Branco. Só aquele maldito pilar preto piscando. Caçoando de mim. “Você fazia isso tão facilmente, o que foi? Qual o problema agora? A fonte secou? Ou você não está deprimido o suficiente para escrever?

Pisco os olhos e nada. Nada de parágrafo ou linha. Nada de título. Nada de frase inspiradora que levará pessoas a gravá-la permanentemente no corpo com tinta. Nada de história que vai mudar a vida de alguém. Nada de livro que vai me tirar dessa condição de escritor medíocre.

Nada.

Só aquela maldita coluna vertical piscando.

Mas ela tem razão. Antes isso era muito fácil. Fácil até demais. Era só ligar o computador, abrir um novo documento de texto, olhar para a tela branca e pronto. Os dedos se moviam numa velocidade que pulos nenhum jamais conseguiriam acompanhar, a mente ia longe com os olhos alertas tentando descrever do melhor jeito possível a paisagem, personagens, ações, sentimentos e diálogos. Era fácil. Fácil demais.

O pilar preto ainda pisca e nada.

Olho pros meus dedos, minhas dez ferramentas mais leais, aquelas que nunca irão me trair, aquelas nas quais confio minha alma e os segredos mais absurdos e sombrios que, se um dia vierem à tona, posso me considerar um grande sortudo se minha sentença for somente a pena de morte.

Olho para eles e nada. Nenhum movimento ou resposta. Nada. Nenhum calafrio, reação ou espasmo. Permanecem parados, palmas abertas, base da mão na lateral do teclado. Prontas para o abate. Prontas para levarem alguém do riso às lágrimas, da indignação à epifania.

Prontas para despejar verdades mentirosas que você se recusa a ouvir. Verdades que você sabe que estão lá mas se preocupa demais com seu mundinho (im)perfeito para ver.

Verdades que doem.

Verdades que confortam.

Verdades que te fazem sangrar.

É isso o que faço e é isso o que sou.

Sou um contador de mentiras profissional.

E vocês acreditam em cada um delas.

Olho para o relógio. Quinze minutos se passaram. Nada. Não posso ler um livro, não posso ver televisão, não posso comer ou ligar para um amigo. Não enquanto a tela permanecer em branco, não enquanto eu sei que tem algo para sair, não enquanto eu sinto os espasmos pré-vômito palpitarem em minha garganta. Eu sei. Está ali. Ali. Ali. Ali. Em algum lugar.

Respiro fundo.

O maldito pilar preto ainda caçoa de mim.

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