Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) Texto publicado originalmente em: 08/12/2009 “A imprensa é uma gangue de covardes impiedosos. Jornalismo não é profissão, não é nem mesmo um ofício. É uma saída barata para vagabundos e desajustados – uma porta falsa que leva à parte dos fundos da vida, um buraquinho imundo e cheio de mijo, fechado com tábuas pelo inspetor de segurança, mas fundo o bastante para comportar um bêbado deitado que fica olhando para a calçada se masturbando como um chimpanzé numa jaula de zoológico.” Hunter Thompson “Não aposte na maconha! Em Nevada: Posse – 20 anos Venda – Prisão perpétua “ Placa de recepção do Estado de Nevada “Em uma sociedade onde todos são culpados, o único delito é ser pego.” Hunter Thompson [Nota: Assim como Thompson em Medo e Delírio em Las Vegas, não fiz qualquer revisão no texto abaixo. Está tudo da forma como escrevi da primeira vez!] Quando, em pleno ano de 1971, recebeu uma ligação dos editores da revista Sports Illustred para cobrir a clássica e gigantesca corrida no deserto Mint 400, Hunter não sabia que estava próximo de dar início a sua obra mais famosa, e “O” marco do Jornalismo Gonzo. Como de praxe, ao invés de simplesmente ficar observando motos e buggies correndo na areia loucamente sem direção – ele até tentou, é verdade – Hunter Thompson preferiu fazer uma descrição de um ambiente bizarro e efervescente que ele ainda desconhecia: Las Vegas, a Cidade do Pecado. Minutos depois dessa ligação, ele se prepara. Se junta ao seu advogado samoano, aluga um um conversível vermelho apelidado de Tubarão Vermelho… e gasta o resto da grana disponibilizada pela revista na compra de drogas querendo chegar ao estado mental necessário para escrever sobre coisas estranhas do tipo. Após alguns percalços, Thompson – aqui com o nome de uma espécie de alter-ego chamado Raoul Duke – e seu advogado, Dr. Gonzo – um alter-ego do advogado Oscar Zeta Acosta – partem para a jornada mais louca da vida deles, símbolo de uma geração explosiva, que mostrou aos EUA o resultado de anos de coisas como Vietnã e presidentes de extrema direita. O resultado é uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano, chamada Medo e Delírio em Las Vegas. A essência da obra mostra um dos dons de Thompson: sempre fugir do óbvio. Recém contratado da Rolling Stone, na época um símbolo quase mainstream da contracultura americana – após trabalhar em veículos como o Scanlan’s Monthly e a revista esquerdista The Nation (que o contratou para escrever sobre os Hell’s Angels) – ele ficou famoso com o primeiro artigo devidamente rotulado de gonzo: O Kentucky Derby é Decadente e Depravado. Os pormenores das duas reportagens são praticamente os mesmos: ele é escalado para cobrir uma corrida tradicional e acaba por entregar uma experiência antropológica, observando os seres que orbitam ao redor do espetáculo, e constatando que a loucura que impera nesses lugares. Como era de se esperar, sua cobertura do evento não é nada convencional. Antes de chegarem ao hotel em que ele ia se hospedar, a grana da dupla de malucos já tinha se esgotado, tudo por causa do carro e da compra das drogas. Então, daí pra frente eles são obrigados a darem golpes no hotel, fora que destroem o quarto por causa do efeito de um quadrado de LSD, e se vêem envolvidos com uma depravada sexual. E a tal corrida? Bem, ficou para extremo segundo plano, já que Thompson tentou assisti-la, mas só conseguiu ter seus olhos cobertos pela maldita areia do deserto, tendo o assunto não ocupado mais que algumas páginas em sua reportagem. O estranho é que a persona dele não parece muito estranha num ambiente desses. É como um leão sair da savana, ir para o Pólo Sul e encontrar predadores muito mais sinistros, perfeitamente adaptados para dilacerar pedaços de carne felinos. Tal ambiente com certeza assustaria o leão – isso se não levarmos em conta a temperatura violentamente diferente que mataria o rei da selva. O mesmo ocorreu com Hunter. Acostumado com tipos estranhos de lugares um pouco menos exóticos, como Aspen, cidade a qual ele perdeu a eleição para o cargo de xerife por poucos votos; ele se viu cercado de animais ainda menos irracionais que eles. Em alguns momentos ele chega a relatar o fato de não ser necessárias drogas para se ficar devidamente louco na cidade, basta dar uma volta por aí. É exatamente por esse motivo que ele tem a plena certeza que o sonho americano tem que estar por ali. Mas como toda sucessão de loucuras, a jornada deles precisa de uma guinada 360º, e principalmente após cometerem crimes no hotel, e não terem qualquer dinheiro para pagarem a conta. E Hunter foge… isso logo depois do advogado dele desaparecer. Mas a sorte sorri para ele e Dr. Gonzo lhe manda um telegrama avisando que a Rolling Stone o estava chamando para cobrir uma conferência anti-drogas ali por perto. É o tipo de situação surreal que dificilmente se ouve falar: dois usuários insanos de drogas, com isso praticamente estampado na cara deles, se infiltrando em uma conferência cheia de policiais boçais que querem combater o alastramento de drogas no país. É tudo bizarro e divertido ao mesmo tempo, soando como dois mosquitos ousados passando pelo meio de um lago lotado de sapos cegos e famintos. Na conferência é fácil descobrir porque existem tantos viciados nos EUA. É claro que é uma pequena mostra da complexidade do assunto, mas o pedaço exposto do problema já justifica tamanha maluquice. O nível dos policiais ali presentes lembra mais uma conferências de nazistas querendo exterminar comunistas pensando em criar uma vacina para isso, ou matando-os de fome, escondendo as criancinhas deles. A boçalidade de certas autoridades realmente assusta, mesmo que seja de conhecimento popular que gente do governo americano tem interesses comerciais na venda de drogas – principalmente as sintéticas e altamente viciantes, com cocaína, crack e heroína – utilizando a CIA para fazer tráfico, como foi exposto na Guerra do Vietnã, o caso Irã-Contras e na recente Guerra do Afeganistão. Ao voltar para seus editores da Sports Illustred para a publicação do artigo… ele é chutado da redação, sob a alegação de que o artigo está sofrível, além de receber uma advertência. A Rolling Stone tem a ousadia de publica-lo integralmente, de forma seriada, o que seria um grande sucesso e marcaria o auge da carreira Thompson. O texto de Hunter é praticamente um personagem, como sempre. Suas descrições muito detalhadas dos ambientes e das situações estranhas, bem como das reações adversas da sua mente à algumas drogas novas que resolveu experimentar enquanto ia checar suas reservas no hotel, ou estava tranquilamente bebendo uns drinks no bar do hotel, são hilárias. O resultado são visões de morcegos, dinossauros e bruxas… às vezes com tudo isso ao mesmo tempo. Talvez pelo fato do seu nível de loucura ser altíssimo, o filme baseado em Medo e Delírio seja fraco, embora fiel. Se me perguntarem porque achei o filme ruim, direi simplesmente que existem certas obras que não devem ser adaptadas. E Medo e Delírio em Las Vegas é uma delas. O problema é que o livro é de uma esquizofrenia única, e faze-la fiel dá um ar Monthy Python em excesso a tudo – e não falo isso somente pela direção de Terry Gilliam. A atuação de Depp é perfeita… porém ruim, já que Thompson é um personagem de excessos, e seus tiques são muitíssimo estranhos para ficarem bem num filme. Todo o resto é perfeitamente similar ao livro, mas realmente não funciona nas telas. É um mundo de papel, para ser imaginado, e mesmo que visualmente fiel, não agrada nas telas, servindo melhor como um chamariz para as verdadeiras obras-primas de Hunter Thompson sempre ambiciosas experiências jornalísticas, que poucos veículos têm a coragem de publicar. Como pontos altos do filme, ficam as atuações – além de Depp, vemos Benicio Del Toro, Tobey Maguire, Christina Ricci e Cameron Diaz – e sua trilha sonora, com Bob Dylan, Frank Sinatra, Rolling Stones e Dead Kennedys. Os cenários ficaram por demais burlescos, lembrando em alguns momentos um cruzamento mal feito de Família Dinossauro e os filmes 3D de Robert Rodriguez. Mas assista pela trama louca, e pelas narrações em off afiadas, que relatam em minúcias as buscas pelo Sonho Americano feitas pela dupla de doidões. Mas, na dúvida escolha o livro! Mas se Medo e Delírio não foi um clássico nos cinemas, apesar de ser reconhecidamente um filme cult, o documentário Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson se sai muito, muito melhor. O documentário é um apanhado da vida de Thompson em vídeo. Mas diferente das outras duas – em papel, descritas no post anterior – aqui vemos tudo pelos olhos dos que presenciaram sua carreira, e não pelos olhos malucões dele. O documentário faz duas coisas muito bem: reúne um monte de gente importante que conheceu Thompson – tem até Jimmy Carter na jogada – e os coloca pra depor; e é também um resumo da trajetória política, social e cultural de uma América do Submundo, aquela que só é notícia quando explode e invade a elitista. É a América de Jack Kerouac, de Willian Burroughs, de Robert Crumb. E aqui em Gonzo, vemos as duas facetas desse país tão amado e odiado. Johnny Depp volta ao mundo da contracultura de Thompson, narrando o documentário em momentos-chave da vida do jornalista. É justamente a entrada de Depp – ele e Thompson viraram amigos com as filmagens de Medo e Delírio – que possibilitou que o diretor Alex Gibney pudesse contar com gente importante dando depoimentos, como Jann Wenner (fundador e editor da Rolling Stone), Sonny Barger (todo-poderoso dos Hell’s Angels) e Ralph Steadman (ilustrador de diversas reportagens de Thompson), entre outros. O problema é que com o suicídio de Thompson, ninguém estava disposto a depor, principalmente no tocante a questão das drogas, sempre presentes na vida dele. Somente com Depp – que bancou um milionário funeral de Thompson, que incluiu até a jogada das cinzas dele para o espaço – a bordo é que foi possível reunir depoimentos emocionados e de gente importante que estavam a frente da América no período em que Hunter mudou a cara do jornalismo dos EUA. Outro momento crucial que ganha destaque no documentário é a cobertura da campanha presidencial de 1972. Hunter apoiou George McGovern desde o início – inclusive nas apertadas prévias do Partido Democrata -, que estava numa disputa contra o inimigo público número 1 dos EUA na época, um precursor de George Bush: Richard Nixon. A frustração de Thompson ao constatar a escolha equivocada de McGovern do seu vice, o que consequentemente foi um dos motivos para derrota dele, também ficam claros… e são refutados, já que o próprio candidato faz o seu depoimento. Também vemos seu envolvimento com os Angels, momentos da sua candidatura a xerife e um dos seus julgamentos. Mas se tem uma coisa que diferencia esse documentário de tudo que você vai ler dele, é que aqui é narrada sua queda, o fim de sua carreira; que se iniciou quando ele ficou semanas na África para cobrir a luta Ali vs Foreman… e voltou sem texto, o que deixou Jann Wenner chateado. Após esse episódio, ele passou a se distanciar das grandes reportagens, se tornando cada vez mais recluso em sua propriedade em Aspen, limitando-se a escrever uma coluna sobre futebol americano para o site da ESPN. Daí para frente sua jornada auto-destrutiva seria cada vez mais lenta… porém mais decisiva. Ele faria uma auto-biografia, e finalmente se suicidaria em 2005. Foi o fim de uma era do jornalismo americano. Hoje, em tempos ainda mais escrotos que os presenciados por Hunter, a maioria dos veículos de comunicação se limita a apoiar medidas anti-liberdade de governos (Lei Azeredo, alguém?), com poucos jornalistas buscando a verdade, que é um objetivo pouquíssimo alcançado na nossa geração. Hunter faz falta… Livro: Fear and Loathing in Las Vegas (1971) Autor: Hunter Thompson Páginas (Ed nacional CONRAD): 214 Nota: 8,5 Filme: Fear and Loathing in Las Vegas (1998) Diretor: Terry Gilliam Duração: 118 min Nota: 6 Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson (2008) Diretor: Alex Gibney Duração: 120 min Nota: 9