como eles eram organizados: “Nenhum grupo na terra tem mais tempo de lazer do que caçadores e coletores, passando-o principalmente em jogos, conversação e relaxando.” Outro fator importante a se observar nessas sociedades é a falta de uma economia de mercado, e sim uma economia de doação. Eram basicamente “bens valorizados por sua utilidade ou beleza em vez do custo; mercadorias trocadas mais na base da necessidade do que na troca do valor; ampla distribuição para a sociedade sem considerar o trabalho que seus membros investiram; trabalho executado sem a idéia de salário em retorno ou benefício individual, de fato sem qualquer noção de ‘trabalho'”, como descreveu o antropólogo húngaro Karl Polanyi. Tendo o homem decidido abandonar seu lar natural, sua organização social mudou absurdamente. As Cidades mostraram o pior do ser humano, e escancararam que estar no topo de uma cadeia evolutiva podia mostrar desprezo por quem estava “abaixo”. As Cidades livraram os homens das ameaças externas dos animais, porém inseriram-nos num mundo sanguinário onde eles mesmos eram os próprios inimigos. Se antes a necessidade de sobrevivência e de continuamente procurar um lugar seguro acabava dando aos humanos relações sociais muito mais verdadeiras e intensas, a ociosidade das Cidades deteriorou tudo isso de forma irreversível. Primeiro com a invenção de moedas de troca, possivelmente pelos gregos no século VII a.C., que eliminou avaliações como a valorização de quem efetivamente fazia a mercadoria, e terminou por criar preços fixados por fatores mercadológicos geralmente bem dúbios e estratificados. O dinheiro desenvolveu o trabalho assalariado, que acentuou hierarquias sociais de forma bem mais profunda e divisória das existentes do período do início das práticas agrícolas. O dinheiro por si só não vale nada, possui um valor intermediário fixado por regras de mercado. Se olhado de uma forma absoluta por uma pessoa não conhecedora do complexo e intricado sistema que permeia o Dinheiro, ela com certeza o encarará como uma brincadeira inocente de criança, algo inacreditável, visto um pedaço de papel terminar por adquirir um valor intermediário tão poderoso. O dinheiro transformou homens em mini-impérios, voltados para a conquista de bens e não mais para aprimorar seu convívio social. O direito integral a posse, o dinheiro, a divisão do trabalho, bem como a hierarquia social resultante dessas mudanças, são raízes de vários dos males inseridos na psique humana nos últimos séculos – e isso é um fenômeno relativamente recente, visto nossos ancestrais terem demorado mais de 2,5 milhões de anos para iniciar a construção das primeiras experiências razoavelmente parecidas com as cidades, e abandonar o modo de vida anterior. Com uma capa de segurança psicológica após erguerem moradias em grandes cidades, os humanos abandonaram regras básicas de sobrevivência. Primeiro, deixaram para trás o abrigo coletivo dos clãs, e se reorganizaram na forma nuclear de famílias – grupos essencialmente menores e mais fechados. Nos Clãs havia liberdade, nas Famílias existe uma certa dose de repressão. Famílias são massas rígidas e supostamente concretas, organizações verticais hierárquicas com membros que muitas vezes não têm qualquer vínculo afetivo entre si; enquanto os Clãs tinham princípios menos sufocantes, eram horizontais, e baseados na falta de regras, qualquer um podia sair de um Clã e ir pra outro, não existia nada que o impedisse, em grande parte das situações. Não eram necessários contratos sociais ou documentos que comprovassem sua permanência no Clã, não haviam sobrenomes, necessidades financeiras ou coisas do gênero. As Famílias são um modo interessante de organização social dentro do conceito das Cidades e propiciam a criação de laços afetivos mais intensos num nível individual, mas infelizmente seus princípios foram subvertidos por humanos cada vez mais comprometidos com o aumento de poder. Fora isso, permitiu uma divisão mais perigosa da população, visto as famílias estarem cada vez mais aguerridas e com problemas internos. Com a construção de casas, e a contínua evolução da estabilidade e segurança do sedentarismo, bem como um agrupamento cada vez mais evolucionista – famílias atualmente moram em quatro ou cinco pessoas dentro de uma casa, em média – a população humana se pôs a crescer… e como cresceu, desesperadamente! No ano 1 d.C., a estimativa é que o mundo tivesse 300 millhões habitantes, de acordo com um estudo da ONU. Mil anos depois tinha 310 millhões, o que parece um crescimento bem primário. Foram necessários 1600 anos para que a população dobrasse, o que parece uma eternidade no século das urgência em que estamos inseridos. O primeiro bilhão veio mais ou menos em 1800, e depois daí a coisa começou a crescer num nível assustador: em 1927 o segundo bilhão, em 1960 0 terceiro, em 1975 o quarto, em 1987 o quinto, e finalmente, em 1999, o sexto. Com certeza somos uma população que cresce bem rapidamente, mesmo existindo condições sub-humanas em uma miríade de países, e uma taxa de mortalidade absurdamente alta por motivos cada vez mais banais e evitáveis. Num mundo agora hierarquizado, com preocupações financeiros e abismos sociais cada vez mais profundos, é natural que as pessoas que estão no topo queiram permanecer por lá. E além disso maquinem continuamente a construção de estruturas sociais e psicológicas que impeçam a subida de pessoas de “escalões inferiores”, encarando a existência humana como um jogo onde o principal objetivo é subir degraus. Algumas dessas estruturas já são conhecidas: Dinheiro, que foi criado para transformar seres humanos em animais gananciosos, além de rotular qualquer coisa do planeta Terra baseada numa cartela de valores monetários intermediários; e Família, que apesar de ter a possibilidade de ser uma fonte de experiências maravilhosas transformou-se em um núcleo organizacional hierárquico, isolacionista e que muitas vezes acaba gerando inimizades. Essas duas ferramentas por si só talvez conseguissem fugir a essa estirpe escravizadora se encaradas da maneira correta, mas, com o passar dos anos, terminaram por ativar lados extremamente danosos da psique humana. Ou seja: uma sociedade provavelmente funcionaria de maneira satisfatória tendo esses dois mecanismos em sua base – embora Eu não conheça exemplos inteiramente válidos – mas essas duas ferramentas acabaram por ser usadas unicamente como uma maneira de criar subserviências estratificadas – lógico que existem exceções, estou apenas analisando um panorama geral. Outra superestrutura criada nesse sentido é o Estado, que legal e reconhecidamente possui o monopólio sobre os métodos coercivos e violentos – ou ao menos deveria, já que múltiplas formas de estados-paralelos surgem continuamente. O Estado talvez seja a representação máxima da repressão, mesmo sendo reconhecido como o melhor método para a organização e controle humano – na verdade, existe até uma forte resistência psíquica contra métodos alternativos de organização que não seja a centralização estatal. Um povo sem-estado é um povo continuamente reprimido, como bem conhecemos o caso Palestino, Curdo, Checheno, até pouco tempo do Timorense, entre vários outros. E isso parece ser uma espécie de máxima entre sociólogos teóricos. Meu professor de Estudos Sociopolíticos da faculdade em que fiz Jornalismo, certa vez disse que os portugueses estavam corretos em aprisionar, matar e caçar os índios, já que os últimos não possuíam um Estado constituído e reconhecido, o que terminava por não garantir-lhes qualquer tipo de soberania. É um pensamento tacanho e ridículo, visto que legitima uma série de atos extremamente cruéis, e ainda incita pensamentos imperialistas e dominadores. É algo similar (e mais amplificado) aos escritos de Platão e Max Webber – o primeiro defendeu a natureza divina dos políticos, e o segundo disse que deveriam haver grupos de Estados potentes para reconhecer se um outro Estado é legítimo ou não. O Estado foi uma consequência até lógica da contínua aglutinação de humanos em cidades cada vez maiores, inchadas e agindo como buracos-negros de recursos naturais – mesmo que Eu não veja o surgimento do Estado como algo espontâneo e natural, como pensam alguns teóricos políticos. O Estado é uma organização social, política e jurídica, que tem seus comandantes eleitos por voto popular direto caso esteja inserido em um ambiente nominalmente democrático; e sendo oficialmente o conjunto de organizações do topo da escala nacional, se furta de uma série de mecânicas para garantir sua permanência existencial. É por motivos como esse que reformas políticas são sempre adiadas, e os mecanismos eletivos são tão intrincados e dependentes de grandes injeções financeiras. Além do modo de organização social incentivar o isolamento do indivíduo – seja utilizando campanhas publicitárias narcísicas, que pregam a superioridade individual sobre qualquer expressão coletiva, ou através da permissão dos empresários tornarem seus funcionários presos em rotinas de trabalho intensas e desgastantes – o Estado, que em muitos países é controlados por massas corporativistas que não precisam de qualquer voto para se manter no poder, contribui para a propagação da chamada Cultura do Medo. Esses Estados-Corporativos têm grande interesse em propagar o medo e o pânico entre seus habitantes, lançando mão do seu braço midiático – mídia que é presa a essas duas organizações através de portentosos laços monetários. O Medo é somente uma forma de solidificar o isolamento individual (ou do núcleo individualista, as famílias modernas, cada vez mais fechadas a qualquer tipo de relação social, vide o modelo das casas, que mais se aparentam a prisões, com carcereiros e tudo), tornando quase qualquer tipo de contato humano uma mera virtualização intermediada pela eletrônica, geralmente. A Cultura do Medo é como a capa de um toureiro que é balançada enquanto esconde uma perigosa lança pronta a dilacerar. Existem, logicamente, níveis e áreas em que ocorrem essa propagação de informação de forma completamente exagerada e inútil, que cada vez mais nos afastam dos primórdios da natureza humana. O romano Lucius Caelius Firmianus Lactantius, no ano 300 d. C, disse que “Onde o medo está presente, a sabedoria não consegue estar”, o que nada mais é do que uma síntese do tipo de pensamento que deve imperar na classe dominante das sociedades – principalmente as ocidentais. A Cultura do Medo propagada pela mídia onipresente é apenas um setor da dominação psíquica imposta pela Classe da Dominação das Grandes Corporações. Seus conselheiros estão infiltrados no Governo, são eles que decidem onde aplicar o dinheiro público, são eles que controlam os impostos. Eles têm o controle dos meios oficiais de doutrinação: as escolas, as universidades, os jornais. Continuamente aceitamos a versão oficial dos fatos, aquelas que não estimulam qualquer senso crítico ou pensamento aprofundado. Esses meios de doutrinação só servem para reprimir o verdadeiro Eu das pessoas. Faça um teste e pergunte quantos estão satisfeitos com a sociedade em que vivem, e creio que uma mínima parcela responderá que sim – e mesmo essa parcela estará insatisfeita com vários setores da sociedade. Mas poucos se preocupam ou investem tempo em se aprimorarem, transforarem a própria existência ou sair do esquema em que vivem. Eles aprenderam pelo fluxo contínuo de estímulos publicitários e jornalísticos que a sociedade não erra, quem erra são as pessoas. Se elas veem alguma coisa errada, vão colocar a culpa em si próprio e buscar refúgio em remédios, drogas, bebida, trabalho e outras soluções fáceis. A ideia é gerar infelicidade, por um lado pregando o narcisismo, e por outro lado vendendo remédios para “curar” a depressão dos que chegam a conclusão que são inferiores. Nós recebemos uma forte carga de preconceito assim que aprendemos a falar, e esses pré-julgamentos só contribuem para o isolamento cada vez maior da população, que é submetido a amarras financeiras (olhe o custo de criar um filho hoje e o mesmo custo há 50 anos atrás), ideológicas, educacionais, trabalhistas e religiosas. A torrente de ideologias e idéias prontas disfarçadas de informações é tão grande que nossa mente não tem qualquer tempo de processa-las, questiona-las, e termina aceitando todas. A tendência a aceitação é muitíssimo maior do que a tendência a pensar, e isso não parece mudar daqui a pra frente. A aceitação chega a níveis tão grandes que as vozes discordantes são esmagadas pela vastidão da mentira. Para completar esse quadro, criou-se a Dicotomia. Uma vez li um manual de governo soviético, supostamente escrito por um espião renegado – Vladimir Rezun, que escrevia com o pseudônimo Viktor Suvorov. Ele explica que o plano soviético para alcançar a estabilidade no governo consistia no princípio de possuir uma estrutura triangular de governo (no caso da URSS: Partido Comunista, KGB e Exército) e duplicar todas as estruturas do governo de forma que a guerra entre elas sufocasse qualquer tentativa de uma terceira alternativa surgir, e cegá-las ao verdadeiro papel do governo. Para concorrer com a KGB criou-se uma segunda agência secreta: a GRU, que lida com informações militares; para concorrer com a polícia, o MVD, criou-se uma segunda força policial, o Rabkrin. A mesma lógica se aplicava na própria estrutura de poder soviético, já que uma decisão do Conselho de Ministros só era válida se tivesse uma assinatura conjunta do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. Esse tipo de lógica de dividir para enfraquecer termina por cegar a todos quanto ao fato de ter somente uma mão controlando as duas forças. Na Indonésia, especialmente na região de Java, existe um tradicional teatro de marionetes que representa a narrativa do Mahabharata, o livro sagrado do Hinduísmo, que tem como tema central a luta entre os Pandavas e os Kuruvas. Quem assiste ao teatro vai ouvir duas vozes distintas vindas das marionetes, duas formas de se comportar completamente distintas, o que leva a se pensar que existem dois artistas controlando as figuras. Mas, na verdade, existe apenas o mestre Dalang, o titeriteiro, um único artista que manipula os dois lados da guerra e controla todas as forças. Ele faz as vozes, ele movimenta todos os bonecos, ele decide o destino da guerra, ele sabe a hora em que tudo começa e termina, ele manipula os sentimentos de quem assiste, ele faz todos torcerem por um lado… quando na verdade só existe ele, as duas forças conflitantes são somente seus braços exercendo o controle. Há somente o Dalang, o controlador. Você observa a linha do tempo das administrações dos políticos e chega a uma fácil impressão que simplesmente nada mudou. Chegam petistas, social-democratas, republicanos, democratas e o poder parece que não mudou de mãos. Bom, e ele não mudou, o Dalang está lá, criando engrenagens que fazem parecer que existe dualidade, que existem forças opostas com interesses opostos em conflito, quando só existe um grupo por trás de tudo, controlando marionetes risonhas que parecem que vão mudar alguma coisa. É o clássico tá tudo errado. Bush, Obama, Lula, José Serra, Bill Clinton… apenas marionetes que colocam a cara no palco enquanto o “Dalang” controla tudo atrás das luzes. O tal grupo não necessariamente é uma reunião de pessoas com as bundas na cadeira tomando as decisões, mas falo praticamente de um conjunto de decisões pré-agendadas, muitas vezes vindas de pessoas conflitantes, mas que não arredam o pé dos próprios interesses acima de tudo. É um significado quase metafísico para o poder do Dinheiro. A Cultura do Medo é somente uma forma de jogar uma luz intensa sobre uma parte da informação que interessa aos que controlam os meios de divulgação. É uma forma de manipular o pensamento das pessoas, isolá-las, e fazerem-nas aceitarem somente o que os meios oficiais dizem. O princípio é simples: quebre uma população em núcleos pequenos, com uns seis integrantes cada, e isole-os e amedronte-os com notícias violentas, que pregam um descontrole financeiro e social extremo, e no fim eles só vão aceitar o que você, Portador Oficial da Verdade, diz. É o que acontece. E é aqui que a pergunta natural surge: quem controla o mundo? A resposta não é simples, o mundo é vasto, com quase sete bilhões de habitantes, e naturalmente uma única pessoa ou grupo não poderia dominar um ambiente tão vasto e dinâmico assim. Mas um nome natural surge: as Corporações Multinacionais. Corporações são grupos de pessoas com superpoderes. Não têm rosto, mas possuem uma série de direitos que deveriam ser concedidos somente a pessoas. Elas podem cobrir todo o mundo com suas ideologias, se juntar e criarem grupos poderosos e mais ricos que países inteiros. Elas possuem grande parte do dinheiro do mundo, o injetam onde querem e desrespeitam continuamente direitos humanos baseados no princípio universal do lucro. Pessoas deveriam ser mais importantes que Corporações, mas uma lógica inversa e insana permeia o mundo, onde diversas pessoas são sacrificadas em nome de um bom desempenho empresarial. Teoricamente os Estados são mais poderosos que as Corporações, mas uma análise superficial já demonstra o contrário. Campanhas para cargos eletivos importantes são dependentes de meios massivos de propaganda e mídia… o que exige muito, muito dinheiro. Mesmo que exista aqui no Brasil a execrada propaganda política obrigatória, quanto maior partido político, maior é o tempo que ele possui de propaganda, o que de cara a hierarquiza de forma injusta. E propaganda é ouro, exige um pesado investimento financeiro. Panfletos, cartilhas, santinhos, funcionários, sites… tudo isso exige muito dinheiro, mais do que qualquer candidato provavelmente tem. E de onde vem o dinheiro para essas coisas? Das Corporações. Elas invisivelmente ganham as eleições; partidos, candidatos e políticos são somente fantoches nas mãos das empresas que os financiam. Então, se uma empresa investe pesado numa campanha política, é natural que ela vai querer retorno político e financeiro dessas ações. Quando taxas de juros são fixadas, políticas de câmbio traçadas, e metas de inflação estabelecidas, não é em você que o governo pensou, mas nas corporações, que são a verdadeira base do poder. As Corporações de Mídia – o chamado Quarto Poder – estão numa categoria intermediária, pois dependem intensamente da inserção de propaganda – dependem de outras corporações. É nessa relação promíscua que se originam os maiores casos de corrupção, por exemplo. E graças a ela que a Cultura do Medo funciona tão bem, tão em uníssono. Vejamos como ela funciona na prática, começando com as notícias sobre os absurdos que acontecem no trânsito brasileiro – que matou 35 mil pessoas em 2007, por exemplo. Se olharmos as notícias que divulgam mortes no trânsito, rapidamente constataremos que na vasta maioria dos casos, o acidente é causado por um motorista bêbado ou que estava correndo demais. Parece o tipo de solução simples, para trazer medo dos malucos, brigões e violentos do trânsito; e paradoxalmente nos trazer alguma espécie de conforto ao entendermos que o problema é sempre humano e pode ser tratado com as devidas punições severas. Claro, existe a verdade, realmente os alcoolizados respondem por inúmeros acidentes de trânsito, mas será que fechar o ciclo da culpa em cima dos que bebem não é uma forma simplificada de fechar uma investigação? Não seria um alcoólatra – e creio que a proporção dos alcoólatras genuínos entre os acidentados deva ser menor do que se pensa – também um fruto do meio em que vive? Me pergunto continuamente porque os jornais dificilmente questionam a qualidade das estradas brasileiras, tão esburacadas e com sinalização péssima; ou a razão de tantos pedágios nas estradas de boas qualidades – ah sim, são particulares -; ou por que nosso transporte de carga é tão extremamente dependente de caminhões, sendo que eles destroem estradas, ocasionam muitos acidentes e são muito menos eficientes do que trens, por exemplo. Também não lembro de nenhum jornal se perguntar se a massiva publicidade de bebidas alcoólicas não teria relação direta com seu consumo em massa de álcool momentos antes de motoristas pegarem num volante. Certamente que o poderoso volume de faturamento que os próprios órgãos de imprensa extraem das propagandas de cerveja deve impedir questionamentos mais profundos a esse respeito. Se a cerveja está tão ligada a morte – tanto quanto o cigarro, talvez – por que sua propaganda é tão escancarada e constante? Em 2008, um projeto de lei de autoria da Presidência da República, propunha restringir propagandas de bebidas alcoólicas no Rádio e TV, mas após diversas visitas de representantes do lobby da indústria cervejeira – que faturou mais de R$ 26 bilhões em 2007 – e de executivos de empresas de comunicação, ele foi definitivamente abandonado, e mais ou menos substituído pela Lei Seca anos depois, que é uma medida combativa e não preventiva. Não estou dizendo que essas são medidas que podiam garantir a diminuição das mortes no trânsito, mas apenas me perguntando por que somente escancarar os riscos das estradas, colocando toda a culpa somente em motoristas, de modo individual. Por que não questionar o alto preço das carteiras de motorista, que creio estar por trás de um certo número de pessoas que dirigem sem carteira? Por que não entrevistar ao vivo donos de empresas de transporte que exigem prazos insanos de seus motoristas e caminhoneiros (impor somente velocidades máximas, como eles fazem, é bem fácil)? Ou saber da própria qualidade desses caminhões? Pelo que se propaga por aí, mais de 80% dos acidentes de trânsito são causados por falhas humanas – álcool e excesso de velocidade, principalmente – o que nos dá 20% de possíveis falhas mecânicas… e nunca li uma reportagem investigando a qualidade de pastilhas de freios, direção e câmbio automotivos, por exemplo. Ou questionando a vendagem insana de carros, às vezes de modelos que são refugos de modelos americanos, por empresas falidas por lá, como a GM e a Ford. Por que não é questionado o fato de cerca somente 25% dos carros brasileiros terem air bag e 15% freios ABS? Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) concluiu que acidentes de trânsito custam R$ 25 bilhões aos cofres brasileiros, enquanto uma pesquisa do Cesvi Brasil revelou que se o uso do air bag fosse obrigatório desde 2001, 3.426 vidas teriam sido poupadas até 2007, 489 por ano, e 71.047 feridos teriam saído sem qualquer lesão. Pra piorar, consumidores brasileiros, diferentes de europeus, preferem itens que aumente a potência e a estética do que itens de segurança. Gasta-se mais com sons automotivos (daqueles que irritam qualquer um), do que com itens de segurança opcionais do modelo de carro. Mas o problema é mais profundo, já que itens de segurança – estabilizadores de direção, ABS, air bags laterais e de motoristas – deveriam ser obrigatórios, e não itens opcionais, cobrados à parte. Um objeto deve ser sempre o mais seguro possível ao chegar ao mercado, e não colocar a vida humana como um simples item que pode ser quantificado – uma redução de impostos nesses itens por parte do governo também ajudaria. Obviamente, ainda tem mais: crash tests (aqueles com carros colidindo contra paredes, com bonecos no lugar de passageiros, que revelam falhas estruturais em carros, bem como sua segurança) só se tornaram obrigatórios em modelos vendidos no Brasil a partir desse ano. Os únicos realizados aqui são para informar as seguradores que avaliam os danos em veículos batidos – olha os interesses econômicos aí. Por que os jornais não questionam isso? Creio que a resposta passa pelo fato de que é muitíssimo mais fácil isolar o caso e colocar a culpa num motorista que pisou fundo demais, que bebeu algumas num posto de gasolina antes de pegar a estrada, ou que não colocou o cinto; além de ser financeiramente prejudicial cutucar clientes que despejam volumosas somas de dinheiro nos jornais – governo e montadoras. O modo de cobrir o trânsito pela imprensa brasileira pode ser sintetizado por títulos como esse: “Brasileiros ignoram o uso do cinto de segurança no banco de trás” (no G1, que teve o subtítulo “Desculpas e mais desculpas”) e “Pesquisa avalia perfil de profissionais do volante para tentar reduzir acidentes“. Ou ainda um “Cadeirinha salva criança em acidente de trânsito” ( no jornal A Tribuna, logo depois do governo tornar obrigatório o uso da cadeirinha nos carros). A implicação desse tipo de cobertura parece ser incutir um medo nos motoristas e colocar a culpa inteiramente neles, através da amplificação de certos aspectos dos problemas no trânsito. E o efeito é duplo, já que a população é ávida por consumir notícias que mostrem famílias mortas à beira da estrada, e prefere não pensar, não refletir, prefere receber tudo fechado, completo, mastigado. Não é simples perguntar o que o governo faz com R$ 3 bilhões em multa anualmente – bom, ao menos o governo tornou obrigatório a fabricação de carros com ABS e air bag à partir de 2011. E uma coisa a se refletir: na Europa, cerca 99% dos carros saem com todos os itens de segurança direto de fábrica. Leis obrigando as montadoras? Não, os clientes simplesmente não compram carros sem esses itens, e as empresas se obrigaram a oferecer isso incluso no modelo. Bom, e isso é só o trânsito, um aspecto relativamente menor da cobertura jornalística e do boca-a-boca popular. Se colocarmos nossos olhos no modo como são cobertos crimes na mídia, podemos ficar o resto de nossas vidas apontando uma forma descabida de disseminação da Cultura do Medo. Aqui vemos como as coisas acontecem em uma de suas formas mais brutas. Lógico, os jornais não necessariamente inventam os crimes que relatam, mas escancaram alguns hediondos em detrimento de outros. É uma forma de tentar tornar o jornal próximo da realidade das pessoas, mas estudos indicam na direção de que essas medidas amortizam a percepção dos que assistem os jornais com relação aos crimes, banalizando a violência. Quanto mais sangrento melhor dentro da visão de um jornalismo cada vez mais “pinga sangue”, para usar um termo popular. Quem não conhece programas como Aqui Agora, Na Mira do Repórter, Boletim de Ocorrências, Brasil Urgente, entre muitos outros, que visam (ou visavam, alguns acabaram) somente escancarar crimes cometidos no território nacional?! E tudo da forma mais brutal e chocante possível, inclusive de forma essencialmente visual. Alguém foi esquartejado? Mostre os pedaços na tela, sem restrições. Tomou um tiro de fuzil no abdômen? Mostre as tripas escapando do tórax. Outro tomou um tiro de fuzil no braço? Estampe o que sobrou dele. Os berros dos apresentadores são quase monossilábicos: “CADÊ A POLÍCIA NESSA HORA?”, “TOMARA QUE PRISIONEIROS ESTUPREM ESSE PEDÓFILO”… Quando pensam fazer qualquer tipo de discussão, metem os pés pelas mãos, como Datena. No dia 27 de junho desse ano, ele iniciou uma enquete em seu programa Brasil Urgente para saber quantos acreditam em Deus. Ao perceber que a maioria das pessoas votaram no não, ele abriu a boca: “Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia”, “Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades. Pois elas acham que são seu próprio Deus”, “É só perguntar para esses bandidos que cometem essas barbaridades pra ver que eles não acreditam em Deus”. Ele foi ainda mais além, e disse que “gente que não acredita em Deus porque não pode ser uma pessoa boa”. Depois ainda chamou ateus de estupradores, assassinos e culpados por toda a violência e corrupção. Mais uma vez, é o tipo de solução fácil para apontar um alvo para o público, além de propagar medo, e cobrir os olhos dos que assistem para a real causa dessa montanha de problemas. Quem não tem conhecimento do que ele tá falando, engole a idéia sem problemas, afinal, passou na televisão. Claro que esse é um caso extremo, mas pode ser usado como um exemplo negro para se entender a forma grosseira como os crimes são encarados pela mídia, unicamente como um produto para vender publicidade e hipnotizar os que assistem. O modus operandi da cobertura do trânsito aparece aqui de novo: o crime em si é isolado e os jornalistas agem como abutres para achar algum culpado ali, no exato momento. O escancaramento ocorre em nível tal – e utilizando a lógica de que más notícias são boas notícias – que leva a desconfianças entre habitantes de diferentes estados brasileiros, por exemplo. Eu morei no Espírito Santo do meu nascimento até os 25 anos, e olhando o índice de assassinatos, o meu estado fica em segundo entre os mais violentos do Brasil. Se atentarmos somente para a cobertura jornalística, parece um lugar controlado por pistoleiros, bicheiros e carniceiros violentos – ao menos é o que ouvia de amigos que não moram aqui. Para eles, o Espírito Santo é um lugar em que a paranóia impera, você pode ser vítima a qualquer momento. Bom, não é bem assim. Eu nunca fui assaltado, nem qualquer dos meus familiares, nunca sofri qualquer tipo de violência, e moro no que é taxado de bairro violento, por causa do seu desenvolvimento comercial. Até pessoas de bairros vizinhos se surpreendem quando digo que nunca presenciei qualquer tipo de violência no lugar onde moro. Certa vez fiz duas viagens a São Paulo, e meus pais continuamente se amedrontaram no sentido de achar que Eu seria vítima de alguma espécie de assalto ou sequestro. Mais uma vez, nada aconteceu, mesmo Eu chegando no lugar onde estava hospedado por volta das duas da manhã. O engraçado é que vários paulistanos realmente achavam o Espírito Santo um lugar muitíssimo mais violento que São Paulo, analisando unicamente os noticiários. Assim como meus pais – que já vivem no Espírito Santo há mais de cinquenta anos – nunca foram assaltados ou tiveram a casa invadida, mesmo vivendo num estado taxado de extremamente violento, vários paulistanos estão na mesma situação. Perceberam como as pessoas têm uma real noção da verdadeira violência que as cerca de forma próxima, mas quando se trata de outro estado (ou outro tipo de representação territorial mais longínqua) são cobertas de paranóia? Parece uma conclusão óbvia, mas passa inteiramente pelo propósito da Cultura do Medo, isolando geograficamente as pessoas e limitando o convívio delas. E, como disse, isso ocorre até num nível de bairro, e não só de estado e cidade. O isolamento está cada vez mais sólido, e limita cada vez mais a percepção que as pessoas têm de mundo, levando-as a achar que o único espaço seguro no planeta é o interior da casa-prisão delas… e nem isso. Hoje está cada vez mais difícil conhecer os vizinhos que os cercam, aqueles tempos em que pedíamos sal, açúcar ou pilhas no vizinho – uma cultura de compartilhamento e ajuda bem pueril e nobre – praticamente se findou, todos são auto-suficientes, seja materialmente, seja em seus relacionamentos. Pessoas com medo não questionam, não refletem, não pensam, não saem de casa… ativam simplesmente o senso de sobrevivência que possuem, vão ao trabalho, vêem televisão, dão algum tipo de atenção mecânica a família e vão dormir, para no outro dia repetirem tudo de novo. Não estou dizendo que os lugares citados não sejam violentos, ou que crimes não existem; só estou pontuando que eles são imensamente amplificados de forma hedionda, e o efeito desse tipo de atitude nas pessoas é uma versão menor da paranóia. Quem nunca passou um tempo no Rio de Janeiro deve achar, graças aos jornais, que o estado vive em contínua Guerra Civil, sangrenta e a qualquer momento e em qualquer lugar você pode ser vítima de um balaço no meio da fuça, e isso não é inteiramente verdade. Sabendo identificar áreas violentas, se aumentará bastante as chances de ficar um bom tempo no Rio e não sofrer qualquer tipo de mal. Escancarando certos tipos de crimes – como o do goleiro Bruno e da família Nardoni – se pode ocultar facilmente outros, principalmente pelo fato de que uma notícia é somente uma janela, pois não procura estabelecer uma linha do tempo mais ampla e refletir sobre causas, somente sobre possíveis efeitos – e mesmo assim de uma forma bem deturpada e ineficiente. Pouca ou nenhuma discussão surge sobre as prisões brasileiras, ou a mistura de presos de diferentes periculosidades, bem como programas de reais benefícios para pessoas da periferia. Quando isso ocorre, geralmente vem inserido num contexto circense, como o Criança Esperança, que visa mais engrandecer os que o estão realizando a mostrar os reais benefícios dos milhões obtidos em assistência. Dessa forma, a população em geral, passa a ter uma visão de mundo essencialmente maniqueísta – de um lado os bandidos malzinhos, e entenda por bandido todos que compõe a população carcerária; e do outro a população assustada, o que exclui qualquer categoria intermediária. Analise a questão das drogas, pro exemplo. Parece que todos os usuários de drogas taxadas de não-lícitas são violentos, aguerridos e vendem até as mães por um pouco mais de entorpecente. Não quero entrar no mérito do legaliza/não-legaliza a maconha e outras drogas, mas apenas atentar que poderosos grupos econômicos é que taxam se drogas são ou não ilícitas, e não atentam para a questão da periculosidade, mas apenas no lucro capital que esses químicos podem trazer. Na época da II Guerra Mundial, o governo americano obrigava fazendeiros do país a plantarem maconha, seja para fazer roupas do cânhamo (mais resistentes e duráveis), ou mandar baseados para os soldados do front, o que os ajudava a se distraírem. Até meio século atrás, cocaína era indicado como anti-gripal – inclusive para crianças – e cigarro era considerado benéfico. Ah, mas descobriram que faz mal posteriormente, por isso proibiram, alguém pode dizer. Bom, isso é uma inverdade do ponto de vista médico, olhando de um certo ângulo. Estudos apontam no sentido de que aspirina pode matar se usada em excesso – como matou milhares de pessoas em 1918-1919, época em que a Gripe Espanhola explodiu, e as pessoas, vítimas do medo, tomaram aspirina vertiginosamente – e mesmo assim o remédio é um dos mais comercializados no mundo, assim como o foi a anfetamina até ser proibida em boa parte do planeta (no Brasil ainda é liberada), cujo uso por soldados americanos misturava, inclusive, heroína injetável. Drogas não-químicas (maconha, peyote, cogumelos) são ou foram usadas por inúmeras culturas e sociedades muitíssimo antes da criação da medicina moderna ou qualquer classificação de loucura e sanidade, e nenhuma evidência atesta o fato de que esse uso – que ocorria dentro de rituais coletivos e geralmente religiosos, que serviam como uma espécie de controle da época, se opondo ao uso individual e recreativo de hoje – tenha se tornado problemas de saúde e segurança pública. Muito pelo contrário, a própria repressão a essas atitudes gera a violência que drogas legalizadas provavelmente não geram. Da mesma forma que não existia tráfico de cocaína e heroína na época em que elas eram legalizadas e vendidas como remédios farmacológicos legalizados, provavelmente não haverá tráfico de maconha caso ela seja legalizada – caso da Holanda e do Canadá em parte, por exemplo. Dessa ilegalidade surge a Guerra Contra as Drogas, uma das mais longas e violentas do mundo, e pouco questionada na mídia. Na verdade, a mídia usa seu velho discurso limitado pra tratar a questão também. Ao invés de analisar Eu mesmo o discurso da mídia, fui perguntar a algumas pessoas qual a percepção que elas têm das drogas e as respostas foram quase todas iguais: droga é coisa de favelado e todos que usam merecem cadeia ou morte – e isso resolverá o problema, mesmo com todas evidências apontando o inverso. O problema, na visão dessas pessoas e no discurso da mídia, é usar um método repressivo para resolver um problema que exige soluções preventivas. A guerra é a máxima expressão do errado, é a alternativa para quando nada dá certo. A Guerra contra as Drogas é algo nesse sentido, mas o claro problema é que poucos divulgam que os Estados que as combatem lucram imensamente com ela. Após o filme O Gângster, creio que muitos conhecem a história de Frank Lucas, traficante usado como peão pelo Exército Americano e pela CIA para encher os EUA de heroína, que era traga em caixões de soldados mortos na Guerra do Vietnã. A idéia era trabalhar junto com fazendeiros vietnamitas que plantavam ópio em troca de informações e apoio logístico. O mesmo ocorreu no Afeganistão, onde a CIA patrocinou a entrada de drogas no Ocidente para levantar fundos para guerrilheiros que lutavam contra os soviéticos no fim da década de 80. Alfred W. McCoy – PhD de história do Sudoeste asiático da Universidade de Yale – reuniu provas com relação a participação do governo americano na explosão de heroína no Ocidente, após a Turquia ter extinguido as produções de ópio na região, e as colocou no livro A Política da Heroína no Sudoeste da Ásia. O mesmo ocorreu recentemente no mesmo Afeganistão. O regime Taliban punia com a pena de morte os produtores de ópio e reduziu a produção do país em mais de 90%. Três anos depois da invasão americana, o Afeganistão voltou ao posto de maior produtor mundial, respondendo por 86% da heroína do mundo. Denúncias do New York Times apontam o irmão do presidente afegão Hamid Karzai, Ahmed Wali Karzai, como sendo um dos maiores barões da droga do país. O nível de corrupção das forças americanas vai ainda mais longe: Forças Especiais militares americanas e paramilitares da CIA e do grupo Strike Force Kandahar (treinados e comandados pela CIA) usam casas de traficantes para preparar operações, assim como recebem ajuda de ex-partidários de Mullah Mohammed Omar, o fundador do regime Taliban. No intrincado caso de corrupção Irã-Contras ocorreu algo similar, quando os EUA contrabandearam armas pro Irã (que estava sob um embargo imposto pelos próprios EUA) para financiar os Contras, que lutavam contra o regime sandinista na Nicarágua. Na época, o relatório oficial concluiu que integrantes do Departamento de Estado dos EUA e membros da CIA estavam envolvidos diretamente com o tráfico de drogas. Parte desse apoio era responsável inclusive, pela totalidade do crack que era fornecido em Los Angeles, por exemplo. Fora esses casos conhecidos, há casos confirmados de envolvimento do governo americano com drogas no Haiti, no Panamá, e na Colômbia. Não vejo tais elementos sendo abordados quando se constroem notícias e artigos sobre tráfico de drogas, e a desinformação é tanta que muitos latino-americanos apóiam o movimento dos EUA no sentido de “combater” o narcotráfico na Colômbia. A Guerra contra as Drogas é somente uma forma de autoridades – e Corporações, indiretamente – obterem ainda mais lucro. É só apreender alguns carregamentos de cocaína, umas toneladas de maconha e tudo se resolve, a população louva o trabalho da polícia como heróico, sendo que a própria cúpula do país trabalha no sentido de estender essa guerra eternamente. É somente mais uma forma de apontar o dedo para um inimigo sem rosto e usar essa Guerra como desculpa para cometer diversas desumanidades. E a lógica da Cultura do Medo permanece a mesma: escancarar certos aspectos e ocultar outros, de forma a espalhar desinformação sem necessariamente mentir na acepção mais correta da palavra. Pelo que lemos, parece que traficantes brasileiros são seres todo-poderosos que combatem até a própria polícia se quiserem, trazem droga de fora do Brasil e armam planos intricados, ajudados por gangues de poucos policiais. Após décadas de luta contra as drogas aqui no Brasil, e um quadro que indica que os traficantes estão mais poderosos, fica difícil não imaginar que exista um apoio massivo do Estado para a perpetração a essas ilegalidades, e não falo somente de corrupção policial. Somente para lembrar de como a forte repressão do Estado, aliado a proibição total, causa um aumento explosivo da criminalidade, os EUA criaram a Lei Seca em 1919, e a corrupção do próprio Estado contribuiu para o aumento da riqueza de poderosos mafiosos, que demoraram décadas para serem desmantelados. Como deu pra perceber, a questão dos crimes e das drogas – e olha que nem abordei a corrupção intensa que existe nas empresas farmacêuticas, como claramente visto no caso da vacina da Gripe Suína – está intimamente ligada aos crimes em escala estatal no mundo inteiro. Crimes esses que a mídia prefere esquecer, afinal, rendem histórias mais complexas e com menor possibilidade de lucro. Crimes como a Guerra do Afeganistão, a Guerra do Iraque, as ameaças ao Irã, múltiplos golpes militares por toda a América Latina. Quando se noticia as perigosas e lucrativas aventuras dos EUA pelo mundo pós-Guerra do Golfo, a lógica parece ser sempre a mesma: eles estão libertando o mundo de ameaças ou salvando a população de algum país de um ditador malévolo. Mesmo que seja consenso popular chamar a Guerra do Iraque de guerra do petróleo, poucos jornais ou órgãos de imprensa parecem assumir qualquer tom crítico, se limitando a fazer informes sobre movimentos de tropas americanas, ou mortes de soldados. E essa falta de respaldo da grande mídia termina por efetivamente tornar essa denominação uma espécie de delírio popular do senso comum, sem qualquer comprovação, ficando apenas no campo do boato. A cobertura é feita geralmente de dentro do Exército e não de fora dele. Além disso, o passado não parece interessar a mídia, que não propõe uma mínima reflexão sobre possíveis causas de atrocidades. Para eles, o 11/9 foi um evento isolado, Bin Laden planejou tudo e executou porque deu na telha, quando um exame, mesmo superficial, como estou fazendo agora, revela coisas muito mais aterradoras, não só com relação a Bin Laden mas em todo o Oriente Médio. Primeiro é importante dizer que a expressão “Guerra ao Terror” não surgiu agora, os mujahedeens não são os primeiros chamados de terroristas a serem combatidos pelos EUA. Na verdade, se analisarmos a história americana, perceberemos que o Estado sempre se beneficiou de múltiplas guerras ocorridas no estrangeiro, nunca no território americano. A última vez que os EUA recebeu algum ataque em seu território foi quando os britânicos incendiaram Washington em 1814, então pode-se dizer que Bin Laden quebrou uma escrita de quase 200 anos: atacou o território americano – vamos desconsiderar Pearl Harbor, por motivos óbvios. A reação a esse ataque – não vamos dar a vazão a teorias conspiratórias, e imaginar que Bin Laden realmente atacou os EUA, mesmo que nós saibamos das fortes ligações dele e da família dele com o governo americano – foi um massacre mais de mil vezes maior do que as vítimas do 11/9. Fora as vantagens moralistas que os EUA conquistaram, saindo da categoria de mercenários interesseiros do mundo, para a categoria de vítimas, vários da infame gangue de Bush puderam encher os bolsos às custas dos contribuintes. O Terrorismo é o alvo perfeito – assim como as drogas: não tem rosto, pode estar em qualquer lugar, e não necessariamente precisa ser vencido. O Terror pode ser combatido eternamente, e como ele pode se infiltrar em qualquer lugar, criou-se uma lógica maniqueísta de nós contra eles. Países que não apoiaram a guerrinha suja dos EUA contra o Afeganistão – oficialmente a guerra mais longa em que os EUA já se envolveram, estranhamente com um inimigo não muito poderoso – sofreram ameaças e sanções por parte da camarrilha de George Bush. Uma lógica perversa se instalou, e abertamente os EUA apoiaram regimes ditatoriais que abriam suas portas para os militares americanos. Pervez Musharraf, um general golpista que chegou ao governo do Paquistão, foi considerado por George Bush como um dos principais aliados dos EUA na luta contra o terrorismo – sendo que ele mesmo apóia grupos terroristas paquistaneses que lutam contra o governo indiano na Caxemira. O próprio Bin Laden é uma criação dos EUA na época da guerra dos soviéticos no Afeganistão, e isso é conhecido o suficiente para ser incluído em reportagens sobre a guerra do Afeganistão. Na verdade, a própria incursão soviética no Afeganistão foi resultado de uma operação atrativa da CIA que custou cerca de US$ 3 bilhões, se constituindo a mais cara operação secreta do país desde a II Guerra. Os EUA queriam dar aos soviéticos seu próprio Vietnã, como bem descreveu o secretário de Estado da época de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski. Bastante dinheiro – de origem suja, como muito do orçamento da CIA – foi usado para treinar guerrilheiros que combateriam o governo comunista local e atrair a URSS para o país, plano que funcionou. Cerca de 35 mil mujahedeens lutaram no Afeganistão, e outros 100 mil foram treinados. Segundo Milton Bearden, chefe do escritório da CIA no Paquistão de 1986 a 1989, esses estrangeiros traziam cerca de US$ 300 milhões de financiamento a guerra anualmente, o que contribuiu para o crescimento de redes secretas de radicais. Após o fim da campanha soviética – e da própria URSS – no Afeganistão, os guerrilheiros foram abandonados, eles não eram mais necessários aos interesses norte-americanos. Os mujahedeens usaram a chegada de mais de meio milhão de soldados americanos a Arábia Saudita – o país mais sagrado do islamismo, que tem uma família de monarcas bastante obedientes aos EUA no poder – na época da Guerra do Golfo como estopim para alimentarem o ódio contra os americanos. Bin Laden, filho de um iemenita que se tornou bilionário, na época era só um tesoureiro dos guerrilheiros, até se utilizar de diversas táticas de guerra eficientes, e virar herói logo depois de ser expulso da Arábia Saudita. Caso parecido ocorreu no Iraque, onde Saddam Hussein foi um garoto dos EUA por duas décadas, até não ser mais útil aos EUA. Donald Rumsfeld, ex-secretário de Defesa dos EUA, ao afirmar em 2002 que o regime de Saddam era extremamente corrupto e sanguinário, e usava armas químicas contra seu povo, deve ter esquecido que em 1983 ele mesmo apertou a mão do ditador, como enviado da presidência dos EUA para reatar relações diplomáticas com o país. A CNN, numa rara demonstração de contestação, colocou Rumsfeld frente a frente com a fita, e mostrou evidências que tinham sido os próprios americanos que criaram o programa de armas químicas de Bagdá – que seria usado como desculpa para a guerra de 2003. O velho simplesmente respondem com um: “Ahn… que interessante, lá estou eu“, logo após ter dito que nunca tinha pisado no Iraque. Mesmo sabendo do uso militar de diversos equipamentos vendidos ao país, os conselheiros da era Reagan-Bush aprovaram mais de US$ 1,5 bilhão em vendas ao país, incluindo pesticidas e outros componentes químicos e helicópteros militares Bell 214ST. Em 1988, um ataque do governo iraquiano aos curdos da região de Halabja – com os tais helicópteros e as armas químicas americanas – foi condenado e descrito como brutal pelo Departamento de Estado americano (ironicamente, esse ataque foi citado pela mídia quatro vezes mais em 2003 do que em 1988). O Senado dos EUA, um mês depois, aprova sanções radicais de comércio ao Iraque… mas a medida é derrubada por intervenção pessoal do próprio presidente, por razões puramente financeiras. Um mês depois do ataque com armas químicas a Halabja, a Dow Chemical vendeu mais US$ 1,5 milhão em pesticidas e outros químicos a Saddam, o que mostra como os EUA realmente estão preocupados com vidas de pessoas. Agora, sem Saddam Hussein e Osama Bin Laden na jogada, os EUA precisam desesperadamente de mais um inimigo, de mais uma guerra, de mais um país para pilhar bens sem qualquer tipo de punição. Os próximos passos dos EUA em sua vampírica política externa não são de modo algum obscuros, visto já estarem descritos no Project for the New American Century (PNAC), um plano para estabelecer definitivamente a liderança norte-americana em todo o planeta. Entre os integrantes da organização do PNAC, pode-se destacar Dick Cheney, ex-vice-presidente dos EUA; Donald Rumsfeld, ex-secretário de Defesa; Paul Wolfowitz, subsecretário de Defesa; e um dos chefes do Conselho de Política de Defesa dos EUA, Elliot Abrams. O PNAC foi criado oficialmente em 1997, e já em 2000 publicou um relatório onde assumia que os EUA tinham direito de “dominar todas as riquezas globais, e só precisava de um evento catastrófico como Pearl Harbor para levar isso à frente”. Bem, um ano depois veio o 11/9 e deu isso a eles, a desculpa perfeita e ostensiva para dominar o mundo, livra-lo do terror infringindo um terror inimaginável no processo. O repórter australiano John Pilger, escrevendo para a revista britânca New Statesman, descreveu alguns pontos do relatório: 1) aumento de US$ 50 bilhões nos gastos militares, 2) construção de mais armas nucleares, 3) ampliar o projeto Guerra nas Estrelas, 4) no caso de Bush assumir o poder, tomar o poder no Iraque. Bom, não é preciso ser muito informado pra sacar que todos os pontos efetivamente foram implementados. A sede de poder era tanta, que no dia 12/9/2001, Rumsfeld declarou que os EUA deviam atacar imediatamente o Iraque, mesmo que não tenham sido encontradas quaisquer provas de conexões de Saddam com Bin Laden (pelo contrário, um relatório do serviço secreto britânico, o MI6, foi taxativo ao afirmar que Saddam via Bin Laden como um inimigo). A desculpa foi as armas de destruição em massa, vendidas pelos próprios EUA e ainda assim jamais encontradas, tudo exposto num constrangedor discurso de Colin Powell, secretário de Estado de boa parte da Era Bush, na ONU. Em 2002, uma das medidas para levar o PNAC a frente, foi criar o P2OG (Proactive, Preemptive Operations Group), com o objetivo de unificar todas as atividades secretas dos EUA, e se fazer passar por governos de países que sediam grupos terroristas, visando fazer esses terroristas se exporem – conforme escreveu Willian Arkin, no Los Angeles Times. Wesley Clark, ex-Comandante Supremo da OTAN, escreveu um pouco mais do plano dos EUA em seu livro Winning Modern Wars: Iraq, Terrorism, and the American Empire. Segundo Clark, o plano americano depois da submissão iraquiana é levar a cabo operações na Líbia, Síria, Irã, Sudão, Líbano e Somália – quase todos inimigos de Israel, e islâmicos. E podemos observar que o próximo inimigo já foi escolhido: o Irã dos aiatolás e do mais-que-conhecido-novo-vilão-do-mundo Mahmoud Ahmadinejad. O país é o mesmo desde muito tempo, mas parece que só agora virou um inimigo dos EUA – sabe-se deus por qual motivo. Mas a história mostra coisas que a mídia prefere ignorar e ocultar de suas bombásticas e fantasiosas coberturas. Quando lemos reportagens na Folha de São Paulo sobre as atrocidades desumanas que os aiatolás promovem, só deve vir a mente que esse regime deve ser derrubado a qualquer custo (bom, a Folha emprestava carros pro Exército capturar torturadores, então deve ser fã de ditaduras e deveria demonstrar posicionamento diferente). Mas os jornais esquecem que a Revolução Islâmica só ocorreu como uma reação ao regime ditatorial do xá Reza Pahlevi que os EUA instauraram no país. Em 1953, o povo iraniano havia eleito Mohammad Mosaddeq para o cargo de primeiro-ministro. Como uma de suas primeiras medidas, Mosaddeq nacionalizou a indústria de petróleo do país, que estava nas mãos da Anglo-Iranian Petroleum Corporation (não conhece? Deve ser porque ela mudou seu nome para British Petroleum anos depois…). Os ingleses, que recebiam cerca de 85% do lucro do petróleo do país, chamou seus amigos americanos e bolaram um plano para tirar Mosaddeq do poder. O presidente Dwight Eisenhower chamou alguns camaradas de confiança para fazer o serviço sujo: Kermit Roosevelt, neto de Theodore, foi o operador da CIA responsável por contratar alguns cães sarnentos para realizar a operação; e Norman Schwarzkopf, pai de Norman Jr, que comandou as forças americanas na Guerra do Golfo, foi o articulador político, que colocou Pahlevi no poder. Em três semanas Mosaddeq estava fora do governo e Pahlevi devidamente instalado, onde ficou por 25 anos, numa ditadura sangrenta apoiada pela SAVAK, a polícia secreta dele. Em 1979, a Revolução Islâmica triunfa, e leva o Aiatolá Khomeini ao poder. No mesmo ano, Henry Kissinger convence o presidente Jimmy Carter a deixar o xá doente a entrar nos EUA para se tratar. O ato é o estopim para estudantes iranianos entrarem na embaixada americana no Irã e fazerem diversos funcionários de reféns. Em 1980 foi revelado que integrantes do comitê de campanha de Ronald Reagan – incluindo o próprio Kissinger – haviam feito um acordo com os estudantes para que eles mantivessem os 52 reféns, no intuito de desmoralizarem Carter durante as eleições. Não por acaso os reféns foram soltos dia 20 de janeiro de 1981, o exato dia em que começou o mandato de Ronald Reagan. Agora já dá pra começar a entender que o motivo do ódio dos médio-orientais provavelmente nada tem a ver com religião (como descreveu a VEJA em uma reportagem de capa sobre o Irã, em 2003, afirmando que os muçulmanos têm inveja do modo de vida cristão ocidental), mas sim com uma política externa extremamente sangrenta dos EUA, visando somente a conquista de bens materiais. Vemos isso nos jornais e revistas? Muitíssimo raramente. Vemos somente manchetes dizendo que Lula apóia o regime dos aiatolás, mas não vemos uma menção ao fato que os EUA apóiam o regime saudita, igualmente repressor – ou que apóia Israel, o Estado mais terrorista do mundo. Ninguém cita o fato dos EUA terem impedido ajuda humanitária de entrar no Afeganistão assim que entrou no país – e colocando a vida de oito milhões de afegãos dependentes dessa ajuda em risco. Quando publicam, o fazem no meio de outra reportagem, gastando uma ou duas linhas com o assunto. Ninguém cita que Reagan, assim que sentou no Salão Oval, declarou que sua maior missão era lutar contra o terror internacional, e consequentemente criou uma rede terrorista que hoje ataca os EUA. Ninguém cita que os EUA foram oficialmente condenados pela ONU (e pela Corte Mundial também) por terrorismo, em 1982, por violações dos direitos da Nicarágua – mas os americanos vetaram a moção de condenação, com o apoio de Israel. Ou seja: os EUA são oficialmente uma nação terrorista e ninguém parece saber/se lembrar disso. A miopia da maioria da mídia provavelmente tem seu símbolo dentro do que escreveu Michael Kinsley, defendendo essa política externa belicosa e terrorista com o argumento de “fazer nascer democracias nesses países”. Jornais americanos, é claro, ficaram extremamente felizes ao publicar esse tipo de história, incluindo o maior jornal dos EUA (o New York Times), que elogiou a operação americana na Nicarágua. O Medo decorrente desse tipo de Cultura é claro, pois espalha o pânico na população e dá vasão a medidas ditatoriais de Estados cada vez mais autoritários. Se não estivermos com medo constante da criminalidade, não aceitaremos câmeras por toda a rua; se não estivermos com medo dos motoristas que vivem correndo, não aceitaremos radares que são a base da indústria da multa instalados em tudo quanto é estrada; se não tivermos medo constante do terrorismo não podemos aceitar raios-X em aeroportos, prisões sem julgamento, ataques racistas a árabes e queimas de Alcorão. Uma população com medo não reage a esse tipo de coisa, pois elas são para um bem maior, são para destruírem os caras maus. O medo instalado suprime as vozes discordantes – pense em como é difícil a veículos de imprensa independente que falam contra a voz oficial e corrupta, ter uma base de credibilidade significativa -, esmaga qualquer possibilidade de questionamento. Uma população medrosa é facilmente dividida e mergulhada em paranóia, fica isolada em suas casas-prisões, não reclama de impostos altos, saúde em baixa, educação castradora, não reclama de políticos criminosos -e quando reclama, não é capaz de se unir para tentar uma mudança efetiva. Uma população cheia de medo age como um cãozinho condicionado, quieto, aflito, sem reflexos ou instintos, apenas esperando um pouco de comida. A esperança recai sobre os instintos mais inatos e inconscientes do ser humano, aqueles que ficam escondidos até emergirem nos momentos mais emergenciais. Na década de 1920, Ivan Pavlov resolveu que era hora de tornar a psicologia uma ciência. Antes dele, psicólogos eram caras que ficavam teorizando enquanto sentavam a bunda em cafés caros da Europa. Eram como teóricos políticos, parecidos com os caras que fundaram o Socialismo, por exemplo. Pavlov desenvolveu uma série de estudos empíricos para determinar como o comportamento humano não era tão multideterminado assim. Ele então iniciou uma série de célebres experimentos com cães, os prendendo e os submetendo a uma série de estímulos. Primeiro mostrava um pedaço de pão antes de dá-lo para comer. Com o tempo, o cachorro passou a salivar somente de ver um pedaço de pão. Parece uma reação natural, nós salivamos quando sentimos certos cheiros, ou temos ereções (mulheres têm lubrificações) antes do sexo, tudo instintivo e natural. Mas Pavlov foi mais longe, e passou a associar uma série de estímulos com a comida. Tocava uma música determinada antes de alimentar os cães, e tempos depois os cachorros liberavam altas quantidades de saliva e suco gástrico só de somente por ouvirem a música. Para o cérebro deles, a música tinha tanto poder quanto a própria alimentação – ou seja: a realidade, os estímulos do animal que indicavam que eles estavam na realidade, haviam sido enganados, distorcidos. Pavlov associou comida com lâmpadas, objetos, qualquer coisa, e sempre funcionava. Esse jogo de Estímulos-Respostas ficou conhecido como Teoria do Behaviorismo, que dizia basicamente que humanos eram seres condicionados a repetirem estímulos – como se a cabeça de uma pessoa não tivesse qualquer capacidade de processamento comportamental. Posteriormente, a Psicologia nos mostrou que o comportamento humano era bem mais complexo do que esse jogo simplista, mas as experiências de Pavlov nos ensinam uma coisa importante: nossos instintos, nossa capacidade de percepção da realidade, e até nossas vontades podem ser subvertidas e viciadas graças a estímulos externos – sejam bons ou ruins. O problema é que Pavlov à época não previu que nossa racionalidade e nossos sentimentos poderiam nos fazer desviar desse caminho comportamental mecânico num nível consciente, ou que nosso Inconsciente poderia nos pôr de volta no trilho. Anos de condicionamento, falsidade, aceitação, prostração… podem ser vencidas caso algum forte fator externo atinja diretamente nosso Inconsciente, aquele Instinto Básico que permeia todo ser humano. Foi o que rolou com os cães de Pavlov. Mesmo sendo aprisionados e submetidos por centenas de horas a um modo de vida onde só salivavam e recebiam comida, tendo todos os seus reflexos e comportamentos moldados, os cães puderam experimentar uma poderosa injeção de instintos. Ocorreu uma inundação em Leningrado, que atingiu o laboratório de Pavlov. Os cães, num piscar de olhos, esqueceram de todo o condicionamento e se puseram a correr para salvarem a própria vida. Humanos com certeza podem ter experiência parecida e vencer décadas de Medo, Trabalho Escravo e outras ferramentas de controle social.