Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) Texto publicado originalmente em: 13/10/2009 Aproveitamos a estréia do filme, para resgatarmos a resenha do Voz do Além (vulgo Filipe Siqueira) sobre a fábula escrita pelo Tolkien. Apesar do HumberTêra ter escrito sobre o livro, sinto que devo fazer o mesmo, agora que terminei de pagar um dos meus mais antigos pecados: não ter lido O Hobbit (já tô pagando o outro: não ter lido O Senhor dos Anéis). E antes de escrever a Saga do Anel, Tolkien, um dos maiores escritores do século passado, escreveu esse, que é como um ponto de partida para as aventuras que ocorrem no mais abrangente mundo de fantasia que se conhece, tão detalhado e rico que só encontra paralelo no nosso próprio mundo. O início é singelo, com a mais que conhecida frase Num buraco no chão vivia um hobbit, que Tolkien diz que escreveu numa folha em branco de uma prova por um motivo que ele mesmo desconhece. À partir da descrição de um personagem facilmente identificável, daqueles sedentários, que gostam de boa vida… que começaria uma série de aventuras que não poderia chegar perto de imaginar, ele inicia o que se tornaria uma das mais conhecidas fábulas modernas inglesas, além de prelúdio para uma das maiores obras literárias do século: a já citada Trilogia do Anel. Bilbo Bolseiro é um hobbit – uma raça de homens pequenos, com pés grandes e peludos, que gostam de farra, fumo, são tranquilos e avessos a aventuras que exigem esforços – e num belo dia recebe a visita de Gandalf, um mago. Sabe-se lá por qual motivo, o mago o escala para ser um dos integrantes de uma comitiva de 13 anões que pretendem recuperar seu valiosíssimo tesouro das garras de um dragão dos mais carniceiros, responsável por roubar, pilhar e destruir uma das mais prósperas cidades dos anões. À partir dessa premissa, Tolkien desenvolve um belo conto que foca principalmente na transformação de Bilbo de um simples hobbit, para um ladrão de mão cheia, apesar de honrado. Se tem uma coisa que Tolkien sabe fazer bem, essa coisa se chama geografia. Suas descrições da ainda prematura Terra-Média são quase tão eficazes quanto filmes, assim como os personagens que ele descreve, com um bom nível de detalhes e pertencem aos mais diversos recônditos da região. As andanças de Bilbo & cia, assim como suas aventuras e momentos difíceis transportam o leitor para dentro de um universo que felizmente muitos já visitaram nos cinemas (e vão visitar novamente com os vindouros filmes que adaptarão esse livro, dirigidos por Guillermo del Toro), o que sempre facilita no processo imaginativo. Outro ponto de destaque no processo de criação de Tolkien diz respeito as raças presentes em seus livros, quase todas elas baseadas nas mitologias nórdicas, inglesas, germânicas e várias outras. Cada raça tem maneirismos próprios, estilos característicos, tudo muito bem narrado por ele – o que pode cansar alguns acostumados com livros de gente como Stephenie Meyer, autora do destruidor da mitologia de vampiros e inspirador de um dos piores filmes que já vi, O Crepúsculo. Juntamente com cada raça, vêm as músicas, cada uma com as lendas de cada uma delas – anões falam de tesouros, elfos de sabedoria, hobbits de farras, humanos de conquistas -, o que pode facilmente tornar O Hobbit um musical de primeira (aqui cabe elogiar o trabalho de tradução, que manteve praticamente intacto o sentido das músicas, além de deixar que as rimas continuassem. Como logicamente você já viu O Senhor dos Anéis é natural que procure elementos de ligação dessa fábula com A Saga do Anel. Apesar de ter pensado em O Senhor dos Anéis posteriormente, é notável como parece que certos personagens são construídos relaxadamente com o intuito de receberem backgrounds mais interessantes numa vindoura sequência verdadeiramente épica. Um deles é Gollum, que aqui já tem sua obsessão e escravidão pelo Um Anel (que ainda não é o UM Anel) muito bem narrada. Mas em O Hobbit ele ganha um papel bem secundário, longe do papel central que possui na “sequência”. No foco da narrativa está a transformação de Bilbo de um fanfarrão para um herói, mesmo que relute em tomar para si o posto de herói, coisa que Gandalf já aparentava saber desde o início. É como uma conhecida narrativa grega, com um homem representando um pedaço de chumbo passando por transformações até se tornar ouro. Ele salva a vida dos anões patetas e avarentos diversas vezes (o anel da invisibilidade ajuda, logicamente), fora que em sucessivos momentos é quem comanda a aventura, principalmente na ausência do Mago. Nos momentos decisivos na Montanha Solitária, lar de Smaug, o dragão, é ele quem resolve os problemas da trupe em 90% dos casos, fora que descobre segredos sobre Smaug que ninguém tinha, vitais para a luta contra ele. O que nos leva ao final, em que Tolkien acrescentou um clímax muito maior e épico do que o esperado, e após ele já mostrou o que faria em O Senhor dos Anéis: mostrou a jornada de volta do nosso heróis a sua terra, bem como a recepção (nem sempre alegre) dos seus antigos conhecidos. Não espere o tom de O Senhor dos Anéis, que varia de acordo com o momentos propício, alternando andanças, política e batalhas monumentais. O Hobbit é uma fábula, um conto infanto-juvenil, e isso se reflete até mesmo no estilo narrador-onipresente que Tolkien usa, que conta a história demonstrando que a conhece inteiramente, embora não possa controla-la (certos autores dão a entender isso, o que soa metalinguístico, e pode ser bom, depende da habilidade do escritor). Até os animais refletem isso, pois têm línguas próprias (obsessão do autor, mestre em línguas anglo-saxônicas), algumas entendidas por humanos, como é o caso dos dragões, corvos e águias. No fim, lemos simplesmente a aventura de um grupo de pequeninos enfrentando perigos maiores do que eles… somada, é claro, a valores clássicos de histórias antigas, como amizade, superação, coragem e tudo o mais. E pensar que nem Tolkien devia imaginar que dessa simples história sairia um dos maiores livros da história! Desejo sorte (não que ele precise de sorte) para Guillermo del Toro na adaptação! [Nota: Como todos sabem, Guillermo del Toro acabou saindo da produção do filme] The Hobbit (Reino Unido, 1937) Autor: John Ronald Reuel Tolkien Págs: 297 Nota: 8