Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Existem duas maneiras de encarar O Pêndulo de Foucault. A primeira é como um dos piores livros ficcionais que você já leu, e a outra é como uma gigantesca e arrastada auto-afirmação de um intelectual, que em alguns momentos se permite descer do trono criado por ele próprio para ele próprio e ter umas sacadas geniais. Infelizmente, sob nenhum dos dois ângulos, a leitura é satisfatória o bastante para encher os olhos. Pra quem conheceu Umberto Eco – um semiólogo, filólogo e um monte de outros ólogos, tido como um dos três maiores intelectuais vivos – em O Nome da Rosa, apesar da qualidade notável do livro, percebeu alguns pontos dos mais incômodos na escrita dele. O cara simplesmente descreve tudo com uma carga tão densa de detalhes inúteis que incomodaria até Tolkien sob efeito de psicodélicos. Até porque gastar 10 PÁGINAS para descrever o portal de um mosteiro não é missão pra qualquer escritor, e Umberto Eco faz isso com uma mão nas costas e fazendo embaixadinha com um livro de Semiótica Avançada. Em O Pêndulo de Foucault essa máxima é levada às últimas consequências. Últimas de verdade. Ao ponto do livro servir de mera muleta para Eco mostrar o quanto é fodão e manja de ocultismo e sociedades secretas. São mais de 500 páginas com ideias, referências, inserções de textos antigos, conspirações sobre conspirações sobre conspirações e um monte de coisas que levariam Dan Brown a cometer harakiri se ele tivesse o mínimo de vergonha na cara. O problema é que Umberto tropeça na própria regra criada por ele: o livro é pornográfico. Não pornográfico no sentido estético, de nudez, mas sim narrativo. No livro Seis Passeios pelo Bosque da Ficção, Umberto define o que é uma narrativa pornográfica. Segundo ele, é aquela que não corta o que é desimportante, justamente para não cansar o público com cenas de sexo demais, e nem cansar os atores por atuarem somente trepando. Essa alternância de sexo e vida real seria o âmago da pornografia legítima. Assim, são gravadas cenas inúteis, como um motoboy indo entregar uma pizza, um limpador de piscina que realmente limpa toda a piscina… tudo mostrado em tempo real, para preencher os momentos entre o sexo desenfreado e mal encenado. É isso que é O Pêndulo de Foucault, pura pornografia narrativa no pior dos sentidos. A ideia do livro é excelente. Um trio de colaboradores – Belbo, Diotallevi e Casaubon – de uma editora italiana especializada em livros espiritualistas trabalha na criação de uma coleção mística, e acaba por desenvolver o que eles denominaram O Plano, que seria a Conspiração Final, o Grande Segredo, que envolve todas as sociedades secretas do mundo e a reescrita de séculos de história mundial desde as primeiras cruzadas e a ascensão do poder dos Cavaleiros Templários. Porém, como todos os apitos de clichês anunciam, o Plano se mostra real e a vida de todos corre perigo. O ano em que rola a história toda, os revolucionários anos 1960, dá margem para uma série de reflexões e inserções interessantes, mas o autor faz questão de passar por cima disso sem dó, se fixando unicamente na missão de pegar na mão do leitor e traçar linhas entre a existência da Maçonaria e dos Assassinos – entre milhares de outras coisas. É basicamente isso. Os personagens são mais rasos que uma piscina infantil, com motivações bestas e conflitos tão divertidos quanto ser acordado por uma Testemunha de Jeová às oito da manhã de um domingo. Mas se os personagens, a narrativa e o ritmo parecem saídos de um romance barato de Sidney Sheldon, o livro ganha força quando as descrições históricas entram em cena. Umberto não cansou de dizer aos quatro ventos que estudou cerca de mil livros para compor a hiper-teoria-da-conspiração de O Pêndulo de Foucault, e lá pela página 300 não é muito difícil concordar com isso. São tantos fatos, encontros, teorias e organizações secretas que a certo momento o Plano começa a fazer sentido dentro da cabeça de quem está lendo. Principalmente se o leitor tiver a mínima curiosidade de pesquisar ao menos por alto a profundidade e o contexto histórico dos fatos descritos no livro. Referências a livros extremamente raros também permeiam diversos bons capítulos, mas se perdem no meio de uma zona descritiva extremamente enfadonha que afoga qualquer tentativa de tudo se tornar verossímil. As boas sacadas – como a genial relação entre a Kabbalah e o funcionamento de um carro – também somem ante a estupidez de Eco de construir qualquer fluxo narrativo minimamente decente. Na cabeça dele deve ter vindo a “brilhante” ideia de fazer literatura com o mesmo estilo caudaloso e enfadonho que Eliphas Levi escreveu livros de Magia – porém, Levi tinha um objetivo bem claro: espantar qualquer curioso que estava ali para aprender a ficar invisível facilmente, ou seja, o público que tornou as obras de São Cipriano um sucesso. Já Eco aparentemente só queria mostrar somente a distância a que vai o próprio conhecimento dele – vasto pra cacete, só pra acrescentar. Para os brasileiros existe o atrativo do livro ter diversos trechos passados no Brasil, com referências ao Candomblé e outras religiões afro, xamanismo e o estado de possessão, características bem presentes nas nossas religiões mais mágicas. Mas o interessante é notar que esses respiros narrativos – uns 70% do livro corresponde ao trio de personagens discorrendo sobre teorias, lembranças distantes ou falando sobre amores perdidos – somente servem para dar voltas e fazerem com que Eco descanse da queima de fosfato que foi elaborar a série de teorias e correspondências histórico-conspiracionais que são a estrela do livro. Mas vamos lá: supomos que você é um cara com sede de aprender e encontre no livro o tipo de mensagem que pode transmitir um pouco de conhecimento secreto e a História Não-Escrita. O livro será uma aventura, principalmente depois da página 300 (quem disse que a vida é fácil?), quando os três conspiradores iniciam a jornada para escrever o Plano. É fácil ficar grudado no livro para querer saber os próximos passos e por alguns instantes chamar Eco de gênio ao vê-lo incluir nazistas, os Assassinos – sim, aqueles matadores furtivos de Assassin’s Creed, em um belo dia escrevo um texto sobre eles -, os Rosa Cruzes no mesmo balaio, tudo com humor absoluto e desprendimento o bastante para dizer que a criação da Maçonaria não passou de um chamariz para atrair parte dos protagonistas do Plano. Mas mesmo para essas pessoas – meu caso – o livro ainda guarda um pouco do rancor e pedantismo de Umberto Eco. O final é extremamente tosco, vê-se que Eco não segue o exemplo de autores clássicos como Mircea Eliade e trata a Magia “simplesmente” como Magia, mas como uma sub-ciência que deve ser tratada com desdém. Como um mero artifício literário, e esse tom por demais afastado termina com qualquer tentativa de apreciar o livro. É justamente o inverso de Dan Brown, que passa a impressão que acredita estar mudando o mundo a cada página, cada revelação e cada nova roupagem pop a teorias antigas que ele enfia nos livros dele. Enquanto um parece querer cuspir na sua cara o que sabe, com certo desdém e com uma tonalidade que parece gritar “Puta merda, camarada, você acredita nessas coisas?”, o outro diz em nas entrelinhas “Amigo, você é louco de não enfiar na sua cabeça que a linhagem de Jesus está por aí e que Leonardo Da Vinci escondeu dezenas de mensagens secretas nas obras dele”. Sinceramente, não sei quem é pior. Para não dizer que o livro não tem nenhuma proposta literária, é possível extrair a lição de que “criações mentais podem tomar vida”. É preciso manter a desconfiança até mesmo no próprio Inconsciente, pois é possível ser engolido pelas próprias crenças, por mais absurdas que sejam ou pareçam. Mas O Pêndulo de Foucault não é um livro, não possui narrativa, personagens ou outra coisa básica que qualquer livro possui. Como um caudaloso livro cético sobre teorias conspiracionais e sociedades secretas se sairia muito melhor. Mas, como Eu não ouço meus próprios conselhos, comprei o mais novo livro de Umberto Eco: O Cemitério de Praga, vamos dar uma última chance ao pedante italiano. Quem sabe com uma história que envolve espionagem e a criação do Protocolo dos Sábios de Sião (citados em O Pêndulo), Eco não acerte em cheio de novo?! Livro: O Pêndulo de Foucault (1997) Editora: Record Autor: Umberto Eco Páginas: 613 Nota: 4