Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Fotos: NIN.com “Da última vez que vim aqui, reclamei bastante sobre os preços dos CDs. Isso virou história mundial e o pessoal do meu selo me odeia pelo mundo todo. Eu os chamei de gananciosos. Alguém aí viu os preços caírem? Ok, agora vocês já sabem o que fazer: roubem. Roubem, e roubem e roubem um pouco mais, e dividam com seus amigos e peçam pra eles roubarem mais. Porque de uma maneira ou de outra, esses filhos da puta vão entender que estão extorquindo as pessoas, e isso não é certo.” Trent Reznor, protestando contra os altos preços dos álbuns do Nine Inch Nails, durante um show na Austrália No início da década de 90, Trent Reznor e sua banda, o Nine Inch Nails, tiveram seu primeiro problema com uma gravadora. O grupo ainda dava seus primeiros passos, e viajava o mundo em uma turnê matadora, abrindo shows de personas da música alternativa, tipo Jesus and Mary Chain e Peter Murphy. Em meio a apresentações brutais, que detonavam praticamente todos os instrumentos usados no palco, e ainda roubavam o holofote de grupos como o Jane’s Addiction (na própria casa do Jane’s, o Festival de Lollapalooza, que tem Perry Farrel, vocalista da banda, como curador), Trent recebeu um contato da gravadora do NIN, a TVT. O comunicado basicamente dizia: O próximo álbum de vocês terá que ser mais comercial. Os motivos que levaram a gravadora a tomar tal atitude são obscuros – talvez a fria recepção europeia a turnê deles, onde abriam os shows do Guns ‘n Roses e foram vaiados por baba-ovos de Axl – já que Trent havia tornado a sonoridade do NIN muito mais pop do que nos EPs pesadamente experimentais e fortemente inspirados no som dos primórdios do Skinny Puppy, enviados a gravadora quatro anos antes, em 1987. O tal álbum da discórdia – não-comercial segundo a TVT – era Pretty Hate Machine, com músicas já clássicas como Head Like a Hole, e Sin, e de onde saíram clipes repletos de montagens bizarras aceleradas pra atordoarem até o cérebro mais acordado, que anos depois seriam proibidos mundo afora – e ao mesmo tempo incorporados em vinhetas da MTV, que ainda vivia seus momentos áureos. Pela primeira vez Reznor tivera uma experiência decepcionante com a indústria da música. E por razões completamente não explicadas, já que Pretty Hate Machine se manteve por cerca de dois anos no Top 100 da Billboard, além de ter sido um dos primeiros álbuns independentes da história a ganhar um CD de platina – triplo ainda por cima. E justamente para tentar assegurar sucesso semelhante, a TVT passou a querer interferir diretamente na direção musical do segundo álbum da banda, atitude que culmina numa longa guerra judicial. O Nine Inch Nails fica oficialmente inativo por cerca de cinco anos, impedido de trabalhar, à espera do fim do contrato deles com a TVT. Secretamente, Reznor participa de gravações de grupos amigos, como o Pigface, e o Gub, usando pseudônimos. Num desses projetos, o 1000 Homo DJs, em parceria com Al Jourgensen (do Ministry), ele faz o vocal, e consequentemente a TVT coloca o nariz no projeto, e exige que o vocal dele seja retirado das canções. Jourgensen, muito esperto, apenas aplica algumas distorções nas faixas e tudo ficar por isso mesmo. Após essa primeira cruzada pessoal contra a indústria fonográfica, o NIN retorna, dessa vez assinando contrato com a Interscope, sendo que um tempo depois eles criariam seu próprio selo, o Nothing Records. A separação da antiga gravadora não veio sem perdas, ele acabou por assinar um contrato a qual se comprometia a dar parte dos lucros para a TVT – que faliria em 2005 – para obter a liberdade devida. Após a conquista da liberdade, Reznor produz um EP ainda melhor que Pretty, intitulado Broken, e o sucesso vem, mesmo com a crítica pisando na tecla da obra ser de difícil digestão. Com o triunfo ele se põe a tentar voos mais altos, e se muda para Los Angeles, onde começa a planejar um novo álbum. O cenário encontrado por Reznor para a criação de mais um álbum furioso do Nine Inch Nails não poderia estar mais carregado de simbolismos e elementos alinhados a temática da banda: o local onde eles montam o estúdio é a casa onde a atriz Sharon Tate – mulher de Roman Polanski – e mais quatro amigos dela, foi assassinada brutalmente pela gangue de psicopatas de Charles Manson. Os que já puseram os ouvidos no que é o segundo álbum “completo” do grupo, sabem que a jornada musicalmente carregada de miséria e cheia de texturas densas e por vezes sombrias da banda, ganha ares artísticos e menos crus aqui, e não por acaso compõe o que muitos classificam como a obra-prima do grupo: The Downard Spiral. O processo de se refugiar do mundo por meses, compor com liberdade extrema, sem a presença de executivos de gravadoras, e utilizar um estúdio montado numa residência foi também utilizado pelo Radiohead para compor um dos melhores discos da história: OK Computer. Talvez essa liberdade desmedida somada a falta de pressão de engravatados, seja justamente a válvula que possibilitou as duas bandas produzirem obras tão artisticamente fundamentais para a música. Comercialmente, Downard foi um sucesso ainda mais estrondoso que Pretty e o EP Broken, e vai para a posição número 2 da Billboard – Pretty não passou da posição 75 – e isso deve ter causado dores de cabeça intensas nos produtores da TVT. Mais uma pausa se segue na carreira do NIN, e cinco anos depois o petardo duplo The Fragile chega ao mercado. É aclamado como o “disco do ano”, e as resenhas dele pelos principais veículos do globo – tipo o Pitchfork e a revista Spin – contém frases de efeito como “o mais poderoso conjunto de canções em muito anos” e “o álbum-símbolo de uma geração amargurada”. Em outras palavras: o mundo precisava de Nine Inch Nails, e a primeira posição na Billboard pareceu indicar isso. Ao menos em um ângulo de análise comercial. Após mais um discaço, With Teeth – lançado, em 2005, seis anos depois de The Fragile, em meio a uma volta por cima de Reznor, que havia se tornado alcoólatra e viciado em drogas – se inicia a Segunda Guerra do NIN contra uma gravadora… Dessa vez o conflito é mais intenso, e para quem está de fora, o motivo pareceu meio bobo. Reznor na época planejava a revolucionária campanha de lançamento de Year Zero, ganhadora do prêmio máximo da publicidade, em Cannes, que se utilizaria de um engenhoso ARG; quando entrou em discordância com o Universal Music Group, dona da Interscope. Ele acusou a Universal de abusar dos fãs e colocar CDs do grupo a preços absurdos – na Austrália, Year Zero custava módicos US$ 30, por exemplo. Foi nessa época, setembro de 2007, que o discurso incitando ao “roubo” de suas músicas na internet foi proferido por ele. Uma frase dele sintetizou bem como o declínio das gravadoras estava num nível avançado: “(…) o clima se torna mais e mais desesperador para as gravadoras, a resposta delas para o seu basicamente ferimento auto-infligido parece ser ferrar o consumidor cada vez mais“. Seus planos eram por demais avançados para uma indústria decadente. Reznor queria vender Year Zero por US$ 5, sem restrição de cópias, e diretamente pelo site do grupo, permitindo o acesso dos ouvintes para remixarem as faixas do CD. Paralelo a esse lançamento digital, eles lançariam uma versão luxuosa do CD, com arte elaborada e outros artigos para fãs. A Interscope rejeitou a ideia e o álbum é lançado no formato convencional. Foi a gota d’água… Reznor e o NIN jamais quiseram saber de grandes gravadoras novamente. Um mês depois, o NIN se livra totalmente do velho esquema artista-gravadora-público, e deixa claro que à partir dali se tornaria uma instituição independente, sem vínculos com a indústria musical. “Me dá muito prazer poder finalmente ter um relacionamento direto com o público, do modo que achar melhor,” postou ele no site oficial da banda, o nin.com, que se tornaria uma comunidade online bem desenvolvida, com fóruns, compartilhamento de imagens e vídeos, aplicativos para iPhone e iPad, fora remixes feitos por fãs das músicas da banda. Em 2008 a banda lança Ghosts I-IV, um álbum instrumental com fortes tendências conceituais. É climático, angustiante, lúgubre… e grátis. Seu diferencial foi sair numa licença Creative Commons. Quem quisesse, poderia baixar livremente pelo site da banda – ou num dos vários torrents do álbum, o que era incentivado pelo grupo, que vê o protocolo P2P como como uma forma de economia de banda, e comunicação entre fãs – gratuitamente no site do grupo, mas existiam outras versões do álbum também: um download digital com 36 faixas por US$ 5, um álbum físico por US$ 10, uma edição luxuosa custando US$ 75, e uma ultra-luxuosa do álbum custando 300 dólares, que continha 36 faixas, ao invés das nove da versão gratuita, o que facilmente o classificaria como invendável (afinal, mesmo as 28 faixas extras podiam ser encontradas na internet, como atesta a versão que tenho aqui). Ledo engano: eles vendem mais de 780 mil álbuns (inclusive todas as 2500 cópias ultra-luxuosas) e Reznor sozinho lucra mais de US$ 1 milhão e meio de dólares. Ao redor, a discussão definitiva do fim das gravadoras alcança seu auge um ano antes, com o lançamento de In Rainbows, do Radiohead, que dava a opção do comprador pagar o quanto quiser – inclusive nada. Ironicamente, no caso do Radiohead, o estrondoso sucesso de In Rainbows, levou a EMI, antiga gravadora do grupo, a assinar um contrato para vender uma versão também ultra-luxuosa e com músicas extras do disco. A visão do NIN sobre gratuidade e Creative Commons é ultra-radical, e parece ser a mais acertada e correta na visão de artistas que realmente se preocupam com fãs. Ao contrário do Radiohead, que diz ter achado a experiência interessante, mesmo sem garantir que todos os lançamentos do grupo sigam o modelo pague-o-quanto-quiser à partir de agora, enquanto o Reznor vê na distribuição digital gratuita o futuro da música e dos próprios artistas. Tanto é assim, que alguns meses depois lança – completamente de surpresa, e derrubando queixos de fãs, executivos e jornalistas – The Slip, um álbum convencional no estilo Reznor, que novamente segue a fórmula da gratuidade, mas dessa vez com todas as canções já disponíveis pra baixar. Musicalmente ele soa como uma revisão de toda a carreira turbulenta do NIN, algo próximo do que fez o Radiohead em In Rainbows (Eu sei, até num texto sobre o NIN, não consigo parar de citar o Radiohead, mas é a vida…). Mesmo com uma ambição musical menor e menos impactante que Year Zero – e com menos referências empolgantes – The Slip termina uma era. Uma Era onde pela primeira vez a arte ficou acima dos lucros! Musicalmente, o NIN é ainda mais furioso que as atitudes anti-gravadoras de Reznor. Desde Pretty Hate Machine, a banda leva a um cenário mais mainstream os conceitos demolidores e anti-establishment de grupos do chamado rock industrial e igualmente poderosos – e mais sombrios – como o Skiny Puppy. Reznor foi também um dos três artistas mais importantes para o rock nos anos 90. De um lado o pop começava um pequeno declínio – Madonna e Michael Jackson viam o trono do topo de vendas, antes completamente deles, começar a ser ocupado por gente como o Nirvana – surgiam artistas seminais e vozes de uma geração. Um deles era Kurt Cobain, que liderou furiosamente o Nirvana à frente do movimento grunge – basicamente uma revisitação ao punk, mas com um pouco mais de qualidade sonora em termos técnicos, embora o mesmo senso de revolta contra nada e nenhuma consciência fosse o mesmo. Um dos filhotes do Nirvana do outro lado do Atlântico, o Radiohead, cresceria e se tornaria maior que o movimento que inspirou seus dois primeiros álbuns – o tocante Pablo Honey, de onde saiu o mega hit Creep; e a obra-prima The Bends, o casamento perfeito entre o que era a raiva grunge, com um recheio sentimentalista e carregado da qualidade estética do britrock – e criaria uma espécie de fusão perfeita entre o peso do rock, com o minimalismo semi-artificial da música eletrônica propagada pelos alemães do Kraftwerk, juntos a elementos arrastadas de jazz. O NIN se firmou no meio musical numa espécie de periferia desses estilos, e se agarrou no sombrio rock industrial, somando a ele uma multidão de influências como o pós-rock de Kid A (olha o Radiohead aqui de novo), e o rock progressivo. O culpado disso é o próprio Trent Reznor – é preciso deixar bem claro que ele efetivamente é o Nine Inch Nails, é seu único integrante fixo, e de tempos em tempos, muda a banda que o acompanha nas gravações e nas turnês, mas consegue deixar tudo homogeneamente no estilo que ele deseja. E mesmo sem músicos ele já se virou. No primeiro EP do grupo, ele tocou todos os instrumentos, com exceção da bateria. Enquanto uma parcela de adolescentes e jovens descontentes e que não tiravam suas camisas de flanela de forma alguma urravam as palavras saídas da boca de Kurt Cobain – e ainda batiam boca com os fãs do Pearl Jam – outros preferiam viajar nos conceitos homem-máquina e futuro robótico sombrio proposto por Thom Yorke & cia. Um terceiro grupo uniu as duas coisas e partiu para ouvir a fúria de Reznor à frente do Nine Inch Nails. Logicamente existiam outros grupos roqueiros nos anos 90, como cabeludos presos na fúria inocente e tacanha do black e death metal, que bipolarizava o mundo entre adoradores de Deus e de Satã – e que se decepcionavam com coisas como a declaração de homossexualidade de Gaal, o vocalista da banda norueguesa Gorgoroth, que segundo a polícia do país, incitava a destruição de templos cristãos – e ainda os viajantes de ácido que se amarravam nos malucos do Flaming Lips e na banda irmã deles, o Mercury Rev. Mas é importante achar um foco, e o foco era o grunge, o Radiohead, e o povo do industrial – que teve várias de suas características sonoras por diversas bandas independentes que não se encaixavam nos dois grupos anteriores. A própria sonoridade do NIN parece seguir fórmulas pré-estabelecidas – e sob um olhar superficial e rápido, realmente seguem – mas reflete muito bem a montanha-russa raivosa de momentos-chave pela qual Trent Reznor foi sacudido. No início sua principal marca eram suas apresentações ao vivo destrutivas, que não deixavam nenhum instrumento inteiro, e que levavam fãs a êxtases inclassificáveis, no melhor estilo do povo da distorção como o Sonic Youth e o …And You Will Know Us By The Trail of Dead. Seus clipes representavam perfeitamente e com uma crueza visual impactante o mundo do NIN, repleto de estupradores, assassinos, suicidas e angústia mental. Não por acaso, uma grande parcela dos videoclipes deles foram proibidos – ou pesadamente censurados – em todos os países do mundo. O Anticristo musical, Marilyn Manson, é um discípulo de Reznor. Afinal, não é todo o dia que vemos uma música com versos como “(…) Eu quero te foder com a força de um animal selvagem” – um recado presente na música Mr. Self-Destruct, e dirigido às instituições religiosas alienadoras, e passa incólume pelo batalhão do politicamente correto que assolou o mundo pós-anos 80 (alguns são ainda mais pessimistas e dizem que os anos 80 foram simplesmente um conjunto de reciclagens dos seminais anos 70). Trent Reznor é símbolo de uma geração que mesmo inserida na sociedade, vive numa espécie de limbo de descontentamento, à margem dela. Talvez ele tenha se tornado extremamente popular dentro de seu nicho musical por concentrar sua espiral destrutiva apenas em suas músicas, enquanto seus irmãos undergrounds da dupla Skinny Puppy partiam para ações mais efetivas, como jogar fezes de cachorro em em desfiles de moda, entre outras coisas igualmente reprováveis. Mas enquanto outros grupos focados no chamado rock industrial se preocupam unicamente em reproduzir ferrenhamente as batidas de uma fábrica que escraviza pelo conformismo, e as une a letras demolidoras, Reznor dá passos adiante, e consegue explorar os limites musicais de uma forma um pouco mais extensa. Enquanto canções como Eraser e March of the Pigs – ambas compondo o melhor álbum do grupo, The Downard Spiral – são mais explosivas que erupções vulcânicas, em contrapartida, existe a clássica Hurt (logo depois imortalizada na voz poderosa de Johnny Cash) e Right Where it Belongs, que são como pesadas lamúrias depressivas e introspectivas. Embora o vocal potente de Reznor seja uma atração à parte, a instrumentação musical da banda alcança níveis em certos momentos inspirados, e dão vida a canções puramente instrumentais e climáticas, como A Warm Place, e o próprio álbum Ghosts I-IV. E mesmo essas canções aparentemente vazias de protesto, podem servir de trilha para aqueles momentos onde a tensão está mais palpável. Mesmo seguindo uma cartilha meio indigesta, tanto nas letras quando nas influências sonoras, o Nine Inch Nails cria músicas pop meio improváveis, que parecem mais servir como iscas para atrair os que não parecem se amarrar muito na trilha sonora de destruição deles. Eu fui hipnotizado por uma dessas músicas meio diferentonas. Foi no meio de um racha de Midnight Club que conheci The Hand that Feeds, o maior sucesso do grupo desde Closer. Semanas depois descubro que a sonoridade pop daquele single era somente a ponta do iceberg do coquetel destrutivo que serve de base para as músicas de Reznor. Logo sou imediatamente fisgado por todo With Teeth, o disco de mais fácil digestão do grupo. Ele soa como uma metralhadora de singles, e com uma espécie de temática reabilitadora, que contrasta com as músicas recheadas de culpa e vícios dos álbuns anteriores. Junto com The Slip, With Teeth é o ponto de partida ideal para quem vai começar a ouvir Nine Inch Nails. Não é muito complexo ficar viciado no refrão de Every Day is Exactly the Same, ou gritar desesperadamente ao som de Getting Smaller. Da mesma forma que é impossível deixar sua cabeça parada perante a raiva de Discipline e Demon Seed. Obviamente Michael Trent Reznor não mudou nesses dois álbuns, somente passava por momentos diferentes. Em With Teeth ele finalmente estava de cara limpa, após descer ao inferno do vício em sexo fácil, álcool, cocaína e heroína; e em The Slip as amarras das gravadoras haviam ficado definitivamente para trás, e os fãs agora tinham acesso a versões completas dos seus álbuns. Logicamente que até as canções ditas “mais fáceis” do NIN têm conexões com as mais densas e pesadas. É fácil achar ligações entre na balada sonoramente leve Hurt e The Great Destroyer, uma das melhores músicas de Year Zero. Ou um eco do peso martelante de Head Like a Hole, ou Terrible Lie, com Reznor cantando mais furiosamente que de costume, em The Collector. O auge da criatividade de Trent foi, com certeza, Year Zero. “Eu sou uma espécie de nerd destrutivo, acho“, disse ele na época do lançamento do álbum, entrevista a revista Kerrang. Mesmo que musicalmente não seja irretocável como Downard, para quem coloca as letras e temáticas num nível de importância equivalente a texturas e arranjos musicais, é com certeza a obra-prima B do grupo. Marcou também por ser um álbum conceitual, e com um tema importante, geralmente discutida da forma mais idiota possível (como fica patente pelos inúmeros programas sobre Nostradamus no History Channel, ou pelo filme 2012): o fim do mundo. Ao invés de se focar em profecias milenares, ou em outros conceitos religiosos abstratos, eles foram pelo caminho mais complexo e analisaram fatores mais concretos e presentes no mundo atual para traçar um panorama mais real de fim do mundo como o conhecemos. Entra nessa miscelânea, instituições de segurança no melhor estilo Bush e o Ato Patriótico dele, a Religião – religião, aliás, é uma constante nas músicas do NIN – corporações poluidoras e uma massa que virou um grande fantoche. Para fins comparativos, Year Zero seria o Kid A (o álbum mais conceitual do Radiohead. O próprio título é uma referência a a primeira criança clonada do mundo, que na visão do Radiohead, já existe) do NIN, ou um Absolution (álbum apocalíptico do Muse). Sonoramente Year Zero flerta com rock progressivo – de uma forma única, devo acrescentar… é como se Reznor tivesse se posto a ouvir The Mars Volta por uns seis meses, ou aprendeu a lidar com sonoridades diversas no melhor estilo Mike Patton de ser. A campanha de lançamento do disco foi igualmente revolucionária, e envolveu pendrives deixados em banheiros de apresentações do grupo, sites bizarros, pistas deixadas em forma de quebra-cabeça e músicas liberadas para os que conseguiram chegar ao final. Foi importante também por marcar o rompimento de Reznor com a indústria fonográfica, o que permitiu uma aproximação maior da banda com os fãs. Mas nada disso faria sentido se as músicas não fossem boas. E Year Zero é foda em todos os sentidos. Talvez os adolescentes de hoje odeiem, principalmente por hoje não terem mais paciência de ouvir um CD inteiro – ainda mais por dias, como pediu Trent, dizendo que a cada audição, com certeza serão encontradas novas referências – e cada música do conjunto, mesmo tendo vida própria, só fazem sentido sendo ouvidas dentro do ordem estabelecida por Reznor. Não há baladas fáceis aqui, e a única música para ser lançada em rádios ou servir de single talvez seja The Great Destroyer – quase perdida no meio de momentos instrumentais, como o fim de The Greater Good, ou a estranha Another Version of Truth, que poderia ser tocada antes de uma guerra – ou depois dela, depende de que momento da música estamos falando. Mesmo que a Universal tenha feito de tudo para impedir, o Nine Inch Nails levou adiante seus planos de deixar o álbum disponível para download – com arquivos originais do Pro Tools, o que seria mais ou menos equivalente a um site expor todo o seu código-fonte. Alguns remixes são estupendos e melhores que as canções originais, como a instrumental HYPERPOWER!, que virou o rap-rock matador Guns By Computer. Ou o remix de The Great Destroyer, que conseguiu levar a música na direção de Hurt de uma forma espetacular. Porém, mesmo fora dos palcos, Trent Reznor contribui para a música, colocando artistas – e fãs – acima de donos de empresas que só sabem vender plástico e reduzir arte a números e balanços financeiros. Também não tem muita paciência com quem não compartilha de suas ideias. No Video Music Awards (prêmio dos melhore do ano da MTV) de 2005 ele simplesmente abandona o palco no meio da apresentação de The Hand that Feeds por perceber que a imagem de Bush que tinha escolhido para ser exibida no telão, ter sido censurada – o Foo Fighters se apresentariam no lugar deles. Em 2010, com a guerra anti-gravadoras definitivamente ganha, e com o Reznor se sustentando de forma independente, ele anuncia que o Nine Inch Nails daria um tempo em sua existência, e sumiria de cena indefinidamente. Recentemente ele apresentou um novo projeto, em parceria com sua esposa. O nome é uma mostra que a fúria dos melhores dias com o NIN podem estar voltando: How To Destroy Angels. Se um dia veremos um retorno de sua antiga banda – que por ganância de produtoras brasileiros, jamais pude ver ao vivo, estava com ingresso e passagem comprada para ver um show em Porto Alegre ano passado, mas ele foi cancelado – não sei, mas com certeza Reznor não ficará quieto enquanto puder continuar com sua arte. Afinal, é a arte que o tira do seu eterno estado de tristeza.